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A COSMOGONIA YORÙBÁ

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3. A ÉTICA DOS ANCESTRAIS NA FORMAÇÃO DO BOM CARÁTER

3.1 A COSMOGONIA YORÙBÁ

Para discorrer sobre a cosmogonia, devemos sempre voltar aos estudos dos mitos, pois estes são os responsáveis para narrar a origem do mundo e tudo o que nele existe, portanto estamos falando de cosmogonias e theogonias. Chauí (2004, p. 30) discorre que “[...] a cosmogonia é a narrativa sobre o nascimento e a organização do mundo, a partir de forças geradoras (pai e mãe) divinas. Enquanto que [...] a teogonia é a narrativa da origem dos deuses, a partir de seus pais e antepassados”. A cosmogonia teve e tem um papel fundamental na estrutura do pensamento humano, no momento em que concede caráter divino às atribuições humanas. Destarte, toda a civilização possui explicações para as interrogações relativas à estrutura do universo. Entretanto, as interrogações somente serão respondidas com a presença do mito vivo.

Torrano (1991, p. 371-374), ao colocar a teogonia por paradigma, leciona que o pensamento mítico não se restringe à Grécia antiga, pois em toda parte do universo ele estará presente. Por conseguinte, enumera quatro características gerais do pensamento mítico, quais sejam: oralidade, concretude, a importância dos nomes divinos e o nexo necessário entre verdade, conhecimento e existência.

Concernente à oralidade, Torrano (1991, p. 372) entende que “não é mera ignorância do uso da escrita, mas significa culto e cultivo da memória enquanto potência divina que outorga identidade espiritual à comunidade cultural como ao indivíduo que a esta pertence”.

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A concretitude, para Torrano (1991, p. 372), “consiste em pensar e dizer a totalidade do ser, a existência e os aspectos fundamentais do mundo recorrendo única e exclusivamente a imagens sensíveis”. Vejamos que no primeiro momento o autor fala de consistência em pensar e dizer, depois o autor fala de “concretitude como possiblidade de pensar e dizer os fundamentos transcendentes do ser e da existência mediante o recurso exclusivo ao que podemos perceber com os sentidos corporais”.

Com relação à importância dos nomes divinos, estes têm por características nomear os aspectos fundamentais do mundo em dois momentos distintos de nomeação e de aparição. Torrano entende que eles, num primeiro momento, “instauram na multiplicidade do sensível uma distinção decisiva e uma ordem de realidade fundante, causante e determinante, nomeada com os nomes dos Deuses”, e, num segundo momento, “outra ordem de realidade, fundada, causada e determinada pelos desígnios, sinais e aparições dos Deuses”.

Ainda com referência à importância dos nomes divinos, existem aspectos equivocados ao referir-se ao monoteísmo e ao politeísmo na Grécia antiga, que em muito se compara aos equívocos dirigidos à Civilização Yorùbá.

O mundo, sendo uma unidade complexa, tem uma multiplicidade de aspectos diversos e, no entanto, é uno e indivisível, dado que a unidade e unicidade do mundo inclui em si a multiplicidade de seus aspectos diversos. Assim também, o Theós pode ser visto sob o aspecto de sua unidade e unicidade fundamental, ou ainda sob sua multiplicidade de aspectos, na riqueza de sua diversidade, na plenitude própria da fonte de todas as possibilidades que se abrem para os homens no mundo, sobretudo a de sermos homens no mundo. Fica desde já descartado esse equívoco de que os gregos fossem politeístas: eles eram tão politeístas quão eram monoteístas. Eles tinham a intuição de que a unidade consubstancia a multiplicidade e assim os diversos nomes dos Deuses indicam os diversos aspectos fundamentais do mundo e têm sua unidade e fundamento em Zeus, pai dos Deuses e dos homens. (TORRANO, 1991, p. 373)

