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Nessa seção, vamos fazer um resumo sobre o tratamento de Poincaré do problema restrito dos três corpos. Como vimos, Poincaré utiliza novas ferramentas, como o conceito de invariante integral e o método de secção, que o permitem tratar de maneira qualitativa tal problema. O cerne do trabalho de Poincaré é o estudo de soluções periódicas. A partir delas, por meio do uso das equações variacionais, ele pode analisar o comportamento das soluções das equações diferenciais na vizinhança de trajetórias periódicas.

Partindo das equações na forma Hamiltoniana para o movimento do planetóide

1 2 1 2 1 2 1 2 , , dx F d x F d t y d t y dy F d y F dt x d t x ∂ ∂  = =    ∂ ∂  = − = − 

ele realizou uma mudança de variáveis, como vimos, que o permitiu representar o movimento do planetóide no espaço tridimensional.

Ele reconheceu que era mais conveniente analisar as trajetórias do planetóide no espaço bidimensional, através das hoje conhecidas como secções de Poincaré. A partir de uma trajetória periódica, ele então considera um plano intersectando essa solução periódica em um ponto M e, tomando um ponto próximo a M , digamos P , no plano de secção, a trajetória 0

por P irá intersectar novamente esse plano em um ponto 0 P , e assim sucessivamente. Esse 1

processo permite reduzir o estudo de uma trajetória ao estudo de uma sequência de ponto no plano. Por exemplo, uma solução periódica, que no espaço tridimensional, é representada por

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uma curva fechada, através do método de secção, essa solução periódica será reduzida a um ponto fixo.

O problema restrito dos três corpos envolve uma massa muito grande A, uma outra massa B, menor em comparação com a primeira, e uma terceira massa C, considerada desprezível, que corresponde ao planetóide. Poincaré utilizou, na expansão em séries de potências para a solução do sistema anterior, referente ao movimento do planetóide, o parâmetro µ, que representa a massa de B.

Quando µ = 0, o problema restrito dos três corpos é reduzido a um problema de Kepler, pois então teremos um sistema com apenas dois corpos, pois, nesse caso, o sistema se reduz ao planetóide sendo atraído pela massa A. Supondo que para µ = 0 existam soluções periódicas da forma

( )

i i

x = ϕ t , yii

( )

t

Poincaré mostrou que, para pequenos valores de µ, existem também soluções periódicas, da forma

( )

i i i xt +ξ , yi = Ψi

( )

ti onde t i e Si α ξ = , ηi =e Tαt i sendo S e i T funções periódicas de t , e i αk constantes que ele chamou de expoentes característicos. Ele percebeu ainda que, se esses expoentes característicos poderiam indicar se as soluções eram ou não estáveis. A definição de estabilidade utilizada por Poincaré é devida a Poisson. Segundo essa definição, o movimento de um ponto é estável se ele retorna para posições arbitrariamente próximas de sua condição inicial.

Se os expoentes característicos são puramente imaginários, o módulo de t

eα é 1 e, assim, ξ permanecerá finito. Então a solução periódica xi = ϕi

( )

t é dita estável. Caso contrário, se α é real ou se é um complexo de tal maneira que seu quadrado não é um número real, o módulo de eαt tende ao infinito para t → ± ∞, e a solução periódica é dita instável.

Por meio do estudo da vizinhança de soluções periódicas, foi levado à descoberta de soluções assintóticas, que ou se aproximam ou se afastam lentamente da solução periódica instável. Ele mostrou que, no caso do problema restrito dos três corpos, as soluções assintóticas geram famílias de curvas, cada família associada a uma solução periódica instável. Cada uma dessas famílias pode ser representada por uma superfície, chamada de superfície assintótica. Para estudar as superfícies assintóticas, Poincaré utilizou o método de

secção pois, assim, o estudo de uma superfície assintótica é reduzido ao estudo de uma curva na secção transversa. Relativo à investigação das superfícies assintóticas, Poincaré ainda utilizou o conceito de invariante integral, que se revelou como uma importante propriedade de equações diferenciais.

A cada solução periódica instável estão relacionadas duas superfícies assintóticas, uma correspondente às soluções que se aproximam assintoticamente da solução periódica quando

t → +∞ , e outra correspondendo às soluções que se aproximam assintoticamente da solução

periódica quando t → −∞ . Para entender o comportamento dessas soluções assintóticas, Poincaré procurou as equações exatas das superfícies assintóticas, expressas por meio de séries de potências infinitas do parâmetro µ. Para isso, ele utilizou as intersecções das superfícies com uma secção transversa.

Na primeira versão de seu trabalho, a versão que foi enviada para concorrer ao prêmio do rei Oscar II, Poincaré pensou que as intersecções das superfícies assintóticas com a secção transversa eram curvas fechadas, concluindo que as superfícies assintóticas eram fechadas. Esse resultado implicava a estabilidade, visto que as soluções permaneciam então em uma região limitado de espaço. Ou seja, para pequenos valores de µ, Poincaré acreditou que tinha demonstrado que, relativo a uma solução periódica instável, existia um conjunto de soluções assintóticas que poderiam ser consideradas estáveis.

Quando Poincaré foi alertado sobre um possível erro em seu trabalho por um dos editores da Acta Mathematica, Phragmén, ele chegou a conclusões diferentes sobre tal fato. Corrigindo seu trabalho, Poincaré percebeu que as curvas representando as superfícies assintóticas não eram fechadas e que, além disso, se interceptavam infinitas vezes. Ele chamou as trajetórias que passavam por esses pontos de trajetórias duplamente assintóticas. Esse último resultado, portanto, arruinou suas pretensões em alcançar a demonstração da estabilidade no problema restrito dos três corpos.

As inovações de Poincaré deram início a uma nova maneira de se tratar problemas que envolvem equações diferenciais. No capítulo a seguir, discutiremos a recepção de Sur le

problème des trois corps et les équations de la dynamique, incluindo as opiniões dos

membros da comissão do concurso do rei Oscar, além de comentários de outros matemáticos e astrônomos. Além disso, falaremos também sobre a incorporação das novas ideias de Poincaré pelos matemáticos, que levou ao desenvolvimento da Teoria dos Sistemas Dinâmicos.

Capítulo 4