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2 CLASSIFICAÇÃO E MAPEAMENTO DOS CONFLITOS

2.4 CORPORATIVOS

Este subcapítulo será destinado à análise dos conflitos internos à atividade econômica não estatal. Indica litígios em que o poder econômico se confronta, e utiliza o judiciário para suas estratégias. A questão é de difícil verificação, em grande parte porque o poder econômico evita se confrontar utilizando o poder jurisdicional do Estado. Questões que envolvem disputas entre grandes empresas geralmente são solucionadas pela atuação de órgãos de regulação da concorrência. Quando transbordam para o poder judiciário, transbordam nessa condição de litígios envolvendo a regulação estatal e seus órgãos.

No entanto, a possibilidade de identificação desses litígios é praticamente inexistente no atual modelo de informações produzido pelo Conselho Nacional de Justiça. A preocupação com a pauta judiciária, ou seja, com o tipo e natureza dos litígios aparece apenas lateralmente aos esforços de política de conciliação ou de gestão voltada para a produtividade. Assim, a magnitude da pauta é “construída” pelo apelo público-midiático dos litígios, mais do que por sua quantidade ou significado político e econômico.

Por um outro viés, no entanto, a questão do interesse econômico de determinados grupos ou setores aparece, na conformação dos litígios, sob a forma de ações judiciais envolvendo relações de consumo, via de regra. Poder-se-ia inferir dessa situação uma possibilidade de o poder judiciário exercer função regulatória secundária ou acessória. Mas, independentemente do volume de litígios, a individualização do conflito proporcionada pelo processo indica também que o poder judiciário, e a jurisdição, funcionam como um “ponto de fuga” de setores e agentes econômicos para escapar à regulação econômica em um cenário de contradições políticas, e manter a pressão para uma autorregulação pelo mercado.

O exemplo para a análise da questão está no relatório “100 maiores litigantes” elaborado pelo CNJ nos anos de 2011 e 2012.A tabela abaixo foi elaborada com base nas informações constantes no relatório. Considerando a imbricada relação entre desenvolvimento capitalista e capital financeiro na atualidade, optou-se pela verificação das ações envolvendo o sistema financeiro e seus agentes, a partir da identificação dos processos envolvendo os maiores grupos financeiros privados do país. Os bancos públicos, como a Caixa Econômica Federal, e de economia mista, como o Banco do Brasil, foram propositalmente excluídos da conta, em parte para não reforçar uma confusão aparentemente simples, mas pouco esclarecida no tratamento dado pelo CNJ a estas empresas em suas pesquisas. E em parte por considerar que há diferenças significativas entre os papéis atribuídos a estes bancos e os privados (embora todos operantes

no mercado) em relação às estratégias de desenvolvimento e financiamento. Um exemplo que pode demonstrar isso: Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, aparecem, majoritariamente como demandados nas ações, conforme colhido do relatório de 2011. Embora o Banco do Brasil se aproxime mais das médias dos bancos privados, ainda assim, tem o menor percentual de presença no polo ativo dos processos, e é réu em 56%37. O caso da Caixa Econômica Federal é

ainda mais emblemático, figurando como ré em 74% das ações identificadas.

O relatório apresenta duas versões, com consideráveis diferenças metodológicas entre si. A primeira, de 2011, levou em conta todas as ações de 1º. e 2º. Graus. Já o relatório de 2012 considerou apenas as ações novas de 1º. Grau e Juizados Especiais, ajuizadas entre 1º. de janeiro de 31 de outubro de 2011. Em ambos os relatórios é apresentado um agrupamento por “setor”, e em ambos os três setores que lideram o ranking são: setor público, bancos e telefonia. Excluído o setor público, cujo percentual se torna facilmente alto pela inclusão das execuções fiscais, o setor financeiro é o de maior presença no relatório de grandes litigantes, o que pode ser facilmente explicado pelo antagonismo central que caracteriza o período atual do capitalismo, de hegemonia do capital financeiro. No polo ativo ou passivo das ações poder-se- á encontrar tanto pessoas comuns (para usar uma expressão jurídica – “pessoas físicas”), como empresas, antagonizando, pela via do litígio, com os interesses do capital rentista. Via de regra são ações em que bancos atuam para a cobrança de créditos financeiros, ou, em sentido oposto, ações em que os clientes procuram reduzir dívidas.

