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2 CLASSIFICAÇÃO E MAPEAMENTO DOS CONFLITOS

2.1 INDIVIDUAIS E COLETIVOS

O objetivo do subcapítulo é compreender a dinâmica dos conflitos submetidos ao judiciário brasileiro sob o aspecto de coletivização ou individualização dos interesses abrangidos pelos litígios. Essa diferenciação é importante para, em visão panorâmica, estabelecer em que grau a busca de soluções judiciais para os conflitos corresponde a uma atuação social e política mais ou menos organizada de grupos de pessoas e de organizações.

É de se frisar aqui que, de um modo geral, mesmo as ações judiciais individualizadas correspondem a interesses e direitos que se colocam coletivamente para a (e pela) sociedade – à medida que Estado e norma são construções sociais – mas que, a preceito da sociabilidade

capitalista que torna cada indivíduo um sujeito de direito24, tem no judiciário seu momento de expressão mais acentuada: aquilo que é regra geral da sociedade se transforma em litígio individual a partir do exercício da subjetividade jurídica atribuída pela condição de cidadão, que tem, entre outros direitos, também aquele de recorrer ao judiciário para a defesa do que considera “seus” direitos. Na dicotomia individual – coletivo se expressa também a manutenção do conflito político-jurídico, à medida que a solução normativa é apenas o momento de estabilização do conflito social pela força do jurídico.

Assim, via de regra, o litígio constitui momento de atomização do direito, pela força da subjetividade jurídica atribuída ao indivíduo. A ação judicial é, portanto, via de regra, individual, razão pela qual interessa verificar a existência de um movimento ou não de coletivização da judicialização a representar a utilização do jurídico como espaço de continuidade das lutas sociais e políticas no plano do direito.

Em sentido prático, no entanto, a segmentação coletivo-individual no que se refere aos litígios, corresponde à possibilidade de aglutinação de interesses individuais dispersos na forma de ações judiciais que, ao menos no momento da jurisdição, recuperam sua dimensão coletiva. A Constituição Federal de 1988, ao mesmo tempo que representou a consolidação da condição sujeito de direito25, sob a ideia de cidadania, e portanto estabeleceu de forma mais ou menos definitiva aquela que é a forma jurídica de maturidade do capitalismo em relação aos indivíduos, introduziu também mecanismos institucionais novos para a reivindicação ou defesa coletiva de direitos, como a ação civil pública a ação popular e a ação coletiva.

Apesar da relevância comumente atribuída às ações que visam a proteção de interesses coletivos, no bojo dos debates atuais sobre direitos da cidadania, há poucas análises e poucas informações a respeito dos litígios coletivos, sua importância e impactos, e sua relação de proporção em relação aos individuais.

Na gestão do sistema judiciário a importância das ações judiciais coletivas foi posta pelo Conselho Nacional de Justiça nas chamadas Metas Nacionais a partir do ano de 2014. A meta

24 “Na sociabilidade capitalista, o processo de antagonismo social está engendrado na circulação mercantil, que constitui os indivíduos, todos, como sujeitos de direito, portando direitos subjetivos que trocam livremente”.(pág. 86). MASCARO, Alysson L. B. Estado e Forma Política. São Paulo: Boitempo Editorial, 201. Cf. também MASCARO, Alysson L. B. Filosofia do Direito.13ª. Edição. São Paulo: Atlas, 2013.

25Para a questão do sujeito de direito numa perspectiva crítica, conferir: MASCARO, Alysson L. B. Filosofia do Direito. 13ª. Ed. São Paulo: Atlas, 2013.

6 de então, foi definida como o objetivo, naquele momento, de “Identificar e julgar, até 31/12/2014, as ações coletivas distribuídas até 31/12/2011, no 1º Grau e no TST, e até 31/12/2012, no 2º Grau”26. A meta foi proposta em relação aos segmentos de judiciário que apresentam maior frequência de processos e portanto maior número de ações desse tipo. Durante o VIII Encontro Nacional do Poder Judiciário, os tribunais e o CNJ renovaram a Meta 6, estendendo-a a outros segmentos do judiciário, definindo-a para o ano de 2015 como “Priorizar o julgamento das ações coletivas (STJ, Justiça Estadual, Justiça Federal e Justiça do Trabalho)”27.

A referência às ações coletivas, como se vê, embora seja mais antiga no meio jurídico e nos estudos do direito pós-Constituição de 1988, foi colocada explicitamente como preocupação para a gestão do judiciário há apenas dois anos. Os dados relativos às ações coletivas são, portanto, pouquíssimos para a aferição de sua relevância na composição dos litígios no Brasil28.

