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2. REVISÃO DA LITERATURA

2.1 ESTILO DOS TEXTOS TRADUZIDOS

2.1.2 Teoria da Avaliatividade

A Teoria da Avaliatividade (TA) foi desenvolvida a partir do final da década de 1980 por pesquisadores australianos afiliados à Linguística Sistêmico-Funcional como uma rede de sistemas que se expande a partir da metafunção interpessoal. Esse trabalho foi feito com base em corpora de língua inglesa e a teoria tem sido usada principalmente para estudo de textos dos gêneros acadêmico e jornalístico, como aponta Munday (2012). Ainda são escassas suas aplicações para a língua portuguesa, para textos literários e para textos traduzidos.

A TA concerne a questões de posicionamento (stance) ou avaliação (appraisal) reveladas pelos falantes quanto ao material apresentado e às pessoas com quem se comunicam (MARTIN; WHITE, 2005). A avaliatividade está localizada na semântica do discurso, como explicam os autores, porque a realização de uma atitude do falante tende a se espalhar por várias categorias gramaticais, sendo necessário que o analista se distancie da léxico-gramática para conseguir uma generalização sobre o significado avaliativo observado no texto.

Há três tipos simultâneos de avaliatividade: atitude, engajamento e gradação. Segundo Martin e White (2005), a atitude diz respeito à construção dos sentimentos no texto e envolve três regiões semânticas: emoção, ética e afeto. O engajamento diz respeito aos recursos linguísticos utilizados pelos falantes para adotar um posicionamento quanto aos valores referidos no texto e quanto às pessoas com quem se comunicam. A gradação diz respeito à amplificação ou redução das avaliações atitudinais e de engajamento. Os sistemas de atitude, engajamento e gradação operam conjuntamente como elementos de “complexos integrados de significado” (MARTIN; WHITE, 2005, p. 159).

O sistema de atitude se abre para três opções: a) ‘afeto’, relacionado às emoções e que se desdobra, no nível seguinte de delicadeza, em ‘(in)felicidade’, ‘(in)segurança’ e ‘(in)satisfação’; b) ‘julgamento’, relacionado à ética no comportamento das pessoas e que se desdobra, no nível seguinte de delicadeza, em ‘estima social’ (valores relacionados às pessoas do convívio do falante) ou ‘sanção social’ (valores relacionados à lei), sendo que o julgamento de ‘estima social’ pode ainda ser de ‘normalidade’, ‘capacidade’ e/ou ‘tenacidade’ e o julgamento de ‘sanção social’ de ‘veracidade’ e/ou ‘propriedade’; c) ‘apreciação’, relacionado à estética das coisas, pessoas e fenômenos semióticos e naturais, que se desdobra, no nível seguinte de delicadeza, em ‘reação’ (a coisa nos agrada?), ‘composição’ (equilíbrio e complexidade da coisa) e/ou ‘valor social’ (inovação, autenticidade – a coisa vale a pena?), sendo que a ‘reação’ pode ainda ser de ‘impacto’ e/ou ‘qualidade’ e a ‘composição’, de ‘proporção’ e/ou ‘complexidade’.

No sistema da atitude, simultaneamente aos tipos de atitude, há os sistemas de polaridade, com as opções ‘positiva’ ou ‘negativa’, e tipo de realização, com as opções ‘inscrita’ (realizada explicitamente) ou ‘evocada’ (realizada implicitamente). Esta última se abre ainda para as opções ‘provocar’ (quando há metáfora lexical) ou ‘convidar’ (quando há ‘sinalização’ por gradação ou ‘propiciamento’ pela seleção de significados ideacionais que evocam avaliação).

O sistema do engajamento se abre para duas opções: a) ‘monoglossia’, relativa a asserções categóricas que não se abrem à dialogia; ou b) ‘heteroglossia’, relativa ao reconhecimento do falante de que existem outras vozes, e que pode se dar por ‘contração’ (quando o enunciado desafia, afasta ou restringe o escopo de posições alternativas) ou ‘expansão’ (quando o enunciado abre espaço para posições alternativas), sendo que a ‘contração’ tem no nível seguinte as opções ‘discordância’ (‘negação’ ou ‘contraexpectativa’) ou ‘proclamação’ (‘concordância’, ‘pronunciamento’ ou ‘endosso’) e a ‘expansão’ tem no nível seguinte as opções ‘entretenimento’ ou ‘atribuição’ (‘reconhecimento’ ou ‘distanciamento’).

