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CAPÍTULO 1. ENCONTRO DE SABERES: A DIALÉTICA DA DEPENDÊNCIA E A

1.1 A filosofia da práxis como método de reflexão-ação de classe

1.1.1 A crítica da economia política e o simples-complexo encarnado na mercadoria

processo mercantil que gesta a transformação do ser em objeto, e do objeto em ser (MARX; ENGELS, 1958). A mercadoria, ponto de partida analítico, é o processo mais simples que explicita, aos poucos, a complexidade do conteúdo inerente à sua forma mais simples. Alienação como estranhamento, exterioridade, não realização de muitos seres sociais, como efetivação da mercadoria pertencente a poucos proprietários (CARCANHOLO, 2014). É a centralidade das condições objetivas-subjetivas da extração de valor no século XXI que nos permite explicitar, na particularidade do capitalismo dependente, a condição estrutural da superexploração e da opressão como mecanismos inerentes à condição periférica da América Latina no desenvolvimento desigual e combinado do qual faz parte.

A aparência da mercadoria de um simples objeto de consumo oculta as substantivas desiguais relações sociais de produção baseadas em proprietários privados e não proprietários dos meios de produção. Ao ver o objeto e não perceber a relação social materializada nele, a classe trabalhadora alienada pelo capital reproduz a práxis dominante e negocia, via preços, sua participação no mercado de trabalho e de consumo. Mas o preço, mera expressão mercantil do valor, não tem relação direta com a produção e sim com as leis “da oferta e da procura” coordenadas e projetadas de forma especulativa pelo capital monopolista financeiro. Através do trabalho alienado, estranhado de seu próprio realizador, materializa-se a unidade do diverso presente nas relações entre o ser humano, este com os demais seres e com a natureza. Na dialética do concreto, o ser com os demais seres sociais, o ser consigo mesmo e

38 ambos no meio em que vivem, são construtores criativos da sociedade real e futura sobre dito viver (MESZÁROS, 2004; HARVEY, 2003). Marx, Engels, Lênin e o marxismo nos dão a instrumentalização para a reflexão, ação e superação frente ao universo coisificado da vida e dos seres que lhe dão sentido. Processo de reação ao capital que se expressa nas lutas concretas dos movimentos sociais em determinados contextos históricos.

Vale para a crítica da economia política em geral, o que se constrói para a crítica da economia política latino-americana, com o afã de entender a relação entre o particular e o universal, na totalidade do próprio movimento simples-complexo da mercadoria transformando-se em valor, dinheiro, capital. A parte e o todo conformam o movimento permanente de entroncamento entre múltiplas contradições de primeira e segunda ordem. Nas contradições de primeira ordem, a relação capital-trabalho materializa em diferentes territórios particulares formas da universal exploração da força de trabalho, através da extração de mais valia com pagamentos abaixo da reprodução social média do próprio trabalhador e de sua família. Nas contradições de segunda ordem, as superestruturas, objetivas-subjetivas, dão sustentação assim como protagonizam, junto ao capital, complexas formas de materialização do conteúdo da exploração e opressão sobre e contra o trabalho.

O desenvolvimento desigual e combinado imprime, no ritmo da exploração-opressão, mecanismos objetivos-subjetivos de materialização, territorialização, do poder do capital. Entre estas formas estão: os Estados Nacionais; os poderes jurídicos e políticos emanados como regras sociais; o aparato militar de controle e uso da força; as células de construção da ideologia dominante (igreja, família, escola, partidos, meios de comunicação), entre outros.

Ao entender o movimento dialético entre a parte e o todo, visibiliza-se a impossibilidade de, na narrativa de um, deixar de lado a alusão ao outro (superexploração opressora, opressões superexploradoras). Nesse sentido, o eurocentrismo, o latino- americanismo, o colonialismo, são expressões concretas que dão força a um ponto de partida que reitera, na análise, uma autonomia, em realidade muito relativa. Na totalidade do movimento do capital, a exploração e a opressão que lhe são inerentes, todos os territórios encarnam uma mesma expressão geral, guardadas as particularidades próprias de cada um.

A crítica da economia política faz uma análise teórico-ativa sobre as condições materiais que dão vida às relações sociais sob o domínio do capital em seus respectivos momentos históricos, baseada na explicitação dos substantivos elementos que condicionam o trabalho aos múltiplos imperativos, objetivos e subjetivos, do capital. Este campo de análise tem como premissa revelar as contradições inerentes às leis gerais do movimento do capital.

39 Modo particular de produção que, ao sujeitar o trabalho às perversas condições de extração de valor e opressão, na aparente ideia produzida de trabalho “livre assalariado”, institui dinâmicas complexas que vão se aprimorando com o passar do tempo.

A característica substantiva do capitalismo é a desigualdade em todos os âmbitos da vida social. A desigualdade, marca indelével do desenvolvimento do capital, subjaz das relações sociais originadas da propriedade privada dos meios de produção e da produção social de riqueza capitalista ancoradas nas leis do valor-trabalho.

Marx em “Contribuição à crítica da economia política” sustentava que (MARX, 2003):

Na produção social de sua existência, os homens estabelecem determinadas relações necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado estágio evolutivo de suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade a base real sobre a qual se alça um edifício jurídico e político, e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material determina o processo social, político e intelectual da vida em geral. Não é a consciência dos homens que determina seu ser, é sua existência social o que determina sua consciência. Em um estágio determinado de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações existentes ou [...] com as relações de produção dentro das quais estavam se movendo até o momento. Ao considerar esta classe de inversões, sempre é imprescindível distinguir entre a inversão material das condições econômicas de produção, fielmente comprováveis ao ponto de vista das ciências naturais, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas e filosóficas, em suma, ideológicas, dentro das quais os homens cobram consciência deste conflito e o solucionam. (MARX, 2003, p. 5)

Através da filosofia da práxis, parte-se do vivido coisificado (concreto) - “pseudoconcreção” (KOSIK, 1992) - reflete-se sobre ele (abstrato), e projetam-se novos sentidos não mercantis para a sociabilidade produtora de outros processos de produção de vida (concreto refletido-ativo). Na pseudoconcreção, são estruturadas mediações que corroboram o corolário do modus operandi hegemônico, mas não único, do capital (NETTO, 2011; KONDER, 1992; KOSIK, 1967; VIGOTSKY, 1991).

O materialismo histórico dialético, a partir dos níveis de abstração que consolida, reitera a capacidade manipuladora e invasora que possuem os proprietários privados dos meios de produção que, ao transformar a vida em mercadoria, condicionam a atividade produtiva, própria da ontocriatividade dos sujeitos sociais, à alienação. Esta síntese se faz importante por contribuir, com base na centralidade do trabalho, para a revelação dos mecanismos que estão por trás da dominação “sem limites” do capital sobre a dinâmica social como um todo. E, ao revelar, os condicionantes da opressão superexploradora, este referencial

40 metodológico explicita a dimensão política da ciência, define o protagonismo da classe trabalhadora consciente e cria possibilidades de ações superadoras advindas da reflexão crítica.