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2.1 INOVAÇÃO E CICLOS ECONÔMICOS: O DESENVOLVIMENTO

2.1.5 O crédito e a criação de poder de compra: a importância dos bancos e do sistema

Quando se compara o modelo concebido por Schumpeter às abordagens tradicionais, percebe-se que o economista austríaco e os teóricos clássicos e neoclássicos possuíam uma visão diferente com relação ao papel desempenhado pelo crédito na economia.

Na época de Schumpeter, a maioria dos economistas pressupunha que havia uma oferta monetária determinada na economia, relacionada diretamente à capacidade produtiva de bens e serviços da sociedade de tal sorte que o nível geral de preços tenderia a permanecer em equilíbrio. Em outras palavras, a quantidade de mercadorias e serviços produzidos por uma sociedade qualquer limitava a oferta monetária de forma que não poderia haver um aumento ou redução significativa da quantidade de dinheiro circulando pela economia, pois isso geraria instabilidade no nível geral de preços, causando inflação ou deflação, aumentando o nível de incerteza, desestabilizando as dinâmicas econômicas (de oferta e demanda por produtos e serviços) que mantinham o funcionamento do “fluxo circular” em situação de equilíbrio.

Vimos até aqui que a corrente tradicional argumentava que a economia se movia por meio de processos lentos, contínuos e graduais, sem a ocorrência de grandes saltos. A vida econômica fluía por canais, que interligavam empresas e famílias, mantendo assim o fluxo circular de renda, ano após ano, sem sofrer mudanças significativas. Nesta perspectiva, o desenvolvimento econômico era possível, graças à formação (logicamente lenta, contínua e gradual) de capital, com pequenos acréscimos anuais no nível de poupança e nas taxas de investimento da economia.

Schumpeter até reconhece que o lento e contínuo acréscimo, ao longo do tempo, da oferta nacional dos meios de produção e de poupança é um fator importante na explicação do curso da história econômica. Entretanto, aqui o economista austríaco consegue desenvolver uma argumentação bastante pertinente sobre o papel do crédito como elemento importante quando se analisa o desenvolvimento econômico. Para o autor é o crédito que permite a realização das

novas combinações, que são fundamentais para se compreender os ciclos econômicos e o processo de desenvolvimento descontínuo da economia capitalista. Nisso ele consegue se distanciar das abordagens tradicionais, que simplesmente não viam no dinheiro um elemento significativo para a análise da economia. Em suas análises, os clássicos e neoclássicos explicavam apenas como os preços eram afetados pelas variações na oferta monetária, mediante estudos das curvas de oferta e demanda por produtos e serviços vis-à-vis com a quantidade de dinheiro circulante, não dando atenção ao fato de que os meios de produção, de poupança e investimento, em nível nacional, eram afetados pela alteração do volume dos meios de pagamento (oferta monetária) de uma economia.

Eis uma indagação bastante pertinente para compreensão do modelo schumpeteriano: “de onde vêm as somas necessárias à aquisição dos meios de produção necessários para as combinações novas, se o indivíduo em questão por acaso não as tiver?” (SCHUMPETER, 1988, p. 52). O autor faz essa pergunta porque o empresário, na sua concepção, precisa ter o controle dos meios de produção necessários para a realização de novas combinações. E ter esse controle pode ser encarado como um problema, por exemplo, para as empresas já estabelecidas, que desempenham atividades econômicas ligadas ao fluxo circular de renda. Essas empresas, normalmente, não têm capital para empreenderem, para inovar e criar novas combinações, uma vez que estão comprometidas financeiramente com seus processos produtivos do cotidiano. E esses processos, normalmente, só geram retorno financeiro no ritmo do próprio fluxo, ou seja, de maneira lenta e gradual, não restando a essas empresas outra opção senão recorrer ao sistema financeiro para levantar recursos e então tentar criar novos produtos,

processos produtivos ou ganhar novos mercados consumidores. O mesmo vale para qualquer pessoa que queira empreender e não tenha recursos próprios para tal.

Vejamos abaixo trecho da obra do autor que responde a indagação exposta no parágrafo anterior e trata da criação de poder de compra pelos bancos:

Ainda que a resposta convencional à nossa questão não seja certamente absurda, há no entanto (SIC) um outro método de obter dinheiro para esse propósito, que chama nossa atenção, porque, diferentemente do referido, não pressupõe a existência de resultados acumulados do desenvolvimento anterior, e por isso pode ser considerado como o único disponível dentro de uma lógica estrita. Esse método de obter dinheiro é a criação de poder de compra pelos bancos. A forma que toma é imaterial. A emissão de bilhetes de banco não cobertos totalmente por moeda metálica retirada da circulação é um exemplo óbvio, mas os métodos dos bancos de depósitos prestam o mesmo serviço, quando aumentam a soma total do dispêndio possível. Ou podemos pensar nos aceites bancários, na medida em que servem como dinheiro para fazer pagamentos no comércio atacadista. É sempre uma questão, (SIC) não de transformar o poder de compra que já existe em propriedade de alguém, mas da criação de novo poder de compra a partir do nada – a partir do nada mesmo que o contrato de crédito pelo qual é criado o novo poder de compra seja apoiado em garantias que não sejam elas próprias meio circulante – que se adiciona a circulação existente. E essa é a fonte a partir da qual as novas combinações frequentemente são financiadas e a partir da qual teriam que ser financiadas sempre, se os resultados do desenvolvimento anterior não existissem de fato em algum momento (SHUMPETER, 1988, p. 52/53).