Com relação ao saber, o nexo necessário entre verdade, conhecimento e existência, Torrano (1991, p. 374) entende quanto ao conceito de mito: “a palavra com que os Deuses interpelam os homens e interpelando-os fundam todas as possibilidades que se abrem para os homens no mundo e sobretudo a de sermos homens no mundo”. E continua o autor na lição sobre o saber, o nexo necessário entre verdade, conhecimento e existência:

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Este nexo necessário entre verdade, conhecimento e existência supõe que se entenda verdade como alétheia, “ilatência”, ou alethéa, “coisas ilatentes” [...], como um traço não do comportamento humano, mas do modo de manifestar-se a presença de cada presente e de todas as coisas presentes. Assim se pode compreender esse nexo necessário entre verdade, conhecimento e existência como a unidade de mito e de culto, unidade cuja complexão reside na participação dos homens nos Deuses, na imitação dos Deuses pelos homens, e na presença dos Deuses nos homens e nas coisas visíveis.

A unidade desta complexão se vê na palavra interpoladora [...]. A interpolação [...] se dá com a contemplação dos poderes e das atribuições divinas [...] com esta contemplação, a exacerbação da consciência da condição distintiva e própria do homem e, a uma, o impulso cultual de cantar e assim, pelo canto, tornar para todos manifesta a sublime presença interpelante e contemplada.

A unidade desta complexão de mito e de culto faz da existência humana o lugar desta ilatência cuja essência mesma somente vige ao identificar a presença divina e o conhecimento humano desta presença e da distinta presença fundada na condição humana. (TORRANO,1991, p. 374)

Após a descrição sobre a teogonia enquanto paradigma e as características do mito, passamos então a discorrer sobre o mito de origem no contexto Yorùbá. O “mítico” designa o que é originário num mito, segundo Houaiss. Nesse contexto, Eliade ajuda a elucidar a compreensão e a importância do mito de origem:

[...] o mito designa [...] uma “história verdadeira” e [...] extremamente preciosa por seu caráter sagrado, exemplar e significativo. [...] O mito é uma realidade cultural e extremamente complexa, que pode ser abordada e interpretada através de perspectivas múltiplas e complementares. [...] o mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do “princípio”. [...] Os mitos revelam, portanto, sua atividade criadora e desvendam a sacralidade (ou simplesmente a “sobrenaturalidade”) de suas obras. Em suma, os mitos descrevem as diversas, e algumas vezes dramáticas, irrupções do sagrado (ou do “sobrenatural”) no Mundo. É essa irrupção do sagrado que realmente fundamenta o mundo e o converte no que é hoje. E mais: é em razão das intervenções dos Entes Sobrenaturais que o homem é o que é hoje, um ser mortal, sexuado e cultural. (ELIADE, 2000, p. 7 e 11)

A cosmogonia e a teogonia Yorubá tem uma estrutura hierárquica que está compostada de o Ser Supremo, as divindades primordiais, os ancestrais divinizados, orisás (força e fenômeno da natureza). Não será objeto desta descrição a divinação e os sacrifícios, devido tratar-se de um conhecimento específico e fechado, que deve ser transmitido somente para iniciados, tendo em vista o aspecto sagrado que envolve esses dois fenômenos, que tem como princípio uma postura ética.

Na cultura Yorùbá, a ancestralidade mítica é representada por uma ordem hierárquica que demonstra níveis coordenados por funções e atribuições divinas e sagradas que os yorubanos consideram para o seu próprio equilíbrio e equilíbrio do

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meio que o cerca (a natureza). Isso ocorre desde o nascimento, desenvolvimento e morte até a possibilidade de ascensão à condição de ancestral e antepassados históricos divinizados, a partir da referência do ancestral mítico e da Cidade Sagrada de Ilé-Ifè.

