• Nenhum resultado encontrado

Este estudo foi fundamentado na abordagem qualitativa, tendo como seu objeto a vivência da pessoa com episódio reacional hansênico nos âmbitos individual, familiar e comunitário. Por se tratar de experiência, vivência, foi inserido na perspectiva fenomenológica que tem como referencial a fenomenologia existencial de Merleau-Ponty.

Para compreender a vivência dos corpos marcados pelos episódios reacionais hansênicos, faz-se necessária essa modalidade de investigação, porque está aportada no sentido do fenômeno no espaço da intersubjetividade, ou seja, na subjetividade da vivência dos pesquisados (neste estudo denominados sujeitos-colaboradores) e do pesquisador, e porque se baseia nas compreensões e na hermenêutica compartilhadas (BOSI; UCHIMURA, 2007).

A palavra fenômeno vem do grego fainomenon, deriva do verbo fainestai, que significa mostrar-se a si mesmo. Fainestai é forma reduzida oriunda do verbo faino, entendida como aquilo que brilha. Destarte, fainomenon é aquilo que se mostra em si mesmo, que se manifesta (MARTINS; BICUDO, 1983; 1994).

A pesquisa qualitativa é entendida como aquela que tem capacidade de incorporar o significado e a intencionalidade inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais (MINAYO, 2010).

Os objetos da pesquisa qualitativa exigem respostas não traduzíveis em números, haja vista tomar como material a linguagem em suas várias formas de expressão. Aqui, o que se processa pertence ao plano das construções intersubjetivas, imersas em relações sociais, e não a mera aplicação de técnicas. Aceitando-se tal concepção impõe-se considerar problemas

éticos e a dimensão ético-politica nas decisões em pesquisa, entendendo-as como critério de qualidade (BOSI, 2011).

Na pesquisa qualitativa, o termo pesquisa passa a ser concebido como uma trajetória circular em torno do que se deseja compreender; não há preocupação com princípios e generalizações, mas com o olhar voltado à qualidade, aos elementos significativos para o observador-investigador (GARNICA, 1997).

Segundo Martins e Bicudo (1994), a vivência de um sujeito em uma situação é entendida como experiência percebida de modo consciente por aquele que a executa, constituindo uma relação entre o fenômeno que se mostra e o sujeito que a experiencia.

Desse modo, “compreender é um encontro de duas intencionalidades, a do sujeito que procura conhecer e a do sujeito que deve se tornar objeto de conhecimento; essas intencionalidades não se encontram espontaneamente” (DARTIGUES, 1992).

Considerando-se isso, para buscar a descrição do mundo vivido das pessoas com episódio reacional hansênico, é imperativa a pesquisa com abordagem qualitativa, sendo o enfoque fenomenológico é escolhido intencionalmente por abranger a totalidade da existência humana, oportunizando a interpretação da experiência vivida.

O filósofo Edmund Husserl (1859-1938) foi o formulador das linhas que abordam a fenomenologia como corrente do pensamento. Para ele, a fenomenologia era uma forma de entrar em contato com as próprias coisas pela experiência vivida. Seria o método de um

positivismo superior, que permitiria “voltar às próprias coisas”, como ponto de partida do

conhecimento, chegar à essência, à verdade, em relação ao fenômeno interrogado (MOREIRA, 2004).

Para Heidegger (1989), discípulo de Husserl, a fenomenologia é a ciência dos fenômenos, ou seja, a ciência do que se revela. Busca compreender o sentido do ser,

entendido como algo que se torna presente e conhecido para o ser humano, denominado o “ser aí” ou “Dasein”. O “ser-no-mundo” consiste nas múltiplas maneiras vividas pelo homem, nas

diversas formas de ele se relacionar e atuar com os entes que encontra e que a ele se apresentam.

A fenomenologia apresenta-se como ciência descritiva, rigorosa, concreta, que mostra e explicita que se preocupa com a essência do vivido. Refere-se ao possível como modalidade da existência humana, enquanto se apresenta como realizadora de projetos existenciais de natureza pessoal ou social (CAPALBO, 2008).

