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DA QUASE APROVAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO

Na legislação brasileira, o Cram Down está previsto no art. 58, §1º, da LRE e sua origem no direito concursal remonta aos Estados Unidos. A bankruptcy no direito americano está inclusa no United States Code, no Title 11. Quanto ao tema da recuperação de empresas e

Cram Down, o Chapter 11 trata de forma específica, porquanto traz a série de requisitos para a

concessão da recuperação do devedor com base no instituto supracitado. Nesse sentido, o §1129 determina que a confirmação do plano de reestruturação deverá atender a uma série de requisitos legais previstos na alínea ―a‖, do referido parágrafo. Assim, o §1129, ―A‖, itens 1 a 16, trata do plano de recuperação com a aprovação dos credores.

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NUNES, Cláudia Ribeiro Pereira. ―Trava Bancária‖ em recuperação judicial:‖efetividade ou flexibilização da garantia das instituições financeiras na contemporaneidade, sem ano, não paginado.

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COSTA, Ana Carla Abrão. Sistemas legais de insolvência, incentivos e mercado de crédito: uma abordagem institucional. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro2004/artigos/A04A097.PDF. Acesso em 05 de maio de 2016, p. 4

O §1129, ―a‖ possui trezes requisitos legais que devem ser atendidos para fins de concessão do plano de restruturação da empresa524. Assim, o Capítulo 11, ao permitir a reestruturação da empresa, com ou sem consentimento dos credores, deve atender a determinadas exigências legais525. Além disso, o plano precisa, sem prejudicar credores dissidentes, apresentar viabilidade (feasibility of the plan)526, atender aos preceitos da boa-fé (good faith) por parte do devedor e demonstrar como será feito o pagamento dos credores (disclosure of payments)527.

Em seguida, o §1129 dispõe sobre o instituto do Cram Down, especialmente sobre a possibilidade de o tribunal aprovar o plano de recuperação a pedido do devedor, ainda que não aprovado por alguma classe de credores528. Nesse caso, minorias dissidentes (dissenting

minorities) em uma ou mais classes serão obrigadas a aceitar o plano de recuperação529. Isso por que o plano de reestruturação de empresas passa pelo crivo da aprovação da totalidade de credores, em regra. Excepcionalmente, admite-se que o tribunal aprove um plano de restruturação mesmo que não tenha votos favoráveis para tanto através do instrumento denominado cramdown530, desde que pelo menos uma classe dos credores aprove o plano531.

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CIERI, Richard M.; OYER, Barbara J.; BIRNBRYER, Dorothy J.. ―The long and Winding Road‖: the standards to confirm a plan of reorganization under chapter 11 of the bankruptcy code (part I). Journal of bankruptcy law and practice, vol. 3, p. 4.

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PACHULSKI, Isaac M. The cram down and valuation under chapter 11 of the bankruptcy code. North Carolina Law Review, v. 48,n. 5, 1980, p. 925:‖ Chapter 11 of the Bankruptcy Code1 establishes a procedure under which the rights of creditors or equity ho1ders of a debtor may be readjusted by way of a p1an, even without the consent of ali parties whose rights are to be modified by the p1an. The confirmation of a p1an by the court requires, however, that certain conditions be met. The contents of the p1an must comp1y with section 1123 of the Code, which specifies the mandatory and permissib1e features of a plan.‖

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Id., Ibid., p. 935-936: ―Thus, in order for a plan to be "crammed down" over the opposition of a dissenting class, the plan must meet two requirements with respect to each dissenting class-it must not "discriminate unfairly" and it must be "fair and equitable."

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Id., Ibid., p.927.

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ESTADOS UNIDOS. United States Code. Disponível em: <

http://uscode.house.gov/browse/&edition=prelim >. Acesso em 05 de fevereiro de 2016. §1129, ―b‖: ―Notwithstanding section 510(a) of this title, if all of the applicable requirements of subsection (a) of this section other than paragraph (8) are met with respect to a plan, the court, on request of the proponent of the plan, shall confirm the plan notwithstanding the requirements of such paragraph if the plan does not discriminate unfairly, and is fair and equitable, with respect to each class of claims or interests that is impaired under, and has not accepted, the plan‖.

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PACHULSKI, Isaac M. Ibid., p.927

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CIERI, Richard M.; OYER, Barbara J.; BIRNBRYER, Dorothy J.. ―The long and Winding Road‖: the standards to confirm a plan of reorganization under chapter 11 of the bankruptcy code (part I). Journal of bankruptcy law and practice, vol. 3, p. 6: ―Although the provisions of Chapter 11 encourage

No direito americano, a celeuma instala-se diante do fato que, proposto o plano de recuperação ou reestruturação, há duas hipóteses possíveis de aprovação. Na primeira delas, os credores decidem pela recuperação ou pela falência e, nesse caso, requer aprovação de todas as classes de credores. A segunda hipótese querer aprovação em pelo menos uma classe532 e os argumentos em sede doutrinária são no sentido de que a aprovação do plano de reestruturação via Cram Down deve ser interpretada para conceder mais flexibilidade ao plano de recuperação. Os devedores que optam por pedir a reestruturação com fundamento no Chapter

11 em detrimento do Chapter 7 é porque pretendem continuar a atividade empresarial após o

processo de insolvência. Para tanto, é preciso que o devedor apresente um plano de reestruturação para ser aprovado pelos credores533.

