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3. Brasil e Copa do Mundo: uma construção midiática

3.2. Copa do Mundo e megaeventos esportivos como fenômenos midiáticos

A fim de provar a importância da Copa do Mundo na cultura brasileira contemporânea e a apropriação do interesse social sob o evento pela mídia, Gastaldo (2004) mediu o tempo gasto com o assunto no Jornal Nacional. No dia do jogo de estreia do Brasil, verificou-se que 83% da duração do telejornal da Rede Globo foi dedicado ao tema; em um jogo posterior que culminou em vitória brasileira, o tempo total chegou a 94%. As medições foram feitas na Copa do Mundo de 1998 – edição realizada na França, território muito mais distante do dia a dia do brasileiro e dos veículos de comunicação do que seria uma Copa acontecendo no próprio país. Ainda assim, com estes números expressivos, o autor conclui que, se o jornalismo não inventa o interesse social por este evento, ao menos o aumenta e colabora para “construir uma impressão de realidade que mitifica a importância da Copa, elegendo-a como o ‘único’ acontecimento digno de menção jornalística (GASTALDO, 2004, p. 131).

Estar em uma Copa do Mundo e, mais ainda, sediá-la, é colocar-se sob os holofotes do mundo. Além dos benefícios de desenvolver projetos locais com prazos definidos e aumentar o turismo, De Almeida (2009, p. 183) cita a oportunidade de exposição midiática

51 regional, nacional e internacional a baixos custos como vantagens de se candidatar à vaga de país-sede de um evento deste porte. Payne (2006) também afirma que megaeventos podem servir como uma das mais poderosas plataformas para qualquer país:

Os governos gastam bilhões de dólares todos os anos trabalhando sua imagem no resto do mundo. Tentam influenciar o modo como são percebidos por outras nações e sabem que a imagem de uma nação afeta relacionamentos políticos e econômicos. Seja para aumentar o turismo, mudar a política interna e externa, atrair investimentos ou ajuda ou melhorar o comércio internacional, a intenção do gerenciamento da imagem nacional é colocar a nação sob uma luz mais favorável para o resto do mundo. (PAYNE, 2006, p. 178-179).

De fato, a perspectiva de possíveis legados dos megaeventos, em especial sobre a imagem do Brasil, ganha um capítulo exclusivo no livro Legados de megaeventos esportivos, elaborado pelo Ministério do Esporte e publicado em 2008, seis anos antes da Copa do Mundo chegar aqui. Membros do Grupo de Pesquisa e Estudos Olímpicos da Universidade Gama Filho listam alguns fatores que são esperados em relação às representações do país após este sediar o torneio esportivo: “projeção da imagem do país; projeção da imagem das cidades-sede dentro e fora do país, considerada como cultura urbana; projeção de oportunidades econômicas e de serviços que o país poderá oferecer; nacionalismo e confiança cívica, bem como o orgulho regional e nacional” (VILLANO et al, 2008, p. 48). Para Mezzaroba; Messa e Pires (2011), os megaeventos já são planejados pensando que a maior parte das pessoas terá acesso a eles pelos meios de comunicação, vendo assim, como algo a ganhar, a “imagem externa a ser construída pela mídia internacional, tornando as cidades e regiões do país mais conhecidas” (MEZZAROBA; MESSA; PIRES, 2011, p. 28).

A repercussão e a magnitude dos megaeventos esportivos são tão grandes, assim como suas possíveis consequências para o país-sede, que Santin (2009) chega a compará-los com guerras na questão de mobilização de pessoas:

Os megaeventos esportivos, para começar dizendo o óbvio, são as maiores invenções geradas pelo avanço científico e tecnológico, pela ganância econômica e pela sede de poder, durante o século XX. Apenas as duas grandes guerras mundiais os superam em magnitude de suas mobilizações e megalomanias de seus patrocinadores. A diferença entre esses dois tipos de megaeventos está na sua classificação. Os esportivos são proclamados como pacíficos e festivos. Os belicosos, ainda que sejam justificados como defensores da paz, são inapelavelmente criminosos e mortíferos. (SATIN, 2009, p. 332).

