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Cota de Reserva Ambiental: oportunidades e desafios

No documento Cota de reserva ambiental (páginas 48-55)

CAPÍTULO II COTA DE RESERVA AMBIENTAL

2. O novo Código Florestal (Lei nº 1651/2012)

2.6. Cota de Reserva Ambiental: oportunidades e desafios

Anteriormente, na vigência do Código Florestal pretérito, a Cota de Reserva Florestal não se mostrava um mecanismo interessante diante de sua falta de regulamentação. O proprietário ou possuidor rural não se via propenso a promover a conservação da vegetação, optando muitas vezes por requerer autorização de supressão de vegetação junto ao órgão ambiental, ou, o que é pior, iniciar processos de desmatamento ilegais, que muitas das vezes não são fiscalizados, criando uma sensação de impunidade.

Agora com a vigência do Novo Código Florestal espera-se que a Cota de Reserva Ambiental funcione não somente como um título negociável e que movimente o mercado nacional, mas como um estímulo a preservação das áreas de vegetação nativa. Diante disto, serão analisados a seguir alguns pontos sobre a matéria que merecem uma maior reflexão.

O Novo Código Florestal prevê a possibilidade do poder público reduzir a Reserva Florestal Legal em até 50%, nas áreas de florestas, localizadas na Amazônia Legal, em três hipóteses.

A primeira hipótese é na ocasião do Município ter mais de 50% da área ocupada por unidades de conservação da natureza de domínio público e por terras indígenas

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homologadas. Nesse caso específico a redução do percentual deve se dar exclusivamente para fins de recomposição.

A segunda hipótese é na ocasião do estado ter Zoneamento Ecológico- Econômico (ZEE)42 aprovado e mais de 65% do seu território ocupado por unidades de

conservação da natureza de domínio público e por terras indígenas homologadas.

A terceira hipótese, por fim, se dá quando o ZEE estadual indicar a possibilidade de redução da Reserva Legal de imóveis com área rural consolidada43. Nesse caso, a

redução deverá ser feita exclusivamente para fins de regularização, mediante recomposição, regeneração ou compensação.

Nesses três casos em que há a possibilidade de redução da reserva legal, o percentual a ser atingido por ser menor do que os previstos em condições normais, pode se tornar um atrativo e uma oportunidade para proprietários rurais investirem na preservação de áreas para negociar com cotas de reserva ambiental. Nesses casos, a CRA poderia ser instituída na segunda modalidade possível (ver capítulo 2.2.2.2).

Vale ressaltar que esta possibilidade de redução da reserva legal vem sofrendo fortes críticas de ambientalistas e há quem critique a instituição de CRA nessas hipóteses, já que poderiam ocorrer situações excêntricas em que o proprietário rural, por exemplo, preservasse menos do que os limites estabelecidos em lei, pelos permissivos de redução da reserva legal de seu imóvel, e mesmo assim pudesse instituir a CRA e negociar com outro proprietário que talvez tivesse percentual de reserva legal até superior ao seu, mas em região que não seria possível a redução da reserva legal.

Situação semelhante, que pode ser vista por alguns como uma oportunidade interessante, é a instituição de CRA prevista no artigo 15 do Novo Código Florestal, que admite o cômputo das Áreas de Preservação Permanente no cálculo do percentual da Reserva Legal do imóvel. Para isso é necessário o preenchimento de alguns requisitos, quais sejam: (i) o benefício previsto não pode implicar na conversão de novas áreas para o uso alternativo do solo; (ii) a área a ser computada deve estar conservada ou em processo de recuperação, conforme comprovação do proprietário ao órgão estadual integrante do SISNAMA; e (iii) o proprietário ou possuidor deve ter requerido inclusão

42 O Zoneamento Ecológico-Econômico é um instrumento de racionalização da ocupação dos espaços e

de redirecionamento das atividades econômicas. O ZEE serve como subsídio a estratégias e ações para a elaboração e execução de planos regionais de busca do desenvolvimento sustentável. (Vocabulário Básico de Recursos Naturais e Meio Ambiente, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 2004).

43 Art.3º, inciso IV da Lei nº 12.651: área rural consolidada: área de imóvel rural com ocupação antrópica

preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio.

do imóvel no CAR. Se graças a esse cômputo se ultrapassar os limites mínimos de reserva legal, poder-se-ia utilizar o excedente de vegetação para a instituição de CRA.

O Novo Código Florestal alterou a Lei do Bioma Mata Atlântica (Lei nº 11.428/2006) para incluir expressamente a possibilidade de CRA na modalidade de excedente de Reserva Legal (ver capítulo 2.2.2.2.). O artigo passou a ser lido da seguinte maneira:

Art. 35, Lei nº 11.428/2006: A conservação, em imóvel rural ou urbano, da vegetação primária ou da vegetação secundária em qualquer estágio de regeneração do Bioma Mata Atlântica cumpre função social e é de interesse público, podendo, a critério do proprietário, as áreas sujeitas à restrição de que trata esta Lei ser computadas para efeito da Reserva Legal e seu excedente utilizado para fins de compensação ambiental ou instituição de Cota de Reserva Ambiental - CRA.

A antiga redação do artigo supramencionado também previa a possibilidade de instituição da antiga Cota de Reserva Florestal. No entanto, na prática, era o mesmo que nada já que não havia efetividade do instrumento diante da ínfima regulamentação do antigo instrumento. Na atual conjuntura, a Cota de Reserva Ambiental, com maior detalhamento e consequente maior segurança jurídica, será mais explorada e poderá ser um importante ativo no que tange ao Bioma Mata Atlântica.

