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3. METODOLOGIA

3.1 CORPUS DE ESTUDO

O corpus paralelo para esta pesquisa é composto pelo clássico de Joseph Conrad, Heart of Darkness (1994 [1902]), e duas traduções brasileiras, sendo uma do primeiro bloco de traduções da obra, publicadas em 1984, e outra publicada em 2008, entre as mais recentes. Os motivos para a escolha dessas traduções serão explicitados mais à frente. As obras fazem parte do corpus ESTRA (MAGALHÃES, 2014), que atualmente conta com 79 arquivos de texto e 3.611.680 itens. Para Heart of Darkness, o corpus conta com 12 traduções brasileiras, quatro portuguesas e quatro espanholas.

Heart of Darkness é um dos clássicos da literatura inglesa. Publicado em 1989 em três edições da revista Blackwood’s Magazine - em formato de folhetim - e, em 1902, em formato de livro, tem sido objeto de incontáveis estudos literários e figura como leitura obrigatória em diversos cursos de Letras e Literatura, não só na Inglaterra, mas em todo o mundo. É também extensamente traduzida. O Index Translationum da UNESCO, por exemplo, traz 158 traduções para Heart of Darkness. No Brasil, há 12 traduções e duas adaptações infantis da obra, o que a torna um excelente objeto de estudos no campo dos Estudos da Tradução.

O enredo baseia-se na experiência de Conrad como funcionário da Marinha belga em colônias na África ocidental, em especial no atual território do Congo, onde esteve entre 1890 e 1894 trabalhando para a Societé Anonyme Belge pour le Commerce du Haut-Congo. Durante esse período, o autor, ucraniano de origem polonesa que passou a infância em exílio e foi criado por um tio após a morte dos pais, sofreu um colapso físico e mental que se somaria ao seu temperamento já depressivo e teria ecos em sua saúde até o fim de seus dias. A experiência no Congo reflete-se também em sua literatura, à qual passou a dedicar-se após retornar a Londres e abandonar sua bem-sucedida carreira na marinha. O diário escrito no Congo serviria de base para Heart of Darkness.

A maior parte da obra é narrada em primeira pessoa pelo personagem Marlow, a bordo do Nellie, uma embarcação atracada no rio Tâmisa. Há um primeiro narrador, também interno à narrativa, na verdade um dos ouvintes de Marlow no barco atracado no rio Tâmisa. Esse narrador inicia a narrativa e logo passa o turno a Marlow, reaparecendo apenas brevemente no meio e no final da obra. O relato de Marlow a seus companheiros narra sua saga como comandante de um barco a vapor para uma empresa europeia de exploração de marfim, em expedição pelo rio Congo transportando o produto de um posto a outro. Além disso, é-lhe dada a missão de resgatar um misterioso chefe de posto que se encontra incomunicável e possivelmente louco. No caminho, a curiosidade de Marlow sobre o homem por trás da lenda vai aumentando conforme percebe a aura de admiração que parece circundá- lo. Os relatos permitem entrever que Kurtz está roubando marfim, que “aparentemente enlouqueceu, é venerado como um Deus pela população local, parece ter uma amante africana e pode estar envolvido com canibalismo” (STUBBS, 2005, p. 7)9

. Finalmente, Marlow encontra Kurtz à beira da morte e louco e o vê morrer exclamando a célebre frase: “o horror, o horror!”. De volta à Europa, Marlow visita a noiva de Kurtz, para quem mente, dizendo que ele morreu repetindo seu nome.

Em sua jornada, Marlow testemunha a precariedade da estrutura da companhia e do seu próprio barco, o comportamento brutal dos funcionários, os horrores da escravidão dos negros, os perigos e a impenetrabilidade da selva, os efeitos do isolamento e o confronto com a irracionalidade inerente ao ser humano, que vem à tona em experiências extremas como a relatada. Definido pelo escritor Jorge Luis Borges como “o mais intenso de todos os relatos que a imaginação humana jamais concebeu”, a jornada rio acima é uma metáfora da jornada da vida (STUBBS, 2005), uma viagem sombria rumo ao interior da selva e da alma humana. Serviu de inspiração para o filme Apocalypse Now (1979) de Francis Ford Coppola, o que lhe trouxe ainda mais notoriedade. É também objeto de controvérsia, pois alguns interpretam a narrativa de Conrad como racista pelo modo como ilustra as personagens africanas, enquanto outros a veem como crítica ao imperialismo europeu.

