• Nenhum resultado encontrado

RELAÇÕES RACIAIS EM EDUCAÇÃO: NOTAS INTRODUTÓRIAS

2.3 Cotas e racismo no Brasil, uma questão política na perspectiva legalidade

A implantação do sistema de cotas raciais do governo brasileiro tem provocado no contexto das políticas públicas de natureza afirmativa o estabelecido de contrapontos vitais para os eixos que acionam as transformações relacionadas à mobilidade social de grupos estigmatizados, despertando interesse nas diversas agências sociais para a atenção quanto à necessidade, cada vez mais, de debates envolvendo as questões raciais no país.

Estes debates são fundamentais para desconstituir a aridez ainda presente em um cenário nacional acostumado a conviver com a naturalização das desigualdades sociais (GOMES, 2011, p.51).

Compreendemos que as políticas de ações afirmativas têm materializado mudanças importantes para sociedade no trato das relações raciais, ao possibilitarem a desestruturação de posturas que consolidavam as disparidades que iam contra emancipação racial dos negros. Por isso, em nosso estudo, consideramos negros e brancos os grupos que mais têm dicotomias ligadas a questões sociais, o que torna importante a problematização sobre a questão da raça nas produções acadêmicas, foco de nossa atenção.

Os dados numéricos apresentados nas pesquisas nacionais são constrangedores, quando se leva em conta o índice de pessoas negras que tem acesso, por exemplo, à educação, principalmente em se tratando do ensino superior. Basta verificarmos os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2013) a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), que demonstram um aumento significativo no número de estudantes no ensino superior na comparação entre 2002 e 2012 de 9,8% em 2002 para 15,1% em 2012. Estes dados, no entanto, confirmam que, apesar de o acesso ter aumentado, a desigualdade racial permanece, pois, segundo a pesquisa em 2012, enquanto 66,6% do total de estudantes brancos de 18 a 24 anos cursavam o ensino superior, 37,4% dos estudantes pretos ou pardos estavam neste nível. Em relação à distribuição dos alunos por cor e raça nas universidades por região, a pesquisa demonstra que a maior reunião de universitários da cor branca localiza-se no Sul (71,3%), seguida por Centro-Oeste e Sudeste (ambas com 70,4%), Nordeste (53,3%) e Norte (49,1%). Os universitárias pretos e pardos estão mais concentrados no Centro-Oeste (51,2%), em seguida aparecem mais nas Regiões Sul (45,9%), Sudeste (43,7%), Nordeste (31,6%) e Norte (29,7%).

É possível afirmamos a existência de uma discrepância social relacionada à entrada e permanência de jovens negros no ensino superior como reflexo das desigualdades sociais e raciais, consequência da instabilidade democrática por que passam sociedades e dos altos níveis de desigualdades sociais. Assim, presenciamos o convívio democrático marcado por profundas desigualdades decorrentes, dentre outros aspectos, de políticas públicas que não foram capazes de fazer as modificações necessárias, configurando-se como produto das concomitantes tensões da desordem que historicamente vem se construindo em torno espaços de poder/saber.

É possível conjecturar diferentes indicadores que expliquem a não entrada desses jovens no ensino superior, mas é certo que parte dessas explanações está significativamente condicionada à questão social interferindo na expectativa de formação de jovens estudantes que deixarão de ser beneficiados, mesmo com as cotas raciais ou sociais, pois socialmente o seu ingresso no ensino superior passa por etapas que contribuem, em parte, para o insucesso na formação e está associado aos diferentes marcadores de desigualdades sociais, em seus condicionantes de discriminação e preconceito racial.

Uma predicação que podemos dar para a classificação do racismo à maneira brasileira está condicionada à linha temporal que atrela a ideia de democracia aos nossos vários passados como Guimarães (1995) pondera:

a especificidade do racismo brasileiro, ou do racismo latino-americano em geral, vem do fato de que a nacionalidade brasileira não foi formada, ou ‘imaginada’, para usar a metáfora de Anderson, como uma comunidade de indivíduos etnicamente dissimilares, vindos de todas as partes da Europa, como ocorreu nos EUA. O Brasil é um amálgama de mestiços de diferentes origens raciais e étnicas, cuja raça e etnicidade foram perdidas, a fim de ganhar a nacionalidade brasileira (p.215).

As desigualdades enfrentadas pelas populações negras são e serão influenciadas por estes passados e verão as relações sociais atreladas ao condicionante raça e desigualdade forçando populações a conviver com o descaso que nos colocam no rol dos grupos minoritários e que acarretam consequências danosas na subjetivação de uma construção identirária. Não podemos nos considerar imunes a este processo, haja vista que “projetamos a ‘nós próprios’ nessas identidades culturais, ao mesmo tempo que internalizamos seus significados e valores, tornado-os ‘parte de nós” (COELHO, 2010, p.13-14).

