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GÉNESE: COOPERAÇÃO INFORMAL E INSTITUCIONALIZAÇÃO PROGRESSIVA

CAPÍTULO II EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ELSJ

2. GÉNESE: COOPERAÇÃO INFORMAL E INSTITUCIONALIZAÇÃO PROGRESSIVA

Historicamente, a área da justiça e assuntos internos é uma temática exógena ao projecto de integração europeu, estando subalternizada até ao final da década de 80 pelo objectivo fundamental de construção uma Europa económica. Como salienta Monar (2009:26), a segurança interna, o controlo dos acessos ao território nacional e a administração da justiça participam do discurso justificador e legitimador da existência do Estado, devendo resistir incólumes aos avanços da comunitarização epermanecendo na esfera da competência reservada dos Estados-membros.

Esta exclusão, explicada pela afinidade das matérias do espaço de liberdade, segurança e justiça com o núcleo tradicional da soberania estadual e pela sua consequente sensibilidade política, não é, todavia, impeditiva de exemplos pontuais de

14 Terrorismo, radicalismo e violência internacional. Estabelecido pelos Estados-membros da Comunidade Europeia em 1975, o grupo não detinha qualquer base jurídica e possuía um mandato circunscrito, prosseguido no quadro da Cooperação Política Europeia. Apesar das suas limitações, a cooperação de TREVI é assinalada como laboratório (Monar 2001) pioneiro das políticas de justiça e assuntos internos e, aquando da concepção da estrutura de pilares em Maastricht, algumas das suas características primitivas foram retidas (o papel limitado da Comissão, a ausência de poderes do Parlamento Europeu e do Tribunal de Justiça e a criação de um Comité de Coordenação no artigo K.4, que até hoje se mantém (CATS).

cooperação pragmática (Moreillon e Willi-Jayet 2005:15) a partir do final da década de sessenta do século passado.

Os primeiros exemplos de cooperação nesta área são ensaiados fora da estrutura institucional. A cooperação prosseguida no Grupo de TREVI (Terrorismo, Radicalismo e Violência Internacional), no seio do qual os ministros dos assuntos internos se reúnem a partir de 1975, incarna a informalidade e o secretismo, as características mais salientes desta fase embrionária. Inicialmente constituído para discutir aspectos relativos à luta contra os episódios de terrorismo político que à época assolavam certos Estados europeus, o grupo alarga progressivamente o seu espaço de actuação a matérias que relevavam da cooperação policial e da luta contra a criminalidade grave. Mais tarde, a Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen (1990) define as medidas compensatórias da abolição das fronteiras internas, lançando as bases da cooperação policial, da troca de informações ou da cooperação em matéria penal do ulterior terceiro pilar.

A presença dos condicionalismos soberanos permite compreender que, na génese, a cooperação nesta área de política seja debilitada pelas resistências nacionais: os laboratórios (Monar 2001) iniciais de TREVI e de Schengen, constituem-se como formas de cooperação puramente intergovernamentais, prosseguidas fora do quadro institucional das comunidades como experiências que preservam todas as faculdades soberanas, relevando do direito internacional clássico (Convenção de Schengen, Convenção de Dublin) sem mácula de comunitarização ou ingerência supranacional.

Os primeiros indícios de abertura à institucionalização podem ser encontrados no Acto Único Europeu (1986) com a referência, no artigo 8.ºA15, à adopção das disposições necessárias à implementação do Mercado Interno e declarações conexas.16

Em 1992, com o Tratado de Maastricht, a área de justiça e assuntos internos é finalmente formalizada no terceiro pilar. Todavia, a sua natureza estritamente intergovernamental contrasta com o método comunitário, admitindo apenas a

15 "Estabelecer progressivamente o mercado interno durante um período que termina em 31 de Dezembro de 1992", definido como "um espaço sem fronteiras internas, no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada de acordo com as disposições do presente Tratado". 16 Declaração política dos governos dos Estados-membros (n.º13) relativa à livre circulação de pessoas: "Tendo em vista promover a livre circulação de pessoas, os Estados-membros cooperam, sem prejuízo das competências da Comunidade, nomeadamente no que respeita à entrada, à circulação e à estada de cidadãos de países terceiros. Cooperam igualmente no que respeita à luta contra o terrorismo, a

estruturação de uma área de cooperação com processos de decisão, instrumentos17 e poderes institucionais diferenciados.

