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Crítica da tese da responsabilidade estatal pela edição de atos legislativos

4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO LEGISLATIVO

4.4 Crítica da tese da responsabilidade estatal pela edição de atos legislativos

Tem ganhando força na doutrina uma tese que sustenta a possibilidade de responsabilização estatal por atos legislativos constitucionais, ainda que tais atos não possuam efeitos concretos.

Tal entendimento busca seu fundamento na proteção constitucional do direito de propriedade, de tal modo que, para a proteção do aludido direito, irrelevante seria, do ponto de vista jurídico, que o dano eventualmente causado por uma lei constitucional atinja o patrimônio de uma parcela específica da coletividade; irrelevante seria a diferenciação entre dano suportado por toda a coletividade ou somente por uma parcela desta.

63 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004, p.265.

Defensor desta posição é Rui Medeiros que, em ensaio sobre o tema, afirma:

Essa garantia do valor da propriedade, no qual se transmuda a função social perante um interesse coletivo, implica apenas que esta indenização se dê por um justo valor e não esteja condicionada a um ‘sacrifício especial’ de uma categoria restrita de indivíduos. Se uma lei, no âmbito de uma nova definição do conteúdo e dos limites da propriedade atingir gravemente direitos patrimoniais existentes, deverá reconhecer-se o direito dos lesados à reparação dos danos, não importando o número de atingidos pela medida legislativa. A questão da socialização integral dos danos causados pela atuação legislativa estatal é um problema metajurídico, que, embora adotado na prática dos Tribunais, não tem amparo na dogmática constitucional.65

Em igual sentido, posiciona-se César Viterbo Matos Santolim, asseverando que: Aceitar-se que o Estado somente tem a obrigação de indenizar naqueles casos onde o número de atingidos pelo ato legislativo é reduzido é trazer para o plano quantitativo uma situação que é de qualidade. A questão não é quem ou quantos o Estado alcança, mas como e porque o faz. Ao fixar as regras do Plano Diretor, por exemplo, a municipalidade diferencia normas, bairros, ruas e até quarteirões. Nem por isso, de per si, terá que se falar em dano ressarcível, inobstante a manifesta particularidade dos efeitos.66

Em que pese a solidez dos argumentos expostos pelos autores acima, não podemos concordar com a posição defendida.

Conforme abordado acima, o fundamento da responsabilidade civil do Estado por atos ilícitos reside no princípio da distribuição eqüitativa dos ônus e encargos públicos. Além dos elementos configuradores da responsabilidade estatal por atos ilícitos: ação ou omissão do agente, o dano e o respectivo nexo causal, quando se tratar de responsabilidade por atos lícitos é necessário que o dano seja experimentado por uma parcela determinada de indivíduos. Em tais casos, o instituto da responsabilidade civil tem por objetivo restaurar o postulado constitucional da igualdade material entre os membros da coletividade.

Não se pode abandonar a noção de especialidade e anormalidade do dano como requisito da responsabilidade do Estado legislador. A exigência é essencial à figuração do 64 Op. cit., pág. 807.

65 MEDEIROS, Rui. Ensaio sobre Responsabilidade Civil do Estado por Actos Legislativos. Coimbra: Almedina, 1992, p.254.

66 SANTOLIM, César Viterbo Matos. A responsabilidade civil do Estado por atos legislativos. Estudos Jurídicos. São Leopoldo, n. 55, v.22, 1989, p.52

equilíbrio entre o interesse público perseguido pela norma e os direitos individuais estabelecidos. Quando a restrição imposta pelo ato legislativo for geral e abstrata, duas serão as possibilidades. Primeiro, tratar-se-á de sacrifício que rompe a outorga constitucional, desbordando os limites da discrição do legislador ordinário e, assim, suprimindo direito ou liberdade constitucionalmente assegurada, como é o caso da proteção ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito. Havendo tais ofensas, a investigação é retirada do campo da responsabilidade do Estado por ato legislativo ilícito, deslocando-se para a seara da responsabilidade por ato legislativo inconstitucional. Em segundo, teremos encargo legal que, a todos imposto, traduzirá exigência comum e necessária da vida social, não excedente do dever geral de suportar restrições em nome do interesse coletivo, como curial na sociedade politicamente organizada.

Em outras palavras, a vantagem extraída da norma que genericamente impõe sacrifícios, inspirada em legítima persecução do interesse público, estaria compensada pelos ônus igualmente generalizados, e assim concebidos como normais e não excessivos. Não se vislumbra, assim, dever de ressarcimento, já que, nessa hipótese, integralmente preservado estará o princípio constitucional da igualdade. A proteção ao direito de propriedade, em tais casos, deve amoldar-se à supremacia do interesse público.

