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A cooperativa em discussão

Como em Goiatuba soja virou arroz: um estudo de caso – COMPSGOL – Cooperativa Mista de Produtores de Soja de Goiatuba Ltda.

2.1 A cooperativa em discussão

A cooperativa agrícola enquanto entidade é objeto de reflexão de vários autores, principalmente de sociólogos e economistas.28O debate sobre o tema nos últimos tempos tem-se direcionado para o resgate do papel das cooperativas no processo de expansão do capital no campo e, nesse caso, não são poucos os trabalhos apontando que estas, antes de se transformarem em espaço de resistência dos produtores rurais, têm se transformado em espaço de consolidação de um tipo de agricultura e de uma lógica produtiva que colabora ainda mais para o aprofundamento da submissão do produtor rural aos ditames do grande capital.29

A cooperativa enquanto espaço de resistência insere-se dentro de uma perspectiva de análise muito influenciada pelo que se pode chamar de “mito de origem” (interpretações que têm como base o surgimento do cooperativismo na Europa, que esteve relacionado ao movimento operário e a uma perspectiva de intervenção social) e também pela “doutrina” do movimento cooperativista (que procura reforçar um tipo de intervenção social que vangloria a solidariedade entre os iguais e a defesa dos explorados, sempre associada a uma crítica social). Outro fator que reforçou as visões do cooperativismo como movimento de resistência foram os estudos de sua estruturação, nos anos 30, no qual tal movimento esteve vinculado ao movimento sindical e popular, reforçando, assim, o viés da resistência.

A estruturação de uma perspectiva diferenciada de análise do movimento cooperativista, em que esse passa a ser visto como um componente da expansão da

28. Para tomar contato com o debate sobre o cooperativismo no Brasil ver, dentre outros, Fleury (1983), Ladaig (1995), Loureiro (1981), Spenthof (1995), Campos (1999), Duarte (1986).

29. Defendem esse tipo de interpretação na análise do cooperativismo brasileiro os trabalhos de Loureiro (1981), Duarte (1986).

dominação do grande capital deu-se a partir da década de 70, quando os estudiosos passaram a se dedicar ao estudo do crescimento do movimento cooperativista no campo, que se expandia principalmente nos setores mais dinâmicos da produção agropecuária. Neste contexto, vários trabalhos que se dedicaram ao estudo do movimento cooperativista desenvolveram, dentre outras, duas conclusões básicas. Uma delas pode ser representada por esta citação de Loureiro (1981, p.19):

atesta a importância dos condicionamentos estruturais do meio em que opera este cooperativismo e reforça a hipótese da capacidade limitada deste sistema para gerar mudanças necessárias a uma atuação compatível com o preconizado pela doutrina e pelos organismos internacionais e nacionais à sua retaguarda.

As cooperativas agrícolas inseridas nesse contexto tiveram sua capacidade de mobilidade limitada e seu desenvolvimento impedido de qualquer perspectiva de autonomia ou resistência preconizada pela doutrina. No Brasil o surgimento das cooperativas agrícolas está relacionado com a tentativa dos produtores de se estruturarem enquanto capitalistas (MARTINS, 1975, p. 68), como uma tentativa de inserção em melhores condições no mercado. Assim, o Estado aparece como um incentivador do movimento cooperativista, principalmente frente a determinados segmentos sociais rurais identificados por essa perspectiva de agricultura (DUARTE, 1986, p.35).

O contexto de desenvolvimento econômico e as características de segmentos sociais envolvidos no movimento cooperativista seriam fatores essenciais para a análise da estruturação de cooperativas e para a percepção do papel que elas exerceram no processo de expansão do capital, mas outro fator pode ser ressaltado para a percepção do cooperativismo que também é alvo da preocupação de alguns autores (FLEURY, 1983 (MORAES, 1992). Esse fator se refere ao embate travado no interior dessas entidades – os variados tipos de produtores que as integram deram complexidade a esta entidade que somada aos demais fatores permitem formular uma interpretação para esse tipo de movimento. Em relação ao componente social, alguns trabalhos têm salientado os mecanismos de que se utilizam os grandes produtores, técnicos e agentes do Estado para manter o controle interno das cooperativas e, dessa forma, impedir o desenvolvimento de um movimento de resistência no interior destas entidades ou mesmo de que os pequenos e médios produtores tivessem o controle destas entidades ou conseguissem alçar os cargos dirigentes e, nesse caso, imprimir um caráter diferenciado ao movimento (MORAES, 1992, 7-11).

No caso específico de Goiatuba podem-se ver claramente os fatores citados, de fundamental importância para se compreender a estruturação de uma cooperativa na região. Contudo agregam-se outras reflexões, o que nos permite vislumbrar a fundação desta cooperativa, vista não só como um espaço de consolidação da dominação do capital, mas também como um espaço de articulação de grupos políticos. Não é objetivo deste trabalho promover um debate sobre o movimento cooperativista. Interessa focalizar a cooperativa como espaço de disputa política e de projetos, ressaltando a estruturação de uma determinada realidade, não como fruto de uma determinação dada desde o início, mas como o resultado de embates e soluções construídas por agentes sociais em disputa.

Como procurou-se deixar evidente, o surgimento da cooperativa em Goiatuba está relacionado a dois fatores que estiveram presentes, também, em outros contextos: de um lado se situavam os produtores rurais que viam neste movimento uma forma de resolver seus problemas básicos, no que se refere à produção, e que tentavam se inserir no mercado de maneira mais dinâmica; de outro, estava o Estado, incentivador do processo de fundação de cooperativas como forma de consolidar sua intervenção no campo (DUARTE, 1986, p. 42-81). Mesmo que alguns elementos aqui abordados fossem comuns a outras localidades, a forma como essa relação se consolidou e como o processo se desenvolveu fazem com que se apresentem algumas especificidades, que serão analisadas neste trabalho.