No sítio do CNJ na internet encontra-se disponível um relatório em relação ao cumprimento da Meta 6 para o ano de 2014. Os dados referem-se à Justiça do Trabalho (1º. e 2º Graus), incluindo TST, e às Justiças Estaduais (1º. e 2º. Graus). O relatório foi gerado em 30 de março de 2015. Embora isso seja menos relevante para a análise aqui proposta, vale lembrar que a meta estabelece como objetivo o julgamento, até 31.12.2014, as ações coletivas que tenham sido ajuizadas:

- no 1º. Grau de jurisdição e no TST até 31.12.2011 - no 2º. Grau de jurisdição até 31.12.2012

26 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Metas 2014. Brasília, 2014. Disponível em http://www.cnj.jus.br/gestao-e-planejamento/metas/metas-2014 (acessado em 10 de agosto de 2015 e 23 de novembro de 2015).

27 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Metas 2015. Brasília, 2015. Disponível em http://www.cnj.jus.br/gestao-e-planejamento/metas/metas-2015 (acessado em 23 de novembro de 2015) 28 Nos glossários das metas aprovadas pelo CNJ disponíveis na internet nas páginas http://www.cnj.jus.br/images/metas_judiciario/2014/Glossario_de_Metas_%20Nacionais_do_Poder_Jj

udiciario_2014_versao_7.pdf e

http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/05/bf79e5236530afa495e491cc76e235d2 .pdf , não há uma definição do que sejam ações coletivas, mas uma descrição das classes processuais aplicáveis à meta. Supõe-se que o critério de classificação dependa muito da interpretação dos tribunais, em face do ordenamento jurídico, o que torna ainda mais difícil inferir o alcance de tais ações. Lembre- se ainda que julgamento e baixa de processos não representa necessariamente reconhecimento de direitos, sejam eles individuais ou coletivos.

Isto significa, não havendo indicadores de casos novos, que se tratava de todos os processos considerados coletivos pelos critérios estabelecidos pelo CNJ, ajuizados antes de 31.12.2011 nas varas trabalhistas e da justiça comum, e os que tenham chego ao Tribunal Superior do Trabalho até esta data; e de todos os processos considerados coletivos que tenham chego aos Tribunais Regionais do Trabalho e Tribunais de Justiça estaduais até 31.12.2012.

Segundo o relatório de acompanhamento da meta, encontravam-se incluídos nessa situação:

a) No Tribunal Superior do Trabalho: 103 processos

b) No primeiro grau da Justiça do Trabalho: 16.086 processos c) No segundo grau da Justiça do Trabalho: 5.191 processos d) No primeiro grau da Justiça Estadual: 76.648 processos e) No segundo grau da Justiça Estadual: 27.605 processos

Tramitaram no Poder Judiciário brasileiro no ano de 2012: 72 milhões de processos na Justiça Estadual e 7,1 milhões de processos na Justiça do Trabalho. No mesmo período foram ajuizados 20 milhões de ações na Justiça Estadual e 3,8 milhões na Justiça do Trabalho.

O total de ações consideradas coletivas da Justiça do Trabalho, segundo os critérios da Meta 6, somavam 21.380 processos. Os da justiça estadual eram 104.253 processos. As ações consideradas coletivas representavam então: 0,30% de todos os processos em tramitação na Justiça do Trabalho e 0,14% de todas ações em tramitação na Justiça Estadual.

Se considerados apenas os casos novos ajuizados no ano de 2012, as ações coletivas representariam 0,56% na justiça trabalhista, e 0,52% na justiça estadual. Adotando como referência apenas os casos pendentes (o que talvez seja a melhor referência, visto que no caso das ações coletivas se tratava, via de regra, de casos pendentes), estes eram 52 milhões na Justiça Estadual e 3,2 milhões na Justiça do Trabalho, a proporção fica então em 0,66% na trabalhista, e 0,20% na estadual29.

Como se vê, a proporção de ações coletivas nesses segmentos do judiciário é muito baixa em quaisquer das comparações feitas.

29Em qualquer dos casos se trata de um “esforço” de interpretação, visto que os dados de comparação são todos do ano de 2012, enquanto que os dados da meta são de processos ajuizados até o fim de 2011, muitos dos quais poderiam estar acumulados a vários anos.

A Meta 6 foi reeditada para o ano de 2015, ampliando o alcance para ações coletivas no STJ e Justiça Federal, mas os dados relativos a este ano só serão conhecidos no próximo. A classificação estabelecida pelo CNJ também não faz distinção quanto ao tema jurídico de cada ação, e adota uma tabela de “classes processuais aplicáveis”, ou seja, um conjunto de “tipos” de ações de onde se extraem aquelas que são coletivas. São elas: Ação civil pública, Ação civil coletiva, Ação popular, Dissídio coletivo, Dissídio coletivo de greve, Mandado de segurança coletivo, Recursos, Incidentes trabalhistas, Incidentes em processo cível e do trabalho, Incidentes – Juizados da Infância e da Juventude e Ação de Cumprimento.

Em síntese é possível afirmar que não há coletivização das discussões jurídicas, e que no ajuizamento de ações prevalecem as iniciativas individuais, as ações coletivas, ou de alcance coletivo representando uma parcela ínfima dos litígios.

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