Percebe-se a importância que o autor dá aos mecanismos de crédito numa sociedade capitalista. Os artifícios financeiros criados com o propósito de conceder crédito e incentivar a produção e o consumo, por exemplo, uma duplicata ou uma letra de crédito servem tanto quanto o dinheiro que circula pelo comércio. Isto porque, em certas condições, estes títulos de crédito podem ser convertidos em dinheiro, mediante um desconto antecipados de juros.

Da mesma forma, o banqueiro acaba tendo um papel importante no modelo de Shumpeter. Como agentes produtores de “poder de compra” e como receptores da poupança nacional, que tende a fluir em sua direção, o banqueiro acabou tornando-se capitalista por excelência. Nas palavras do autor:

ele se coloca entre os que desejam formar combinações novas e os possuidores dos meios produtivos. Ele é essencialmente um fenômeno do desenvolvimento [...] Ele torna possível à realização de novas combinações, autoriza, as pessoas, por assim dizer, em nome da sociedade, a formá-las. É o éforo da economia de trocas (SCHUMPETER, 1988. p. 53).

No modelo schumpeteriano, o crédito acaba tendo a função de mudar o emprego dos bens de produção já integrados às atividades econômicas do fluxo circular de renda, proporcionando aos empresários as condições financeiras de criar novas combinações. O crédito ou o sistema financeiro, de modo geral, acaba permitindo que os empresários criem uma nova demanda por esses bens de produção, forçando o sistema econômico a buscar novos canais para novos fluxos de produção e consumo de produtos e serviços. Em outras palavras, o sistema financeiro acaba por mudar o espectro do fluxo circular de renda na medida em que possibilita a criação de novas atividades econômicas que passam a fazer parte do próprio fluxo circular, sendo incorporadas às atividades produtivas já existentes na sociedade.

Outro ponto destacado pelo autor de “A Teoria do Desenvolvimento Econômico” é que se o crédito não puder ser concedido a partir dos resultados financeiros e do capital acumulado pelos empreendimentos já existentes no fluxo circular ou, genericamente, a partir das reservas de poder de compra criadas pelo desenvolvimento da sociedade num tempo anterior, então o crédito deve ser concedido a partir da criação de meios de pagamento criados ad hoc, que, a rigor, não pode ser respaldado por dinheiro, em sentido estrito, nem por produtos já fabricados.

Quanto às garantias dadas por esse crédito criado ad hoc, o autor faz uma colocação que expõe sua opinião sobre a natureza do fenômeno do crédito. Para Schumpeter, esse crédito:

Pode realmente ser coberto por outros ativos que não os produtos, ou seja, por qualquer espécie de propriedade que o empresário porventura possua. Mas, em primeiro lugar, isso não é necessário, e, em segundo, não altera a natureza do processo, que consiste em criar uma nova demanda, sem simultaneamente criar uma oferta de bens. Essa tese não precisa aqui de nenhuma prova adicional [...]. Ela nos fornece uma conexão entre o empréstimo e os meios de pagamento creditícios, e conduz-nos ao que considero a natureza do fenômeno do crédito (SCHUMPETER, 1988, p. 74).

Nesse sentido, como fenômeno relevante da economia capitalista, ao criar poder de compra e beneficiar os empresários, o crédito surge como uma poderosa ferramenta capaz de colocar em funcionamento o método que possibilita o desenvolvimento do capitalismo, um sistema calcado na propriedade privada e divisão do trabalho que funciona a partir da incorporação de inovações à economia, sejam elas produtivas e/ou mercadológicas.

Por fim, com relação à visão sobre o papel do crédito na economia, pode-se dizer que Schumpeter estava à frente de seu tempo, abordando o fenômeno do crédito de uma maneira que os neoclássicos de seu tempo não conseguiram compreender ou aceitar. Por isso, Moricochi e Gonçalves (1994), reconhecendo o pensamento vanguardista do economista austríaco, vão dizer que apenas com a publicação de “Teoria Geral”, por Keynes, em 1936, é que os economistas reconheceram que a oferta monetária desempenhava um papel diferente do reconhecido até então pelo pensamento econômico tradicional. Entretanto, ressalta- se que, já no início do século XX, Schumpeter propunha que o mainstream revisse a concepção dominante, naquela época, dos teóricos clássicos e neoclássicos sobre o papel do crédito na economia.

2.2 AS INOVAÇÕES E OS CICLOS ECONÔMICOS: O MECANISMO DO