Segundo Silva (2006, p. 102-103), a obra pode ser interpretada sob várias perspectivas: numa leitura historicista, como “uma dura crítica ao colonialismo”; numa visão psicológica, como “uma jornada pesadelo adentro, ou mesmo um esbarrão com a própria loucura”; numa abordagem antropológica ou sociológica, como “um debate sobre o contraste entre natureza e cultura”; e, por fim, como “uma reflexão moral sobre o bem e o mal”. Esse

9No original “He has apparently gone mad, is worshipped as a god by the native population, seems to have an

embate entre natureza e cultura é enfocado no presente trabalho, que se concentra, como já explicado na seção teórica, na descrição do observador aculturado sobre a natureza e tudo aquilo que o rodeia no território inexplorado da colônia.

Em língua portuguesa, até onde se sabe, a primeira tradução foi feita em 1983 em Portugal. No Brasil, foram lançadas as três primeiras traduções no ano de 1984, ou 82 anos após a publicação da obra original e 50 anos após a primeira tradução do autor no Brasil (O Agente Secreto, 1934). As traduções de Heart of Darkness muito provavelmente foram motivadas pelo sucesso do filme Apocalypse Now (1979) de Francis Ford Coppola no país.

Para esta pesquisa, foram selecionadas uma dessas traduções iniciais, a do tradutor Hamilton Trevisan (1984), e uma retradução de José Roberto O’Shea (2008). O QUADRO 1 detalha o corpus de pesquisa.

QUADRO 1: Corpus de Pesquisa

Obra Autor/

Tradutor Editora/ Local Data 1ª ed.

Data ed.

consultada Nº itens

Heart of

Darkness Joseph Conrad

Penguin Books/ Londres 1902 1994 38.781 O Coração da Treva Hamilton Trevisan Global Editora/ São Paulo 1984 1984 37.263 Coração das Trevas José Roberto

O’Shea Hedra/ São Paulo 2008 2008 36.575

A FIG. 2 a seguir apresenta as capas das edições consultadas na pesquisa.

Conrad (1994) Trevisan (1984) O’Shea (2008)

FIGURA 2: Capas das edições que compõem o corpus

Hamilton Trevisan (1936-1984), natural de Sorocaba e falecido no ano da publicação de O Coração da Treva, foi advogado, jornalista e escritor, além de tradutor. Cursou Letras Clássicas na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP) e foi co-fundador da revista de literatura Escrita, que circulou de 1975 a 1988 e foi recentemente revitalizada por Wladyr Nader, também co-fundador, em formato de blog

(http://escritablog.blogspot.com.br/). Além de Conrad, Trevisan traduziu Faulkner (A Árvore dos Desejos, 1971 e O Urso, 1977), Joyce (Dublinenses, 1964) e Apollinaire (As Onze Mil Varas, 1982), entre outros. Sua tradução de Dubliners (Dublinenses, 1964) foi reeditada inúmeras vezes por mais de uma editora brasileira. Quirino (2012) cita 11 traduções e duas obras autorais (Brinquedo, 1972, e O Bonde da Filosofia, 1984), além de montagens de peças teatrais, participações em e organização de antologias e colaborações para a revista Escrita entre 1975 e 1983.

No Coração das Trevas é a 12ª tradução de HOD no Brasil, portanto uma retradução. José Roberto O’Shea (1953-) é professor titular de Literatura Inglesa e Norte- Americana da Universidade Federal de Santa Catarina, além de tradutor e escritor. Com pós- doutoramentos na University of Exeter (2004) e no Shakespeare Institute (1997), é tradutor de Shakespeare e Joyce, entre outros, e pesquisador do projeto Traduções Anotadas da Dramaturgia Shakespeariana (CNPq/PQ). Colabora com jornais e revistas e já traduziu cerca de 30 livros. Recebeu menção honrosa do prêmio Jabuti em 2003 por Cimeline, Rei da Britânia (2002).

Os fatores que motivaram a escolha do corpus são descritos na próxima subseção, que aborda a seleção e a preparação do corpus.