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5 O URBANISMO E SUAS REPERCUSSÕES ATUAIS

5.1 CORPOS D’ÁGUA

De acordo com Carvalho70 (2006 apud BIOS CONSULTORIA, 2006. p. 181), a superfície da Terra pode ser classificada em unidades de terrenos, entre as quais:

i) Superfície de Topo, [...] [que] exibe feições convexas predominantemente e até planas horizontais como tabuleiros, e raramente côncavas. [...] Do ponto de vista dinâmico, sua característica mais marcante é a estabilidade, exceto nas bordas, onde vem sendo desgastada em benefício da Superfície de Transição. O limite é marcado por ruptura de declive, com ou sem o contraste entre a parte a montante sem drenagem e a parte a jusante com drenagem [...]; ii) Superfície de Transição, formada essencialmente pelas médias e altas vertentes dos vales entalhados na superfície anterior. Quanto à forma, pode ser plana inclinada, côncava e eventualmente convexa, mantendo essa forma vínculos causais com o substrato rochoso [...]; iii) Calha Aluvial, [que] compreende as baixas aluviais marginais aos cursos d’água. Nas seções hipotéticas [mostradas na FIG. 64] deste item, apresentam-se formas de contato entre duas superfícies diferentes e vertentes opostas da Superfície de Transição truncando-se mutuamente.

FIGURA 64: Contato entre as unidades de terrenos

Fonte: Bios Consultoria (2006, p. 182).

70 Carvalho, Edézio Teixeira. Diagnóstico Integrado da Área de Entorno do Reservatório da UHE

Cada região geográfica apresenta características específicas, de acordo com a configuração do meio físico naquele local – o solo, o relevo, o clima, as águas, “[...] que condicionam a paisagem e propiciam a especificidade biológica e cultural nela desenvolvida, em permanente interação ao longo da evolução do planeta.” (MELLO, p. 61).

No Glossário de Termos Hidrológicos71 (1976 apud LINDNER; SILVEIRA, 2003, p. 50), os cursos ou correntes de água são definidos como: “massa de água escoando geralmente num canal superficial natural”. Rio é definido como: “curso de água de grande dimensão que serve de canal natural para a drenagem de uma bacia”. Na dinâmica de moldagem da paisagem natural, em condições normais, a água desempenha papel relevante.

Os corpos d’água não se resumem aos córregos, rios, riachos, arroios etc. Lagos, lagoas, açudes e reservatórios também são corpos d’água – segundo a LF n. 6.766/79 (BRASIL, 1979), são águas dormentes (inciso III, do artigo 4º), ás vezes mais resilientes, às vezes mais sensíveis ao uso e ocupação do entorno.

Os usos e funções dos cursos d’água são inúmeros e variados, especialmente em ambiente urbano: sanitário, ecológico, econômico, recreativo, educacional, lúdico, dessedentação de animais, utilitário, geração de energia. O mesmo curso d’água atravessa áreas urbanas e rurais e os problemas variam conforme a região.

A gestão de um corpo d’água deve levar em conta a proteção e equilíbrio ecológicos, a manutenção da qualidade das águas e prevenção da poluição, o controle da erosão e assoreamento, a prevenção de enchentes e proteção das populações que vivem na bacia. Um curso d’água em área urbana é um espaço de muitas fragilidades. No entanto, sua proteção e valorização não podem ser atingidas independentemente da conservação dos outros recursos naturais. Por outro lado, uma ação integrada produz uma urbanização de alta qualidade, valorizando todos os aspectos ambientais.

Alguns países adotaram soluções que preservavam dinâmicas biofísicas naturais para proteger e recuperar os corpos d’água. Paises europeus têm buscado novas maneiras de tratar os cursos d’água urbanos – notadamente a Alemanha, Holanda e França. Na França, como relata Mello (2008, p. 87) desde os anos 90 do

71 BRASIL. Ministério das Relações Exteriores - Comissão Brasileira para o Decênio Hidrológico

Internacional. Ministério de Minas e Energia - Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica.

século XX, iniciou-se a construção de um modelo que integra gestão de recursos hídricos, valorização da água na paisagem e ordenamento do uso do solo e que promove “[...] a adoção de técnicas de gestão ecológica dos rios e suas áreas de influência, em substituição às práticas tradicionais de ‘mineralização’ das margens [...].”

Entre as práticas ecológicas francesas de intervenção, assume destaque a “engenharia vegetal”72 de estabilização de encostas, que consiste em utilizar espécies vegetais como material de consolidação, permitindo manter ou recriar margens naturais, tecnicamente e biologicamente funcionais. Os procedimentos contemplam o respeito pelas dinâmicas naturais do curso d’água e a manutenção ou reconstituição da vegetação típica das margens. O objetivo é de, ao fim de alguns anos, praticamente não se perceber que houve a intervenção humana. (MELLO, 2008, p. 87)

O acirramento do processo de urbanização, em um curto espaço de tempo, intensificou a degradação dos rios e córregos e das encostas de alta declividade, ocupadas ilegal e irregularmente. Sanches (2007, p. 2) afirma que “não só a qualidade da água piorou, como o ciclo hidrológico foi modificado, com a supressão da mata ciliar, a ocupação de áreas alagáveis, [a canalização e retificação ou do leito] e das margens dos cursos d’água [...].” Apesar de constantemente degradado, poluído, canalizado sob a terra, o curso d’água apresenta-se como elemento estruturador do espaço, contínuo de montante a jusante.

A bacia hidrográfica, limitada pelos divisores de águas – as Superfícies de Topo – topos de morro, espigões e constituída pelas encostas e planícies aluviais ou vales encaixados com seus cursos d’água, é considerada a unidade preferencial para planejamento e a gestão territorial ambiental. Bacia hidrográfica é a região que recebe as águas precipitadas pelas chuvas e as concentra num canal principal.

A ocupação de uma bacia hidrográfica costuma acarretar inúmeros impactos, além do afugentamento da fauna e da simplificação da cobertura vegetal, ou mesmo de sua completa supressão. Os processos de expansão urbana, aterrando nascentes e terrenos alagadiços, ocasionam a contaminação de mananciais, a intensificação de inundações, de processos erosivos e de assoreamentos. A impermeabilização do solo, sua compactação, a retirada da cobertura vegetal em

72 Na “engenharia vegetal” são utilizadas espécies vegetais típicas de zonas ripárias, que resistem à

qualquer parte da bacia repercutem na redução da infiltração da água no solo, reduzindo a recarga dos aquíferos, assim como o agravamento da severidade e frequência das enchentes. As decisões assumidas na gestão do uso e/ou ocupação da bacia hidrográfica resulta em benefícios para os ambientes natural e antrópico ou em graves consequências para todos.

Carvalho (1999, p. 61) considera “[...] o bloqueio à infiltração [...], materialmente, crime contra a Terra [...] e contra o Homem, dadas as perdas econômicas e sociais que provoca, direta ou indiretamente.” O assoreamento das faixas marginais dos cursos d’água tem efeito negativo, pois reduz a capacidade de vazão do canal do curso d’água. Além disso, “[...] quanto mais solo é removido por erosão mais água fica sem reservatório superficial temporário. Isto significa que na região perde-se solo e água”, alerta Carvalho (2006, p. 279). A ocupação da planície de inundação amplia as consequências da inundação, pois as construções ocupam o local que é atingido pelo transbordamento das águas.