A evolução institucional acelera-se com o Tratado de Amesterdão (1997), que opera a comunitarização parcial da área JAI, transpondo para o primeiro pilar as políticas relativas à cooperação em matéria civil, asilos, vistos e migração. Paralelamente, a capacidade de actuação internacional da União Europeia começa a explicitar-se: a personalidade internacional da comunidade consagrada de forma expressa em relação ao primeiro pilar - e por maioria de razão, em relação às matérias comunitarizadas dos vistos, asilo e migração - é correspondida, nas matérias não comunitarizadas do Título IV do TUE, pela inscrição, no artigo 38.º do TUE, de uma disposição que materializa a capacidade de actuação internacional da UE.

Todavia, e não obstante esta comunitarização parcial, permanece a marcada preferência dos Estados-membros pelo reforço da cooperação entre sistemas nacionais em detrimento da integração, obrigando ao desenvolvimento de estratégias de adaptação como forma de corresponder aos desafios e carências institucionais crescentes (Monar 2009). É assim que, como forma de contornar a inviabilização de abordagens mais constritivas e hierárquicas, assistimos ao desenvolvimento paulatino de capacidades específicas tendentes a facilitar e apoiar a cooperação entre Estados-membros. A criação de agências especializadas é um dos exemplos desta abordagem, que enfatiza o recurso a mecanismos de coordenação e facilitação.

Por outro lado, como forma de obstar às dificuldades decorrentes da regra da unanimidade, o Conselho e a Comissão recorrem a instrumentos de soft governance que induzem uma certa monitorização de políticas, ainda que não sindicável: desta forma, programas plurianuais como Tampere, Haia (e Estocolmo, já na vigência do Tratado de Lisboa), mecanismos de avaliação mútua pelos pares, ou de monitorização informal do cumprimento de metas (scoreboards) passam a integrar o ciclo de vida das políticas JAI. Porém, estas respostas institucionais continuam a ser insuficientes para mitigar o reforço do intergovernamentalismo operado com a absorção de TREVI e com a integração da Convenção de Schengen no acervo comunitário, duas estruturas com culturas de decisão ancoradas na protecção da soberania, com culturas de decisão quase secretas, dominadas pelo carácter restrito da informação e orientadas para a satisfação das preferências de cooperação dos Estados-membros.

Em suma, a caracterização do ELSJ até ao Tratado de Lisboa, apesar de pontuada pela institucionalização crescente e por uma comunitarização parcial iniciada em Amesterdão e reforçada no Tratado de Nice, mantém como traço fundamental a nítida persistência de características do intergovernamentalismo originário. Acresce a isto uma pronunciada diversidade das matérias que integram a JAI (asilo, imigração, controlo de fronteiras, cooperação policial e judiciária em matéria civil e penal), a qual, combinada com a complexidade institucional, dificulta a inteligibilidade das suas políticas.

Outras características concorrem para esta complexidade: a forte dimensão operacional da cooperação estabelecida, decorrente do sobredimensionamento histórico das matérias policiais em detrimento de políticas eminentemente normativas; a diferenciação ocasionada por um ELSJ a duas velocidades após o Tratado de Amesterdão e do opt out concedido ao Reino Unido e à Dinamarca em matérias que relevavam do primeiro pilar JAI; a cisão entre primeiro pilar (ocorrida com a comunitarização do Título IV TCE)18 e terceiro pilar (Títulos V e VI, relativos à cooperação em matéria policial e penal) que acentua a visibilidade do Conselho de Justiça e Assuntos Internos como único órgão centralizador de políticas diferenciadas pela pluralidade temática e de processos de decisão.