O ancestral mítico é o possuidor da essência mítica, porque tem sua origem direta do preexistente, isto é, Olódùmarè, o preexistente, que é o Ser Supremo, sendo Obàtálá/Yemòwó, Òrúnmìlá-Ifá e Esu aqueles que participaram e tiveram a incumbência de dar continuidade da criação na Terra e que são denominados ancestrais míticos (arqui-divindades). Portanto, o ancestral mítico é aquele que nos fornece o conhecimento de que a vida é uma continuidade; e, para reforçar a continuidade ancestral, o mítico torna-se o estruturador da consciência humana. Assim reforça Gusdorf (1980, p. 23): “essa continuidade é a consciência humana desde sua origem, como estrutura do universo”. “O mito está ligado ao primeiro conhecimento que o homem adquire de si mesmo e de seu contorno: mais ainda, ele é a estrutura deste conhecimento”.

Sendo assim, na perspectiva de Kólá Abimbola, na cultura Yorùbá não se pode falar de criação de mundo sem se reportar à mitologia de Òrúnmìlà-Ifá, pois está nos cânones de Ifá que o mundo é dividido em dois planos de existência, sendo o Aiyê, a terra, e o Orun, a morada do sobrenatural.

A mitologia Yorùbá nos remete a Ilè-Ifè, a cidade em que Obatalá se estabeleceu numa montanha em Itapa; e Ifá, o deus do conhecimento e sabedoria, se estabeleceu em Oke-Itase. Itapa e Oke-Itase são duas montanhas em Ilè-Ifè. Para Guenon (1962, p. 185) existe uma relação entre a montanha e a caverna, pois as duas representam símbolos de centros espirituais, axiais ou polares. Destaca-se a montanha por ser um dos símbolos principais com caráter primordial, pois ela é visível em todas as suas partes externas. A montanha representa o centro primordial e sintetiza a essência do período original da humanidade terrestre. Isto porque o topo da montanha representa o lugar da verdade. Nesse mesmo pensamento, assevera Guenon (1962, p,186) que a montanha, a pirâmide e o montículo são equivalentes a um triângulo com pontas voltadas para o alto.

A cidade sagrada Ilè-Ifè é a ligação e constitui o elemento estruturante da geografia sagrada para a cultura Yorùbá, pois Ilè-Ifè é o assentamento criado pelas divindades primordiais, e, nesse local, ao descerem pela corrente de ferro, eles pousaram sobre Oke-Itase – montanha de maravilhas. A geografia sagrada é a

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reunião de espaço e tempo. Ocupar um território, construir uma morada é uma decisão de vida, para a coletividade e para o indivíduo; por conseguinte esse espaço se torna sagrado, porque ele é o lugar escolhido para habitar, e esse habitar é “o mundo”, e esse mundo é o “mundo celeste” materializado sobre a terra. O conceito de geografia sagrada, descrita por Schwarz (1993, p. 291), possibilita um entendimento real da criação do mundo no contexto Yorùbá. Nas palavras dele:

[...] A Geografia Sagrada não é uma simples geografia física, mas constitui uma ligação direta entre o Céu e a Terra. Essas conjunções do Céu e da Terra eram celebradas em lugares geográficos precisos, cujo conjunto constituía um verdadeiro espaço sagrado. O que se chama comumente “espaço sagrado” não é apenas uma superfície, mas também um espaço constituído de pontos de convergência, em que se reúnem e se casam as potências do alto e as do baixo. Esse espaço pode ser comparado a uma imensa rede cujos nós são as ligações, os pontos de convergência ou de “heterogamia” (casamento sagrado) entre o céu e a terra. Assim, cada cidade era um desses nós mágicos, uma dessas ligações e constituía um elemento estruturante da Geografia Sagrada em que se banhavam as sociedades tradicionais.

Criaram também os habitantes dessa cidade. Em pouco tempo a cidade de

Ilè-Ifè estava povoada e seus filhos começaram a migração para outras partes da

África Ocidental – essa pode ser considerada a primeira dispersão dos povos

Yorùba da cidade de Ilè-Ifè. Mesmo com a dispersão, Ilé-Ifè sempre foi, é e sempre

será o nascedouro da cultura religiosa e filosófica dos Yorùba.

Para melhor compreensão das arqui-divindades ou divindades primordiais, é necessária uma descrição delas.