O sistema da gradação se abre para dois sistemas, de tipo (‘força’ e/ou ‘foco’) e direção (‘aumento’ ou ‘diminuição’). O tipo ‘força’ ajusta as avaliações/interpretações do falante quanto à sua intensidade ou quantidade, abrindo-se para as opções ‘intensificação’ (de qualidades ou modalidade) ou ‘quantificação’ (de entidades). A ‘intensificação’ pode ser de ‘qualidade’ ou ‘processo’ e a ‘quantificação’, de ‘quantidade’, ‘volume’ ou ‘extensão’. O tipo ‘força’ é simultâneo com o sistema de tipo de realização da força, com as opções ‘isolada’ (gradação realizada por um item lexical individual) e ‘fusionada’ (gradação fusionada a outro

significado em um mesmo item lexical). O tipo ‘foco’ ajusta as avaliações do falante quanto à prototipicalidade e precisão de uma categoria. A FIG. 1 apresenta os sistemas descritos acima e é importante frisar que não se trata da rede completa, uma vez que os sistemas e opções que não foram utilizados nesta pesquisa não foram incluídos na descrição fornecida acima ou no esquema a seguir.

FIGURA 1: Rede de sistemas de avaliatividade

Fonte: a partir de MARTIN; WHITE (2005) e TABOADA (s.d.)

Munday (2012) comenta que poucas vezes se usou a teoria para os estudos da tradução e, nos casos em que isso ocorre, a análise se restringe ao sistema da atitude. Sua proposta é testar a validade da teoria para a análise de traduções, buscando descobrir quais partes do modelo são críticas para o trabalho do tradutor. Essas partes, chamadas de pontos ‘value-rich’ (MUNDAY, 2012, p. 41), seriam aquelas que mais sofrem mudanças nas traduções e que têm maior potencial interpretativo e avaliativo, sendo portanto capazes de revelar os valores dos tradutores. Munday (ibid.) comenta que, no caso da tradução, a base da avaliatividade muda e que, quando as diferenças linguísticas e culturais são muito grandes ou quando o propósito da tradução é muito diferente daquele do TF, muitos pontos do texto

podem ser afetados. Ele acrescenta que é ainda mais importante para a compreensão do processo da tradução no nível micro a descoberta dos valores inseridos no texto pelo tradutor, talvez de modo não totalmente consciente, e que a teoria da avaliatividade pode se prestar a esse fim.

Para isso, analisa o registro da interpretação simultânea do discurso inaugural de Barack Obama em espanhol e outras línguas, examina a visão de tradutores técnicos sobre o que são pontos críticos na tradução, pesquisa o processo de tomada de decisão na tradução literária e realiza um experimento envolvendo a análise de várias traduções de alunos de tradução para um mesmo excerto de Jorge Luis Borges.

Na tradução literária, Munday (ibid.) observa como pontos críticos (value-rich) os nomes e descrições raciais, que podem revelar a ideologia e subjetividade do tradutor; termos técnicos referentes à fauna e à flora e termos específicos da cultura-fonte (no caso, peruvianismos), que tendem a ser padronizados nos TTs; os títulos dos livros, por atraírem e criarem expectativas nos leitores dos TTs; e atitudes evocadas sutilmente que podem vir a ser explicitadas nos TTs. Mas ressalta que há restrições contraditórias entre legibilidade, concisão e sentido original, de modo que o resultado da negociação de significado entre autor, tradutor e revisor não é clara, podendo haver intensificação e perda de intensificação de aspectos do TT entre as fases de tradução e revisão.

Na próxima seção deste capítulo, apresentam-se estudos sobre o texto-fonte utilizado nesta pesquisa, Heart of Darkess (CONRAD, 1994 [1902]). A seção subdivide-se em duas, sendo a primeira dedicada a uma análise estilística de corpus e a segunda a uma resenha literária sobre a obra.