Mais correta afigura-se a tese que afirma que somente as leis constitucionais que causem prejuízos especiais, ou seja, possuam efeitos concretos, são hábeis a ensejar a responsabilização estatal, conforme assevera Marisa Helena D’Arbo Alves de Freitas:

o dano generalizado qualifica-se como encargo social, devendo ser suportado por todos os prejudicados, enquanto o dano excepcional, desigual e grave, produzido pela norma legal, pode originar o ressarcimento em função do tratamento diferenciado a que ficou submetido o lesado frente aos encargos públicos.67

67 FREITAS, Marisa Helena D’Arbo Alves de. O Estado legislador responsável. Revista de Informação

Assim, as únicas hipóteses em que restará configurada a responsabilidade civil do Estado legislador serão a edição de ato legislativo inconstitucional e a produção de atos legislativos constitucionais de efeitos concretos.

C

ONSIDERAÇÕES

F

INAIS

O presente estudo monográfico teve como cerne analisar a responsabilidade do Estado por atos legislativos no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro. Examinou-se, inicialmente, o instituto da responsabilidade civil, passando-se, em seguida, a abordar a aplicação deste instituto na seara estatal, contemplando sua evolução histórica e o atual panorama na Constituição Federal de 1988. Conclui-se pela possibilidade de responsabilização estatal pela edição de atos legislativos, bem como apontando as hipóteses em que tal responsabilidade restará configurada.

Demonstrou-se que a atual ordem constitucional dá guarida à responsabilidade do Estado por atos legislativos. O Art. 37, § 6.º da Constituição Federal, ao utilizar o conceito “agente público” quis ampliar a responsabilidade do Estado a todos os que desempenham a vontade do Poder Público, inclusive os membros do Parlamento. Assim, viu-se que não há óbice, pelo contrário, houve vontade do poder constituinte originário em se responsabilizar todos os agentes públicos.

Os argumentos utilizados na defesa da irresponsabilidade do Estado por atos legislativos foram analisados, dando-se uma explanação acerca dos mesmos. Ainda, demonstrou-se que tais justificativas eram insubsistentes, seja porque descabidas de lógica, seja porque não tinham guarida na atual ordem constitucional.

A desconstrução dos aludidos argumentos e a análise do nosso texto constitucional abriram um confortável caminho para a demonstração de que, em nosso ordenamento jurídico, é plenamente cabível a responsabilidade civil do Estado pela edição de atos legislativos.

Após a demonstração da mencionada possibilidade, apontou-se quais as hipóteses em que estaria configurada o deve reparatória do Estado. As hipóteses são: lei inconstitucional e lei constitucional de efeitos concretos.

No tocante à lei inconstitucional, asseverou-se que o legislador ordinário deve pautar sua atuação pelos limites estabelecidos na Carta Magna. Toda vez que, por ocasião da atividade legiferante, houver um transbordo dos limites constitucionais, estará configurado o dever estatal de reparação, desde que presentes o dano e o nexo causal entre este e o excesso legislativo.

Ainda na seara da lei inconstitucional, sustentou-se a posição de que, para fins de responsabilidade civil do Estado, não é necessária a prévia declaração de inconstitucionalidade da lei através da técnica do controle concentrado de constitucionalidade. Fundamentou-se tal posição nos princípio do amplo acesso à jurisdição, consubstanciado no art. 5º, XXV da Constituição Federal de 1988, bem como na inexistência de diferenças essenciais entre as técnicas do controle concentrado e do controle difuso.

Acerca da lei constitucional de efeitos concretos, ponderou-se que esta, apesar de seguir todo o trâmite do processo legislativo, incide apenas sob determinada parcela de indivíduos, motivo pelo qual se afirma que seus efeitos são concretos. Em tais casos, aplica-se a disciplina prevista para os atos administrativos lícitos, para os quais o fundamento da responsabilidade do Estado reside no princípio da distribuição eqüitativa dos ônus e encargos públicos.

Finalmente, teceu-se uma crítica à posição que sustenta a possibilidade de responsabilização do Estado pelos danos eventualmente provocados por leis constitucionais de caráter geral e abstrato. Argumentou-se que, quando se trata de prejuízos advindos de atos lícitos, a responsabilidade civil do Estado tem como finalidade proteger o princípio da

igualdade material. Apontou-se também que o direito de propriedade deve quedar-se ao interesse público consubstanciado nas leis editadas de acordo com a vontade do poder constituinte originário.

Assim, por intermédio desse estudo monográfico, tentou-se demonstrar em que medida o Estado brasileiro é responsável pelos atos legislativos, bem como que não assiste razão aos que defendem a irresponsabilidade do Estado.

R

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