A questão é demonstrada pelo percentual de ações em que os bancos constituem polo ativo ou passivo do litígio. Na média geral, constituem polo ativo em 45% das ações e polo passivo em 55%. Ou seja, há mais ações em que instituições financeiras são rés do que ações em que são autoras das ações judiciais. A situação não é sem razão. Taxas de juros tanto podem responder pelos níveis de estímulo ao consumo, como política macroeconômica, como respondem pelos níveis de endividamento de empresas, do próprio Estado, ou como forma de atração de investimentos estrangeiros.

O grau de articulação e entrelaçamento entre capital financeiro e capital produtivo na atualidade guarda centralidade tanto para a interpretação econômica da realidade como para a interpretação da interpenetração direito-economia, tendo como ponto de visibilidade (embora não o único) os litígios formados em torno dos agentes do sistema financeiro. Mas a magnitude

37 O percentual seria ainda maior se não fosse o peso do Banco Nossa Caixa, adquirido pelo Banco do Brasil, e que majoritariamente figura como autor (66% dos casos) nos processos identificados.

da participação do setor financeiro na formação dos litígios não se resume àquelas questões que tem como parte bancos e financeiras. Há uma pletora de ações que envolvem agentes econômicos financeiros ocultadas por relações de consumo com lojas, que envolvem financiamento, juros, cartões de crédito, etc.

Do mesmo modo, é possível considerar que uma parte importante desses litígios representam mais do que simples relações de consumo, e envolvem agentes econômicos diversos. Mas a afirmação não pode, por ora, ultrapassar a generalidade. A forma como os dados são coletados pelo CNJ contribui pouco para a elucidação do litígio como fenômeno em geral, e na forma de conflito específico entre agentes econômicos. Uma medida simples, como incluir a divisão dos litigantes em pessoas físicas e jurídicas, por exemplo, contribuiria muito para desvendar o tipo de relação contratual e de conflito tornado litígio que tem como parte bancos e financeiras.

Prosseguindo, é possível alcançar a magnitude dos litígios envolvendo bancos e financeiras, a partir do exemplo dos percentuais encontrados no judiciário estadual: utilizando- se como referência percentual os números do Justiça em Números de 2013, os 7,7% de ações dos quatro grupos identificados na tabela, corresponderiam a 12,5% de todas as ações de conhecimento não criminais do período em questão. Considere-se ainda que aqui estão apenas quatro grupos econômicos e foram excluídos vários bancos que pertencem ou atuam em articulação com empresas de segmentos diversos, como é o caso dos bancos ligados a montadoras, para financiamento de compra de veículos.

Novamente é preciso considerar que o modo como são coletados os dados impedem ou dificultam considerar a total extensão do impacto dos serviços financeiros na litigância. Para alcançar maior precisão, o relatório 100 maiores litigantes, ou outro que tenha essa intenção, deveria considerar o tipo de litígio, a partir de um cruzamento de informações entre classe de ação e as partes do processo, permitindo identificar ações pela sua natureza. Retomando uma questão já posta: um litígios cujo fundamento são serviços financeiros, ou mais especificamente, o financiamento, podem aparecer ocultados por uma relação de consumo comum, se uma das partes do processo for uma loja de departamentos, por exemplo; muito embora a questão no fundo envolva um banco ou financeira.

Em síntese, o que se quer afirmar, é que: 1) os litígios financeiros constituem parte central do que chamamos de “coração” da litigância, correspondendo também ao antagonismo central na sociedade de consumo de massa na atual fase do capitalismo; 2) que tais litígios tanto

opõe grandes corporações financeiras e consumidores individuais, como expõe conflitos entre bancos e outros agentes econômicos em atuação; 3) embora essa seja uma característica geral do capitalismo na atualidade, a hegemonia do capital financeiro, guarda particularidades e impacto maior nas condições de industrialização e desenvolvimento próprias da periferia, que no caso brasileiro é materializada em taxa de juro básica definida pelo Banco Central muito elevada com o intuito de atração de investimentos; 4) a litigância no judiciário, representa uma individualização do conflito geral (e antagonismo principal) envolvendo o capital financeiro, e um ponto de fuga à regulação pública, na medida em que o Poder Judiciário atua sobre o caso concreto e sobre o direito “nos autos” do processo.