Em entrevista concedida a Antonio Sérgio Alfredo Guimarães, Carlos Hansebalg fala dos estudos feitos em conjunto com Nelson do Valle Silva sobre a temática “Discriminação e desigualdades raciais no Brasil”, afirmando que sua análise visa os processos históricos que envergam as diferenças sociais a racial, ao fazê-la o faz por meio do questionamento: “se as desigualdades raciais no Brasil não são produto de racismo e discriminação, qual é a teoria ou interpretação alternativa para dar conta das desigualdades constatadas?” (GUIMARAES, 2006, p.262).

Certamente há aqueles que procuram desqualificar a relação desigualdade racial e social, mas estas interpretações não dão conta de explicar a trajetória de povos trazidos, ou já constituídos aqui, que foram historicamente submetidos a condições degradantes econômica, política e humanamente. Por conseguinte, para falar em desigualdades não há como deixar de estabelecer relação entre discriminação racial e desigualdade social.

Para pesquisadores como Wilma Coelho (2012), Nilma Gomes (2012) e Petronilha Gonçalves da Silva (2011) que desenvolvem pesquisas no campo dos estudos raciais, as consequências do racismo são estruturais e interferem no desenvolvimento cognitivo, econômico e político dos grupos, sejam eles ou não minoritários, já que o

processo de exclusão é bifronte, uma vez que age sucessivamente no tecido social, além de sazonal, pois marca periodicidades nas civilizações.

Chama atenção a complexidade que extrapola o campo formal e informal em torno diversidade racial. Neles, ainda pairam pensamentos que em muito não se afastam de certos determinismos que pontuam as raças como castas (MEDEIROS, 2010) buscando particularidades a fim de formar os grupos em guetos.

Certamente, os pensamentos que se destacam são os que apontam para os estudos quem veem a diversidade racial como possibilidade mais coerente para a sociedade aprofundar seus conhecimentos em prol de si (SILVA, 2010, p.44).

O requisito da Lei nº 10.639/03 de abertura para o debate social por meio do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira faz deste dispositivo um equilibrador de força antes díspares das matrizes de saberes, a eurocêntrica e africana. Estes conhecimentos, agora possibilitados com a Lei, deixarão o rol, aos poucos, da condição de coadjuvantes historicamente impostos por ideologias dominantes, exercidas antes pelos colonizadores europeus, depois por aqueles que sustentaram uma visão unilateral do conhecimento.

Para Silva (2010, p 45) a formação dos diversos agentes sociais só será estabelecida de fato através das forças que a designa como a educação democrática, não excludente, desenvolvida a partir da “revisão e reconstrução do conhecimento de todos e de cada um dos grupos e culturas do mundo”.

Porquanto, é por meio da promoção e do incentivo a uma educação consubstanciada em valores étnico-raciais e suas diversidades culturais que se encontra o cerne da positivação das relações raciais.

Nesta perspectiva, não podemos continuar a incorrer em equívocos estruturantes e estruturadores (BOURDIEU, 1994) para as relações sociais que envolvem a questão raça e, não devemos prosseguir imputando sistemas de valores distorcidos e fincados cuja promoção das desigualdades implica na consolidação das disparidades sociais entre brancos, negros e índios historicamente sentidas por aqueles que ha muito tempo estão excluídos dos processos sociais.

Precisamos atentar para os discursos que propagam a igualdade de direitos apenas pela igualdade, perdendo a força que socialmente se tem construído. Não podemos subestimar as forças ideológicas contrárias a toda esta natureza afirmativa, pois a realidade social não é uma tessitura ideal, mas resulta de lógicas que estão estabelecidas nas relações de poder/saber.

As sobreposições de valores etnocêntricos estruturam uma organicidade de pensamento que socialmente subverteu a construção identitária dos grupos de negros, constituindo na própria população de afrodescendentes a imposição de processos que firmaria a negação da participação e do reconhecimento das matrizes africanas no campo político, econômico, cultural e linguístico, fato que aniquilaria a formação sociocultural do povo brasileiro.

Compreende-se que as múltiplas significações sobre a cultura do negro nos foram dimensionadas ao servilismo mais que colonial nos imputando a crença de uma sociedade raciada, mas que manteria sob o estigma das diferenças sociais o cultivo da separação por classe, por cor, por nível escolar, geográfico ou profissional, sempre cortinados ou não por este estigma (MUNANGA, 1994; GOMES, 2005).

As mudanças propositivas nas questões étnico-raciais que acompanhamos hoje são conquistas, dentre outras, do Movimento negro que consolidaram um projeto educacional calcado na diversidade. Gomes (2011) ressalta que a organização dos negros em movimentos sociais sempre enfatizou um relativo cuidado com a construção da democracia para os segmentos raciais.

Neste sentido, considera-se imprescindível que se busque formas de resistência e combate à discriminação estabelecida nas relações sociais a fim que, desde cedo, a população negra construa sobre si identidades positivadas e procure ampliar o projeto educacional para as relações raciais.