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2. Política esportiva no Brasil (2003-2014): fundamentos lógicos e circunstâncias

2.6 A crítica acadêmica ignorada

A despeito dos ‗novos‘ arranjos da política esportiva [em destaque acima] pesquisadores e estudiosos da área da Educação Física/Ciências do Esporte não se furtaram a empreender críticas e proposições.

Para Mascarenhas (2012, p. 55), por exemplo, ―[...] o que está no escopo da ambição olímpica [traduzida no PDEL], na verdade, é a massificação esportiva a partir do ambiente escolar [...]‖. Um entendimento, segundo o autor, distante daquele que o identifica como patrimônio cultural da humanidade, como elemento da cultura corporal de um povo.

Lino Castellani Filho (2008), noutro sentido, observa que essa lógica da massificação esportiva [presente no Plano Decenal] supõe que da quantidade possa extrair a qualidade – formatando [assim] o selecionado brasileiro responsável pela representação nacional.

Ainda como desdobramentos da agenda esportiva brasileira, outros estudiosos do campo têm identificado e combatido tais prerrogativas. É o caso de Betti (2009) que alerta para a demanda colocada à Educação Física diante do projeto olímpico. Juntam-se a ele Grunennvaldt e Kunz (2013) que destacam a possibilidade de vir a ser criado um ―novo‖ discurso persuasivo para, novamente, a escola, o esporte educacional e a Educação Física Escolar serem ―escalados‖ para fomentar o desenvolvimento do esporte de rendimento brasileiro.

Ademais, Dantas Jr. (2013) assevera que a atual forma de promoção de eventos esportivos escolares não contempla o esporte em sua dimensão formativa, e, de igual modo, a realização de megaeventos esportivos, enquanto proposta/legado, não considera os aspectos educativos e de formação cultural para as crianças e jovens brasileiros. Lucena (2013) desconfia do propósito de dividir a política de esportes do Brasil em três vetores para buscar recursos (atividade de lazer, esporte educacional e esporte de alto nível), já que – para o autor – essa proposição é traída na medida em que governo enfatiza o esporte de alto rendimento perspectivando transformar o país numa ―potência esportiva‖, centrada na descoberta/identificação de talentos, e não numa ―nação esportiva‖ – centrada no ―costume esportivo‖ (adquiridos nos tempos dedicados ao lazer e à escolarização).

Bracht e Almeida (2013), diante do risco renovado de que os megaeventos esportivos instrumentalizem a Educação Física, argumentam que existem zonas de conflito entre os códigos e os princípios do modelo dominante de esporte e os da instituição escolar. Para eles, sem submeter-se à lógica do sistema esportivo, a escola deve integrar o esporte aos objetivos

educacionais. Sugerem, portanto, a manutenção da agenda de discussão sobre a construção de uma ―forma escolar‖ para o esporte – o que é tratado como um compromisso político.

Darido et al. (2014) argumentam, também, que a relação da Educação Física com os megaeventos esportivos tem sido conjecturadas como via de mão única – de subordinação da Educação Física escolar aos megaeventos esportivos. Para os autores, a ideia propalada é de que o sucesso esportivo no Brasil está na dependência das aulas de Educação Física escolar. Sobretudo a partir da noção de que essa componente curricular constitui espaço privilegiado na preparação, detecção e seleção de novos talentos esportivos que possam representar o país. E acrescentam:

Quando o assunto são os legados dos megaeventos e a articulação com a Educação Física escolar, parece-nos que o discurso legitimador ainda permanece ancorado em uma perspectiva reducionista, que desconsidera a Educação Física escolar como componente curricular com objetivos próprios, que tematiza o esporte como conteúdo de ensino, mas que não está subordinado aos códigos do sistema esportivo e, portanto, não está a serviço desse sistema, tal como na constituição da base de um modelo piramidal, com vista à revelação de talentos esportivos (DARIDO et al. 2014, p. 166).

Em considerando esse quadro, o suposto é que existe e persiste uma articulação e subsunção do esporte educacional ao esporte de rendimento. Mesmo porque a necessidade de produção e projeção de novos talentos esportivos ‗atualiza‘ e legitima o propalado modelo piramidal esportivo. Cuja formatação impacta a cultura esportiva escolar e, consequentemente, a formação do costume esportivo do brasileiro, dado [sobretudo] seu caráter instrumental. Por isso, o objetivo do estudo [em questão] é analisar e problematizar a configuração das políticas de esporte educacional, organizadas a partir de 2003 [pelo Governo Federal – leia-se Lula e Dilma].

Por tudo isso, cabe [então] observar que foram delineados, ao longo deste capítulo, os traços mais gerais e mais pertinentes à compreensão das políticas esportivas em curso [no Brasil] nos últimos doze anos e suas repercussões para a estruturação/formação do setor esportivo no país.

Tal panorama, como um ponto de partida, é absolutamente justificável na perspectiva da análise histórica. Mesmo porque é conhecida a metáfora [de Marx (1968, p. 4)] segundo a qual ―A anatomia do homem é a chave para a anatomia do macaco‖. Ou seja: ―[...] somente quando uma forma mais complexa se desenvolve e é conhecida é que se pode compreender inteiramente o menos complexo – é o presente, pois, que esclarece o passado‖ (PAULO NETTO, 2011, p. 48).

Desse modo, ao traçar o quadro geral da política esportiva nos/dos governos Lula e Dilma [como um ponto de partida] tem-se a representação inicial do todo que, convertido em objeto de análise por meio dos processos de abstração, resulta numa apreensão do tipo superior, expressa no concreto pensado.

Tal procedimento pode ser assim sistematizado: parte-se do empírico (real aparente) [política esportiva dos governos Lula e Dilma], procede-se à sua gênese analítica (mediações abstratas) [volta ao passado – a ser desenvolvida no próximo capítulo] e retorna-se ao concreto, isto é, à complexidade do real que apenas pode ser captado pelos processos de abstração do pensamento [ou seja, às políticas de esporte educacional – movimento elaborado no último capítulo].

Nesse sentido, a ―volta ao passado‖ é fundamental para compreender a organização do modelo piramidal esportivo. Sobretudo porque tal arquétipo guarda especificidades condizentes com um determinado período da história brasileira, o qual – portanto – exige tratamento cuidadoso e criterioso. Por certo há similaridades – e mesmo por isso deve-se conhecê-las – contudo o que se observa hoje no campo das políticas esportivas afetas à dimensão educacional guardam peculiaridades que só podem ser apreendidas em sua existência atual. De maneira que as equivalências e correspondências não garantem que os fenômenos sejam os mesmos.

CAPÍTULO II