Tabela 3. Ações Sistema Financeiro, com base nos relatórios 100 maiores litigantes 2011 e 2012.

EMPRESA 2011 TOTAL 2011-JE 2012 TOTAL 2012- JE 2012 JUIZADOS 2012 JUIZADOS JE Banco Bradesco S/A 3,84% 6,70% 0,99% 1,26% 1,14% 1,57% Bradesco Vida e Previdência 0,16% 0,30% --- --- --- --- Bradesco Seguros S.A. --- --- 0,08% 0,10% 0,11% 0,16% Banco Finasa S/A 2,19% 4,08% 0,32% 0,43% 0,25% 0,35% Banco Econômico S/A 0,07 0,13% Banco BMC S.A. 0,13% 0,24% Banco Bradesco Financiamento S.A. --- --- 0,21% 0,28% 0,15% 0,20% Bradesco Admin. de Consórcios Ltda. --- --- --- --- 0,11% 0,15% Total Bradesco 6,39% 11,45%% 1,6% 2,07% 1,76% 2,43%

Banco Itaú S/A 3,43% 5,92% 0,82% 1,07% 1,10% 1,52%

Cia Itaú Leasing e Arrend. Mercantil

1,04% 1,95% 0,33% 0,45% 0,19% 0,27%

Banco Itaucard S.A.

0,65% 1,21% 0,85% 1,13% 1,16% 1,60%

Itaú Seguros S.A. 0,30 0,55% 0,06% 0,08% 0,06% 0,09% Unibanco – União de Bancos Brasileiro 1,17% 2,07% --- --- 0,05% 0,07% Banco do Estado do Paraná S.A. 0,16% 0,29% --- --- --- --- Banco BBA- Creditanstalt 0,11 0,20% --- --- --- --- BFBLeasing Arrend. Mercantil S.A. 0,10% 0,20% 0,12% 0,16% 0,06% 0,09%

Total Itaú- Unibanco 6,96% 12,39% 2,18% 2,89% 2,62% 3,64% Banco Santander Brasil S.A. 1,87% 3,14% 0,80% 1,01% 1,18% 1,63% Aymoré Crédito Financiamento e Investimento S.A. 0,36% 0,67% 0,78% 1,06% 0,25% 0,34% Banco ABN- AMRO Real S.A

1,63% 2,92% 0,10% 0,14% 0,28% 0,38%

Banco Real Leasing e Arrend. Mercantil 0,23% 0,43% --- --- --- --- Banco Sudameris Brasil S.A. 0,16% 0,30% --- --- --- --- Santander Leasing S.A. Arrend. Mercantil --- 0,09% 0,10% 0,14% --- --- Total Santander 4,25% 7,55% 1,78% 2,35% 1,71% 2,35% Banco HSBC-Bank Brasil S.A. 1,32% 2,35% 0,29% 0,39% 0,28% 0,39% Banco Bamerindus do Brasil S.A. 0,24% 0,44% --- --- --- --- Total HSBC 1,56% 2,79% 0,29% 0,39% 0,28% 0,39% Total 19,16% 34,18% 5,82% 7,70* 6,37% 8,81%* Observações

1. O agrupamento foi feito de acordo com o grupo econômico ao qual pertence, conforme informações colhidas na internet acerca de fusão, incorporação ou aquisição cada banco citado, e do próprio relatório, que também considerou tal agrupamento.

2. Para o ano de 2011 o percentual se refere à proporção de processos envolvendo cada uma das empresas em relação ao total de processos dos 100 maiores litigantes; para o ano de 2012 o percentual se refere à proporção de processos envolvendo cada uma das empresas em relação ao total de processos ingressados de 1º. de janeiro a 31 de outubro de 2011.

LEGENDA: 2011 TOTAL = percentual total no ano; 2011 JE = percentual apenas na Justiça Estadual; 2012 TOTAL = percentual total no ano; 2012 JE = percentual apenas na Justiça Estadual, sem incluir juizados especiais; 2012 JUIZADOS = percentual total no ano para juizados especiais; 2012 JUIZADOS JE = percentual no ano para juizados especiais da Justiça Estadual.

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