O autor acredita que esta capacidade de mobilizar milhares de pessoas, independente de cultura, idade, ideologia ou nível social se deve, primeiro, ao caráter do esporte como fator

52 positivo de sociabilidade e, segundo, porque existe a possibilidade real de “participação universal segundo as condições pessoais: participante, torcedor, telespectador (SATIN, 2009, p. 334), ressaltando, novamente, a função dos meios de comunicação na transformação de um evento qualquer em um megaevento.

Roche (2001) conceitua megaeventos como “eventos de larga escala cultural (incluindo comerciais e esportivos) que tem uma característica dramática, apelo popular massivo e significância internacional (ROCHE, 2001, p. 1). Tipicamente organizados por combinações variáveis de governos nacionais e organizações internacionais não governamentais, para o autor eles ainda podem ser importantes elementos nas versões oficiais da cultura pública. Mezzaroba; Messa e Pires (2011) continuam definindo-os como “eventos de curta duração e grande impacto, que apresentam grandiosidade em termos de público, mercado alvo, nível de envolvimento financeiro do setor público, efeitos políticos, extensão de cobertura televisiva, construção de instalações e impacto sobre o sistema econômico e social da comunidade anfitriã” (MEZZAROBA; MESSA; PIRES, 2011, p. 27). Ainda que possam se configurar como acontecimentos do esporte, os três pesquisadores chamam a atenção que um megaevento é sempre “muito mais um fato social e econômico, que impacta diferentes âmbitos da sociedade que o acolhe, do que meramente um evento esportivo” (MEZZAROBA; MESSA; PIRES, 2011, p. 27). Assim, Copa do Mundo, Olimpíadas, Jogos Pan-Americanos e uma variedade de exposições internacionais, por seu caráter mobilizador em grande escala e que perpassa diversas esferas da sociedade, são tipicamente considerados megaeventos, sendo a Copa do Mundo 2014 o mais importante que o Brasil já sediou.

Mezzaroba; Messa e Pires (2011) não deixam de notar que, desde 2007, o Brasil tem se destacado no cenário mundial dos megaeventos: em 2007 ocorreu os Jogos Pan- Americanos, em 2013, a Copa das Confederações, em 2014 a Copa do Mundo e, por fim, as Olimpíadas em 2016. Soma-se a isso o fato de que, nos países do “sul”, quando se trata da organização de megaeventos esportivos mundiais, ainda existe uma alta preocupação em não falhar (DE ALMEIDA, 2009, p. 185) aos olhos dos países do “norte” mais do que aos seus próprios olhares. É de se esperar que, “por se tratar de um acontecimento com abrangência global, com grande destaque em termos de mídia (...) há que se considerar aspectos relacionados não só ao evento em si, mas também, e talvez principalmente, a perspectiva dos seus possíveis impactos e legados” (VILLANO et al, 2008, p. 48).

De uma forma que a magnitude inata destas ocasiões se une aos olhares mundiais atentos a todas as narrativas ou a qualquer pormenor que ocorra durante o percurso de um megaevento sul-americano, não é à toa que Gurgel (2009) enxerga o papel estratégico de um

53 megaevento esportivo como a Copa do Mundo 2014, denominando-a de “ápice do processo de construção de imagens espetaculares, que são midiatizadas de forma massiva” (GURGEL, 2009, p. 204). Mais uma vez colocando a atuação dos veículos de comunicação em destaque, ele ainda diz que “os espetáculos dos megaeventos são produzidos duas vezes: uma pelo conjunto de agentes que, de fato, atuam na competição esportiva e uma outra por todos aqueles que reproduzem estas imagens (a mídia)” (GURGEL, 2009, p. 204). Com consequências diretas nas representações do país que o sedia, as formulações sobre o megaevento em si nos meios – sem se esquecer dos aspectos de seu entorno que vêm à tona – pode ser, então, uma pequena, mas indispensável, peça do complexo e jamais terminado quebra-cabeça que forma a identidade de uma nação.