Nesse sentido, a estrutura hierárquica da ancestralidade mítica é composta de a) Òlódùmarè (o Ser Supremo), b) divindades primordiais, c) Obàtálá, d)

Òrúnmìlá-Ifá e e) Esu.

a) Òlódùmarè: o Ser Supremo

A crença em um Ser Supremo na teologia Yorùbá é sem sombra de dúvida um fato natural. Qualquer interpretação que seja contrária à visão Yorùbá de não- crença em um ser superior fatalmente estará calcada em influências culturais não-

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Awolalu, teólogo, ao iniciar a descrição em um Ser Supremo na cultura

Yorùbá, faz uma revisão do ponto de vista de eruditos sobre o conceito Yorùbá de

“Deus”, mostrando como é difícil avaliar povos de outras fés e culturas. E quantos prejuízos ocorrem em função da ignorância total ou parcial, da linguagem e da cultura, somada a noções pré-concebidas. E para Awolalu, segundo P. Baudin (1984, p. 14),

O negro não tem estátuas nem símbolos que representem Deus. Consideram-no como Supremo Ser Primordial, autor e pai de deuses e espíritos. Ao mesmo tempo pensam que Deus, depois de começar a organizar o mundo, encarregou Obatalá de terminá-lo e governá-lo, retirou- se então e foi para um eterno descanso para cuidar da sua felicidade [...]

Awolalu concorda com Baudin quando este diz que os ´negros` não têm estátuas do Ser Supremo. E continua, ao advertir que Ele é grande demais para ser pintado e formado num molde concreto. Ainda ressalta Awolalu sobre o cuidado ao se tratar de símbolo, fazendo, para tanto, uma conceituação na visão de P. Gardner (1984, p. 14): “Um símbolo é um sinal visível ou audível de algum pensamento, emoção ou experiência, interpretando o que só pode ser percebido pela mente e a imaginação por alguma coisa que entra no campo da observação”.

A discussão acerca da crença em um Ser Superior entre os Yorùba trouxe ao longo dos tempos grandes controvérsias. Por um lado, alguns pesquisadores olharam a cultura de fora, sem vivência; por outro, até mesmo sendo de dentro da própria cultura, o olhar já estava contaminado pela compreensão das religiões cristãs. E a causa do desentendimento era a concepção do Ser Supremo.

Dessa forma, Awolalu, citado por Parrinder e Farrow (1984, p. 6), faz menção a Òlórun e informa que a crença no Ser Supremo é antiga entre os Yorùba, entretanto não lhe é oferecido nenhum culto, e ele não possui templo, tampouco sacerdote. Òlórun está acima e é superior às divindades e aos homens (seres humanos). Face ao exposto, Awolalu discorda veementemente de Parrinder e Farrow no tocante à não-existência de culto. Em contrapartida, na conceituação de Ser Supremo, Awolalu considera Idowu como o que melhor conceitua, de forma inequívoca, Ser Supremo na cultura Yorùbá:

Olódùmarè é o nome tradicional do Ser Supremo e Òlórun, embora comumente usado na linguagem popular, parece ter ganhado predominância corrente em consequência do impacto cristão e muçulmano

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sobre o pensamento Yorùbá. Aqui temos de ser cautelosos. Os mais velhos entre os Yorùbá que não são cristãos nem muçulmanos declaram que o nome Òlórun é tão indígena quanto Olódùmarè. [...] as duas palavras são frequentemente usadas juntas ou alternativamente (BAUDIN, 1884, p. 35)

Na concepção interpretativa de Idowu, Awolalu dá seguimento à conceituação de Olódùmarè:

Olódùmarè é a origem e a base de tudo que existe [...], os Yorùbá, estritamente falando, nunca pensaram realmente mais atrás do que Olódùmarè. A Divindade [...] A existência eterna de Olódùmarè, para todos os objetivos práticos, sempre foi aceita como um fato fora de questão. É acima desta fé básica que toda a superestrutura das crenças Yorùbá repousa. (BAUDIN, 1884, p. 6-7)

Olódùmarè – este nome não pode ser determinado, tampouco pode ser feita

análise dele pelo método de silabação. Isto porque, na cultura, o nome descreve um carácter significativo e também as circunstâncias da origem do seu portador, pois cada nome descreve um conceito sobre ele, fato que acontece em muitas outras culturas antigas. É pacificado na tradição entre os mais velhos a conotação do nome Olódùmarè, como sendo a Plenitude, a Eterna Majestade.

