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Corpos quebrados – a incerteza da cura pela sequela

5.2 Analisando as significações existenciais

5.2.3 Corpos quebrados – a incerteza da cura pela sequela

A ideia de cura é sentida como a volta a um estado em que não há mais sinais e sintomas da doença (CLARO, 1995). Porém, a manutenção dos ERH, ingesta prolongada de medicamentos e marcas visíveis no corpo pelo adoecer fazem com que os sujeitos- colaboradores desacreditem na cura.

Assim, as sequelas para estes sujeitos têm consequência no viver cotidiano, na percepção que têm do seu corpo-próprio, na maneira como este é sentido e visto por eles e pelos outros. Essa visão vai além do corpo biológico.

Eu tenho fé em Deus que um dia eu ainda vou ficar bom. Assim da sequela não, bom 100% não [...]. Mas só que é demorado, é daqui uns dois, três anos [...]. Se não Deus é quem sabe [...]. (Sujeito-colaborador 7)

[...] eu não considero muito bem ainda não [...] ainda tenho essa perna dormente e fiquei com o corpo todo assim manchado [...]. Eles (\\ profissionais de saúde) me disseram que isso com o tempo vai acabando, melhorando por conta dela, mas eu não sei não, ainda tenho desconfiança,[...]. Porque só essa perna dormente é que me

chateia [...] mas eles disseram que não tem problema, aí eu fico quieto [...]. (Sujeito- colaborador 1)

Nos discursos dos profissionais de saúde – ACS, os ERH são confundidos como sequelas da doença; como consequência do tratamento inadequado ou como piora da hanseníase, o que reforça a necessidade de incorporar nas capacitações a temática reação hansênica (ALENCAR, O., 2012). Neste sentido, mesmo com os avanços do tratamento poliquimioterápico e a cura da doença é preciso prosseguir na integração desses sujeitos com o adoecer, no diálogo entre si, com os profissionais de saúde, familiares e a comunidade.

Assim, nas estratégias comunicativas é imprescindível considerar a história natural da hanseníase, os dados epidemiológicos, os marcadores socioculturais, bem como os protagonistas desse processo, potencializando os espaços dialógicos e afetivos, partilhando conhecimentos e significados atribuídos à doença (SANTOS; MONTEIRO; RIBEIRO, 2010). Conforme esclarece Rafferty (2005), a educação permanente que envolve integralmente o paciente e a comunidade em que vivem, evidencia que o estigma social da hanseníase é raro; o contrário é demonstrado como mantenedor do autoestigma e da permanência do estigma social na comunidade.

A vivência dolorosa com os episódios reacionais é relatada pelo incômodo em manter a medicação, bem como a tentativa frustrada de diminuir a dosagem do medicamento e o consequente ressurgimento dos sintomas, assim como os sentimentos de impotência, a falta de controle sobre a vida e sobre o adoecer.

Não, não me sinto curado não, me sinto melhor [...] eu posso afirmar que tô curado, quando eu não tiver fazendo uso de medicação nenhuma né. Quando a gente suspende a medicação, como o doutor sugeriu [...], eu senti as consequências dessa atitude. Tive que voltar a dose de novo [...], então é difícil [...]. Eu pedi um médico pra ele me dar uma avaliação de quanto tempo que ele acha, pela experiência dele, que vai levar, ele disse que talvez seja pro resto da vida, quer dizer, isso é muito forte pra pessoa né. A pessoa tem que acreditar em Deus e não ficar pensando no problema, na doença em si né, porque senão fica abatido e tudo, é esperar a melhora. (Sujeito-colaborador 4)

[...] Da hanseníase mesmo o Dr. [...] disse que eu tô curada, mas eu acho que não tô não [...].Se eu parar de tomar esse remédio volta tudo de novo, o que é isso? Eu vou viver toda vida com esse remédio?[...] eu não tô curada, porque se eu tivesse curada eu não tava tomando remédio. [...]. (Sujeito-colaborador 5)

[...] só uma sequela assim, mas que era só ter cuidado. [...] me deram uma esperança de que eu não tenho nada não. [...] Eles (\\ profissionais de saúde) mesmos que disseram que isso aí hoje era coisa simples. (Sujeito-colaborador 6)

[...] depois que eu tomar o último comprimido [...] eu acho que vai ser o dia mais feliz da minha vida, vai ser bom demais [...] Aí é que eu vou me sentir mesmo

curada [...] vou dar pulo de alegria e agradecer muito a Deus [...]. (Sujeito colaborador 2)

Portanto, para que haja credibilidade do tratamento, é fundamental que o trabalho educativo com o doente seja contínuo, partindo de um levantamento das expectativas trazidas por eles. Então, sobre tais expectativas, será possível reconstruir novas relações sobre o tratamento-sintoma e a saúde-sintoma (BAKIRTZIEF, 2001).

Estas expectativas, porém, estão centradas na doença como sintoma e no papel do médico no alívio deste (LIRA et al., 2005). Outra abordagem educativa é possível e é centrada em uma perspectiva compreensiva do processo “promoção – saúde – doença – cuidado” (MINAYO, 2010).

A modificação da aparência física, a angústia por não saber até quando continuará com os episódios, assim como o medo de adoecer novamente, emerge nas falas dos sujeitos como questionamentos à ruptura dos aspectos sociais da vida cotidiana, relacionados ao planejamento e às expectativas futuras.

O que me vem na cabeça é que possa voltar o problema e eu fico com muito medo de voltar. [...] às vezes, quando eu sinto, aqui e acolá, minha pele repuxando eu fico com medo. Eu olho bem no espelho, mas eu não vejo mancha nenhuma de anormal. [...] Você ter um problema e achar que tá curado e você olhar no espelho e achar que tá com o mesmo problema, ali é mesmo que, praticamente, tá morta [...]. (Sujeito- colaborador 9)

Desse modo, estimular a participação em grupo de educação em saúde, ou outros espaços que promovam a verbalização do significado atribuído ao estar-doente contribui para o alívio da culpa e diminuição do medo de contaminar os outros (BAIALARDI, 2007).

É dentro do mundo que nos comunicamos através daquilo que nossa vida tem de articulado. Quer se trate do corpo do outro ou do próprio corpo, o indivíduo não tem outro meio de conhecer o corpo humano senão vivê-lo, ou seja, retomar por sua conta o drama que o transpassa e confundir-se com ele (MERLEAU-PONTY, 1996; 2009).

A cura é um processo dinâmico de representação e significação da experiência de vida, e não apenas uma realidade biomédica centrada no êxito terapêutico (LIRA et al., 2005). Mas, a desesperança e a incerteza na cura, descritas a partir da experiência do processo de adoecimento, em que o corpo é o espaço e a forma de ser-no-mundo, o cuidado de si é colocado na mão dos outros, ou seja, dos profissionais de saúde, como se somente estes fossem os responsáveis.