Martins e Bicudo (1983; 1994) afirmam que a fenomenologia busca a compreensão do fenômeno em si mesmo, de modo que não parcializa ou explica a partir de

conceitos preconcebidos, de crenças, ou de um referencial teórico. Porém, tem a intenção de abordá-lo, interrogando-o, tentando descrevê-lo, captando sua essência.

A experiência para a fenomenologia é a forma original pela qual os sujeitos concretos vivenciam o mundo. Em outras palavras, experiência diz respeito ao modo de ser do sujeito no mundo; é o meio pelo qual o mundo se coloca em face de nós, e dentro de nós e, como tal, está sempre localizada no tempo e no espaço (ALVES, 2006).

Assim, o escopo da pesquisa fenomenológica é direcionado para a compreensão do significado dos fenômenos, não se estabelecendo qualquer tipo de definição rígida, a priori, acerca do tema. Busca-se alcançar o significado de um fenômeno para um sujeito que é encarado como protagonista de sua própria vivência (MOREIRA, NOGUEIRA e ROCHA, 2007).

Nesse aspecto, o método fenomenológico está voltado para apreender as significações na medida em que são simplesmente dadas e tal como são dadas pelas nossas experiências, ou seja, preocupa-se com o solo do sentido, com o implícito que prepara a explicitação.

O sujeito, como um eu que vive só, se autopercebe como corpo no mundo (no seu sentido dado pela biologia) na medida em que percebe o corpo do outro como um corpo subjetivado. Assim, entre as coisas vividas pelo indivíduo, nada o impede de que se dirija para o outro percebendo-o como outro, percebendo-o na sua conduta (CAPALBO, 2008).

Desse modo, as ciências sociais de base fenomenológica propõem descrever o

“que se passa” efetivamente do ponto de vista daqueles que vivem numa dada situação

concreta e o modo como, por meio desse processo, os indivíduos e os grupos sociais concebem reflexivamente ou representam o seu mundo (ALVES, 2006).

Descrever os aspectos essenciais do fenômeno é a maneira de afirmarmos que dado fenômeno é, nele mesmo, inconfundível com outro; é descrevê-lo tal como o percebemos (CAPALBO, 2008).

A teoria da percepção em Merleau-Ponty (1996) também se refere ao campo da subjetividade e da historicidade, ao mundo dos objetos culturais, das relações sociais, do diálogo, das tensões, das contradições e do amor como amálgama das experiências afetivas. Sob o sujeito encarnado, correlacionamos o corpo, o tempo, o outro, a afetividade, o mundo da cultura e das relações sociais (NÓBREGA, 2008).

Elege a percepção como relação primordial com o mundo. Tudo que sabemos do mundo é pela experiência do mundo e não por conhecimentos científicos. Vivemos o mundo, percebemos o mundo: há algo anterior à elaboração consciente sobre o mundo; ao mesmo

tempo, há algo anterior à pura sensação do mundo. Assim, não adianta teorizar sobre o mundo que a ciência fala, pois é preciso ir em sua direção, retornar a esse mundo (MERLEAU- PONTY, 1996).

Nessa perspectiva, Merleau-Ponty (2009) aprofunda a corporeidade e a percepção como experiência vivida pelo homem, em situação no mundo. O corpo vivido é ao mesmo tempo o corpo fenomenal e o corpo objetivo, é o corpo que se apresenta como possuidor de uma subjetividade, corpo próprio possuidor de um esquema corporal dinâmico.

Isso se dá, porque o indivíduo é capaz de perceber o outro como tal, é capaz de autoperceber-se como um sujeito no mundo que pode ser percebido por outro sujeito. Emerge, pois, a consciência de si próprio graças a esta experiência do outro como outrem (CAPALBO, 2011).

É a subjetividade como experiência vivida em contexto organizacional que envolve a intersubjetividade, a expressão, a participação, as emoções, em suma, o sujeito capaz de fazer escolhas, de tomar decisões, de examinar a dimensão política de suas ações, as estratégias ou as boas razões para agir segundo o seu modo de pensar (CAPALBO, 2007).

Com base nisso, é possível afirmar que os corpos próprios marcados pelo episódio reacional hansênico se relacionam com o “mundo-vida”, com a sociedade na qual se insere e se afeta, provocando encontros produtores de significação existencial. Estes significados vivenciados é o que propomos compreender em sua essência por meio das falas dos sujeitos- colaboradores.