Desta feita, não cabe a Olódùmarè condenar, excluir, obrigar as criaturas a qualquer tipo de feito. Caso elas não cumpram sua vontade, recaem sobre elas severas punições. Olódùmarè é a fonte da vida e como fonte de vida outorga às criaturas o livre-arbítrio. Assim, ele colocou à disposição das criaturas seus representantes para dirimir dúvidas e orientar nas questões que elas considerarem convenientes.

Então podemos depreender que no ápice da verticalidade hierárquica se encontra Olódùmarè, o Ser Supremo, a origem e base de tudo que existe. Como o Ser Supremo, Òlódùmarè é inalcançável, para tanto encarregou as arqui-divindades:

Obàtálá, Òrúnmìlá-Ifá, Esu para continuar sua obra de criação na terra. E o Ogun

também às vezes é citado como Divindade Primordial, embora haja controvérsias entre os estudos. Para tanto será considerado nesta pesquisa Divindades Primordiais somente Obàtálá, Òrúnmìlà-Ifá e Esu. As Divindades Primordiais também são conhecidas como arqui-divindades pelo fato de estarem mais próximas de Òlódùmarè, mas que possuem ligações entre os dois mundos, o material e o espiritual (aiyê e orun).

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b) A divindades primordiais

Em Awolalu, as Divindades Primordiais, Obàtálá, Òrúnmìlà-Ifá e Esu, são seres de natureza complexa e que se encontravam junto do Ser Supremo no momento da criação do mundo. Portanto são auxiliares de Òlódùmarè para dar continuidade de sua obra na terra.

Olódùmarè, com o auxílio de Obàtálá, Òrúnmìlá-Ifá e Esu, criou o Orun. Com

a missão de dar continuidade à criação, as divindades primordiais Obàtálá,

Òrúnmìlá-Ifá e Esu desceram do Orun através de uma corrente de ferro e criaram a

Cidade Santa de Ilè-Ifè, a partir das águas primordiais que se encontram abaixo do

Orun.

c) Obàtálá

A divindade Obàtálá foi a primeira a receber de Olódùmarè a incumbência de dar continuidade à criação, isto é, criar a terra sólida. Depois de criada a terra,

Obàtálá relatou a Òlódùmarè a missão cumprida. Òlódùmarè encarrega o camaleão4

de inspecionar o trabalho; ao retornar o camaleão relata que a terra estava firme e que, portanto, novas ações poderiam ser implementadas. É interessante destacar que na África o camaleão é um animal solar e divino, e representa também a dualidade divina, aspecto que será tratado na arqui-divindade Orunmilá-Ifá. Após o relato do camaleão, Òlódùmarè deu a missão a Obàtálá de confeccionar a forma humana, mas o princípio da vida era e é inerente a ele, Olódùmarè.

Òbàtálá agora na missão de esculpir seres humanos foi orientado por Òlódùmarè que o processo de criar seres humanos deveria ser modificado para o

processo de procriação. Por essa razão Obàtálá foi orientado a preparar duas substâncias líquidas de coloração esbranquiçada, uma para o macho e outra para a fêmea. A substância masculina seria em forma de esperma e a feminina seria em forma de ovos, da mistura das duas substâncias resultaria o Àse de Obàtálá.

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O camaleão tem por princípio compreender aspectos de uma realidade divina vinculada às situações da vida humana. O comportamento desse animal e a sua forma de vida são exemplificados como um ensinamento que auxilia o yorubano a se orientar na vida, de modo se comportar e ter uma atitude suave e respeitosa. O movimento do camaleão é suave e ritmico e a sua transmutação dá-lhe a condição de mudar conforme a situação em que ele se encontra.

