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3 A POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO AO COLABORADOR DE BENEFÍCIOS

3.4 A concessão de benefícios extralegais na prática Operação Lava Jato

3.4.1 Síntese da Operação Lava Jato

3.4.1.3 Críticas e considerações aos acordos da Lava Jato

Os principais aspectos criticados pela doutrina em relação aos acordos de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef é que eles abriram as portas, de forma muito ampla, para o mercado da delação premiada. Afirma-se que os prêmios concedidos aos colaboradores contêm um aspecto mais vantajoso do que sancionatório, o que, em tese, estimularia outros agentes a delatarem a qualquer custo, em troca dos benefícios61.

Canotilho e Brandão (2016) criticam a extensão desses benefícios, destacando que houve a previsão de pena de multa nos acordos, sendo que não há previsão legal na Lei de Organizações Criminosas para tanto; que há a previsão de data de início da execução da pena, coincidentes com a data de assinatura do acordo de colaboração, ou seja, antes mesmo da sua homologação, e determinando as regras para progressão de regime, sem que nem haja uma sentença, o que violaria o devido processo legal e a presunção de inocência.

Em suas palavras:

O pacto de que a pena criminal a aplicar ao réu colaborador deverá iniciar-se ainda antes de ser proferida a respectiva sentença viola ainda o princípio da presunção de inocência, vertido no art. 5º, LVII, da Constituição Federal [...]. Estando o princípio constitucionalmente consagrado nestes termos, isto é, com uma amplitude que alcança o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, será constitucionalmente inadmissível uma antecipação processual do cumprimento da pena para um momento em que o réu não foi ainda definitivamente dado como culpado da comissão do crime correspondente. (CANOTILHO; BRANDAO, 2016, p. 32).

O Ministro Gilmar Mendes fez uma análise crítica sobre os acordos no julgamento da Questão de Ordem da Pet 7.074/DF, afirmando que a Operação Lava Jato não se preocupou

em observar limites para a discricionariedade da acusação ao oferecer os prêmios. O Ministro observa, no mesmo sentido que Canotilho e Brandão (2016), inclusive fazendo menção aos autores, que os seguintes prêmios foram ofertados sem que houvesse respaldo legal: redução da pena de multa; início do cumprimento da pena privativa de liberdade com a celebração do acordo, independentemente de condenação; fixação de requisitos menos gravosos para a progressão de regime da pena privativa de liberdade; suspensão de investigações e procedimentos, após atingido o teto de pena privativa de liberdade em outras sentenças (BRASIL, 2017c, p. 182).

Em que pese a grande parte destes benefícios sejam favoráveis ao agente, com exceção do início imediato do cumprimento da pena, o Ministro ressalta que os acordos de colaboração da Lava Jato, em geral, inovam na convenção de benefícios, não se valendo do rol previsto em lei, o que demonstra a existência de um novo direito penal, que não respeita as regras existentes, e sequer o princípio da legalidade e a Constituição Federal (BRASIL, 2017c, p. 182-185).

Ainda sobre a questão prática dos acordos de colaboração premiada, a Revista Consultor Jurídico publicou, em outubro de 2015, uma análise feita de vinte e três acordos de colaboração premiada celebrados e homologados na Lava Jato, com o MPF ou a Procuradoria-Geral da República, desde o primeiro (Paulo Roberto Costa), firmado em 27 de agosto de 2014, até o do lobista Fernando Moura, formalizado em 28 de agosto de 201562.

A pesquisa constatou que todos os acordos analisados possuíam cláusulas que violavam dispositivos da Constituição Federal, Código Penal, Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal. Uma dessas cláusulas seria a renúncia ao direito de recorrer das decisões, que iria em contrapartida ao direito de ação, previsto no artigo 5º, XXXV da CRFB/88.

Outro exemplo consiste na proibição da defesa ter acesso às transcrições das declarações e depoimentos do colaborador, que ficarão restritas ao MP e ao juiz, sob o argumento de preservação de sigilo do acordo, mas violando o contraditório e a ampla defesa, previstos no artigo 5º, LV da CRFB/88. Segundo a revista, tal fato demonstraria inclusive a ausência de paridade de armas entre defesa e acusação.

Há críticas também à mitigação da obrigatoriedade e indisponibilidade da ação penal, e da fixação de pena sem a presença de um juiz, o que subverteria toda a lógica do processo penal, criando um regime de cumprimento condicional da pena à margem da lei. Todas as

críticas à existência dessas cláusulas foram corroboradas na pesquisa pelas palavras dos criminalistas Aury Lopes Jr., Marcelo Leonardo, Antonio Carlos de Almeida Castro e Guilherme Nucci (RODAS, 2015).

Em contrapartida, foi trazida a opinião do procurador da república Orlando Martello, que defende que a existência dessas cláusulas extralegais se justifica pela possibilidade de negociação entre o acusado e o MPF, existente desde a Lei n. 9.099/95.

O criminalista Pierpaolo Cruz Bottini argumenta, por sua vez, que

[...] se as medidas dos acordos forem mais benéficas aos delatores do que as previstas na lei, elas devem ser aceitas. Desta maneira, Bottini [...] sustenta não haver problema em cláusulas como a que admite, já antes da sentença, progressão de regime, mesmo que ausentes os requisitos objetivos. Ele diz ser incompatível que um acusado firme acordo de colaboração premiada e permaneça calado, uma vez que esse tipo de acordo é baseado na renúncia ao silêncio, que é um direito disponível. (RODAS, 2015).

Por conseguinte, conforme demonstrado ao longo de todo este trabalho, há quem sustente que os benefícios a serem concedidos na colaboração premiada só podem se ater àqueles previstos na Lei que a rege - Lei n. 12.850/13, sendo que qualquer extrapolação seria considerada ilegal e, portanto, nula.

Há também quem entenda que podem ser concedidos benefícios diversos dos permitidos em lei, mas desde que encontrem algum subsídio legal capaz de embasar uma analogia, mesmo que a lei seja de outra esfera do Direito que não a penal.

E por último, há quem defenda a ampla e praticamente irrestrita concessão de benefícios extralegais, em razão da liberdade de negociação das partes, que buscam firmar um contrato civil, regido sob as regras do direito civil, que prevalecem sobre as regras do processo penal tradicional, partindo, desta forma, de uma visão interdisciplinar da colaboração premiada.

Porém, ainda que permitidos os benefícios para além das disposições da Lei de Organizações Criminosas, as “inovações” deverão respeitar os limites dos direitos e garantias fundamentais, e da própria Constituição Federal, que rege o ordenamento jurídico brasileiro como um todo.

De qualquer forma, considerando a expansão que a Operação Lava Jato concedeu aos acordos de colaboração premiada, não há como fechar os olhos ao fato de que grande parte destes acordos praticamente não se valem dos benefícios previstos no caput do artigo 4º da Lei n. 12.850/13, optando-se pela criação de novos benefícios, que melhor se amoldem aos

casos concretos da negociação em curso.

Assim, diante dessa realidade, é de suma importância que se instrumentalize de forma mais concreta e clara o procedimento do acordo de colaboração premiada, em especial com a delimitação de até onde se pode negociar, sob pena de fomentar uma insegurança jurídica baseada em debates doutrinários e jurisprudenciais teóricos que passam muito longe da prática atual.