A Cota de Reserva Ambiental funciona como importante instrumento para fomento a preservação ambiental, já que permite que o proprietário ou possuidor rural aufira vantagens econômicas através da manutenção da vegetação nativa existente em sua propriedade ou posse, ao instituir cotas de reserva ambiental e negociá-las com interessados em sua aquisição.

No entanto, deve-se observar que a compensação da reserva legal sempre foi vista pelos ambientalistas como uma excepcionalidade, como se percebe da lição trazida por Édis Milaré:

É importante esclarecer que a compensação de Reserva Florestal legal (...) é prevista para casos excepcionais, e mediante atendimento de requisitos legais que deverão ser cumpridos. O caráter de excepcionalidade é indispensável para que se possa alegar a sua viabilização ecológica e legal.44

Assim, o mecanismo de Cota de Reserva Ambiental pode estimular tanto o “mercado consumidor” por estas cotas na compensação ambiental a ponto de desvirtuar 44 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 6ª

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a ideia do instrumento e fazer com que compensar seja uma regra e não a exceção. É de se recordar que o Novo Código Florestal não possui dispositivo semelhante ao trazido pelo revogado diploma florestal que vedava em seu artigo 44-C a opção da compensação para alguns proprietários rurais que tivessem suprimido vegetação a partir de determinada data. Faz-se, portanto, necessária a articulação entre a compensação ambiental e os demais instrumentos econômicos com a fiscalização e o controle dos órgãos ambientais para que o instituto da compensação não seja banalizado.

Ao fim da presente exposição, entende-se que os instrumentos econômicos e financeiros assumiram patamar diferenciado com o Novo Código Florestal. Optou-se por preferir o incentivo econômico da conservação à punição unicamente dos proprietários e possuidores rurais que não cumprissem suas obrigações de preservação da reserva legal.

Passou-se a reconhecer a importância do incentivo a comportamentos no sentido da proteção ambiental e não apenas respostas repressivas a práticas lesivas ao meio ambiente. Assim surgiu a compensação ambiental no nosso ordenamento jurídico e a antiga Cota de Reserva Florestal. A grande falha foi a falta de regulamentação desse instrumento e a sua consequente ineficácia. Alguns estados da federação, como demonstrado neste trabalho, não só se interessaram nesse mercado de cotas de compensação de reserva florestal, como tentaram em nível estadual implantar suas cotas.

Depois de anos de tramitação, o Novo Código Florestal trouxe a Cota de Reserva Ambiental, que substituiu definitivamente a antiga Cota de Reserva Florestal. A nova legislação florestal regulou o instituto de forma muito mais detalhada e complexa, como visto por este trabalho.

Certamente, ainda é um instrumento novo e ainda em fase de estruturação. Na prática, a Cota de Reserva Ambiental só sairá do papel após a implementação do Cadastro Ambiental Rural. Enquanto isso, algumas entidades já estão investindo no fomento de cotas de reserva ambiental futuras, como identificado no presente estudo.

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Este novo instrumento, como era de se esperar, vem sofrendo críticas por diversos setores da sociedade. O Novo Código Florestal ao possibilitar que cada hectare de vegetação nativa preservada além do que o exigido seja vinculado a um título negociável em bolsas de mercadorias, transforma de certa forma as florestas em alvos da especulação financeira. Isso iria de encontro com a visão ambientalista defendida, já que a ideia da compensação seria sempre uma opção excepcional, e não a regra. Há o receio de que a compensação pela utilização de CRA se torne algo banalizado, utilizada de forma indiscriminada por proprietários rurais que sabendo da possibilidade da aquisição de cotas de reserva ambiental, poderiam (continuar) a desmatar áreas de reserva legal.

Por outro lado, o maior detalhamento do instrumento da Cota de Reserva Ambiental pode, em verdade, ser um estímulo ao maior envolvimento dos proprietários rurais para conservação da vegetação natural nativa. Isso porque a preservação poderia ser vista como uma possibilidade de se auferir vantagens econômicas pela transformação dos excedentes preservados em CRA. Evidentemente, como defendido neste trabalho, somente haverá esse estímulo tanto da preservação da vegetação como da aquisição de cotas como mecanismo de compensação da reserva legal se de fato houver uma maior fiscalização e exigência dos órgãos ambientais de que os imóveis rurais realmente cumpram os percentuais mínimos exigidos em lei. Com a obrigatoriedade do futuro Cadastro Ambiental Rural há a esperança de que haja um maior controle dos imóveis rurais e a consequente fiscalização dessas áreas, o que pode estimular os mecanismos de compensação.

Por fim, espera-se que a Cota de Reserva Ambiental não se torne mais um instrumento inócuo no ordenamento pátrio e que possa servir não só para fomentar investidores e interessados em sua aquisição, mas para despertar o real objetivo de tal instrumento. Em verdade, a CRA deve ser vista como uma alternativa para a regularização de diversos imóveis rurais que possuem atividades agrossilvipastoris importantes para a economia e que não conseguem dedicar os percentuais mínimos para a reserva legal.

No entanto, e, acima de tudo, a Cota de Reserva Ambiental deve ser vista como um instrumento que colabore para a manutenção de uma biodiversidade tão rica como a do Brasil, estimulando o desenvolvimento sustentável da nação.

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