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Em função da responsabilidade outorgada por Òlódùmarè, Òbàtálá, além de ser o escultor do formato humano, também é conhecido por agraciar com filhos os casais com dificuldades de gerarem filhos. A cultura Yorùbá reconhece que, por ser Divindade escultora, também esculpe seres anormais, e as anormalidades físicas aos olhos de Obàtálá confere aos diferentes fisicamente o status de seres sagrados. Nesse sentido, pode-se afirmar que a cultura yorubana é uma cultura de inclusão.

O culto de Obàtálá é muito difundido entre os Yorùba e em diferentes localidades ele é conhecido por nomes diferentes, porém não há mudança na forma de veneração.

Obàtálá, também é chamado de Òrìsànla, em Ilè-Ifé, Ìbàdàn em alguns

lugares; Orisá-popo em Ògbómòso; Orisá Ògiyán em Éjìbó; Orisá Ìjàyè, e

Ìjàyè e Orisá Onilè em Ugbò, a antiga cidade de Ìlàjè perto de Òktìpupa.

(AWOLALU, 1984, p. 20)

Em destaque, Awolalu acrescenta seu posicionamento, baseado da tradição oral, de que Obàtálá, a arqui-divindade, teria como consorte Yemòwó, na tradição de Ilé-Ifé a consorte seria Odùduwá e uma outra tradição entende que Òbàtálá (Òrìsànla) e Odùduwá sejam divindades andrógenas. Para dirimir os mal-entendidos dos compiladores, torna-se interessante citar Leite apud Verger (2008, p. 131):

Precisamos falar aqui das extravagantes teorias do Padre Baudin e dos seus compiladores, encabeçados pelo Tenente-Coronel A. E. Ellis, sobre as relações existentes entre Obàtálá e Odùduà. [...] O Padre Baudin feminiliza

Odùduà para fazer dele a companheira de Obàtálá (ignorando que este

papel era desempenhado por Yemòwó). Fechou este casal Obàtálá-Odùduà (formado por dois machos) numa cabaça e construiu, partindo desta afirmação inexata, um sistema dualista, recuperado com proveito por posteriores estruturalistas, onde “Obàtálá (macho) é tudo o que está em cima e Odùduà (pseudo-fêmea), tudo o que está embaixo; Obàtálá é o espírito, e Odùduà a matéria; Obàtálá é o firmamento e Odùduà é a terra”. A obra de Baudin, copiada por Ellis, foi o ponto de partida de uma série de livros escritos por autores que copiaram uns aos outros sem colocar em questão a plausibilidade do que fora escrito por seus predecessores.

Para dirimir dúvidas, Leite apud Verger (2008, p. 131) elucida: “Lembremos que há [...] um casal do qual faz parte Òrisàálá, mas sua mulher é Yemòwó [...] eles correspondem ao casal Òrisàálá e Yemòwó e não Òrisàálá e Odùduà. (Grifo nosso).

Assim, pelas distorções ocorridas nas leituras e ao longo do tempo, acreditamos que temporiamente, até que surjam outras explicações, nesta pesquisa adotaremos como o casal divino as arqui-divindades Òrisàálá ou Obàtálá/Yemòwó,

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representantes genuínos do casamento sagrado, a heterogamia entre o céu e a terra. Doravante, passaremos a descrever a segunda arqui-divindade Òrúnmìlà-Ifá.

d) Òrúnmìlá-Ifá

Para Awolalu, a tradição oral Yorùbá conta que Olódùmarè designou

Obàtálá para equipar a terra, e Òrúnmìlá foi condicionado a acompanhá-lo e orientá-

lo. Conta a tradição que, após a criação do mundo, Òrúnmìlá decidiu transitar entre o céu e a terra, na condição de conselheiro. Daí o chamarem com a apelação

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