Daí por que se afirma que para obter a confirmação com base no Capítulo 11, o devedor deverá preencher uma série de requisitos e que o método ordinário de confirmação do plano é o previsto no art. 1129(a), enquanto que no art. 1129(b) há a previsão do Cram Down como método alternativo534 para fins de aprovação da reestruturação da empresa. Como a aprovação do plano requer voto da maioria dos membros de uma classe que representem pelo menos 2/3 do valor em dólar da classe, o credor com maior crédito tem grande poder para fins

consensual arrangements, a plan of reorganization may be confirmed by a court despite the failure of all affected classes to vote in support of it‖.

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CIERI, Richard M.; OYER, Barbara J.; BIRNBRYER, Dorothy J.. ―The long and Winding Road‖: the standards to confirm a plan of reorganization under chapter 11 of the bankruptcy code (part I). Journal of bankruptcy law and practice, vol. 3, p. 14: ―A plan may not be confirmed by cramdown unless at east one class of impaired, non insider, claims has accepted the plan‖.

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BRINDISE, Suzanne T. Choosing the ‗per-debtor‘ approach to plan confirmation in multi-debtor chapter 11 proceedings. Northwestern University law review. vol. 108, n. 4, 2014, p. 1357: ―Once proposed, a reorganization plan can be confirmed in two ways: consensually, if all classes have accepted the plan;11 or nonconsensually, over the dissent of an impaired class if all of the Bankruptcy Code‘s requirements under § 1129(a) have been met, except for § 1129(a)(8)‖.

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ONORATO, Julia L. Betting on the upside: why affirming river road favors distressed debt speculators over the rehabilitation of businesses. Northwestern University Law Review. Vol. 107, n. 4, 2013, p. 1885

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TOWER, King F. "Cramdown" Confirmation of Single-Asset Debtor Reorganization Plans Through Separate Classification of the Deficiency Claim - How In Re U.S. Truck Co. Was Run off the Road. William & Mary Law Review, vol. 36, n. 3, 1995, p. 1180: ―To obtain confirmation of a Chapter 11 reorganization plan, a debtor must meet a number of requirements set out in Code section 1129.8" Subsection 1129(a) establishes the regular method of confirmation, and subsection 1129(b) creates the "cramdown" alternative."1 The distinction between the two methods is that under section 1129(a)(8) each class of claims that is impaired82 under the plan must accept 3 it. 4 Conversely, the cramdown method under section 1129(b) removes this requirement, requiring instead that the plan "does not discriminate unfairly, and is fair and equitable, with respect to each class of claims or interests that is impaired under, and has not accepted, the plan."85 The plan must still meet all of the requirements of the regular method other than section 1129(a)(8) in order to be confirmed by cramdown‖.

de aprovação ou desaprovação do plano de recuperação no direito americano535. Além disso, o plano precisa ser viável (feasible)536 e não poderá permitir que devedores possam agir de má-fé para flexibilizar a classificação concursal quando do recebimento de créditos537.

Assim, o cramdown é um instrumento previsto na legislação norte americana que permite ao juiz forçar uma classe de credores minoritários a seguir a maioria, alcançados os percentuais mínimos para sua concessão538. Discute-se inclusive sobre a possibilidade de imposição pelo juiz via cramdwon da taxa de juros adequada que os devedores devem pagar quando da reorganização via Capítulo 11 e que cujos efeitos valerão tanto para os credores quanto para os devedores em posse (Debtors-In-Possession - DIP)539.

O Cram Down foi introduzido no Brasil pela Lei 11.101/2005 que, no art. 58, §1º, determina que o juiz poderá conceder o processamento da recuperação judicial de um plano de recuperação de empresa mesmo que não tenha obtido a aprovação dos credores. À semelhança do direito americano, no Brasil, o plano de recuperação aprovado via Cram Down não poderá implicar tratamento diferenciado para a classe que o rejeitou (art. 58, §2º, da Lei 11.101/2005).

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TOWER, King F. "Cramdown" Confirmation of Single-Asset Debtor Reorganization Plans Through Separate Classification of the Deficiency Claim - How In Re U.S. Truck Co. Was Run off the Road. William & Mary Law Review, vol. 36, n. 3, 1995, p. 1182, verbis: ―The crux of the controversy over the classification issue is the requirement of section 1129(a)(10) that at least one impaired, non-insider class accept the plan before it can be confirmed. 7 Acceptance of the reorganization plan requires that (1) a majority of the class members and (2) members of the class representing two-thirds of the dollar amount of the class' claims vote to accept the plan.98 Accordingly, a creditor with a large claim relative to the class has greater influence over the outcome of the vote. The undersecured lender in a single-asset case generally will vote against the plan, and, because such a lender likely will have a large claim, its class probably will reject the plan.9 Thus, the debtor, despite the support of the individual holders of the other unsecured claims, is almost certain to fail the section 1129(a)(8) requirement of acceptance by all impaired classes and will be forced to attempt to gain confirmation of the plan through the cramdown method‖

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Id., Ibid., p. 1183: ―The feasibility requirement is also heralded as one of several protections for a creditor facing cramdown, which militates in favor of allowing flexible classification‖.

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Id., Ibid., p. 1187: ―The Code's plain meaning, however, does not resolve the issue of what the classification rules should be. Clearly, a certain balance is necessary. As discussed below,'29 permitting single-asset real estate debtors to classify deficiency claims separately from general unsecured claims is desirable. However, this desirability does not mean that courts should permit debtors to act in bad faith in order to attain the desired flexibility in the classification process. In all likelihood, the first court to address the separate classification issue came the closest to striking the proper balance‖.

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ARAGÃO, Paulo C.; BUMACHAR, Laura; A assembleia geral de credores na lei de recuperação e falências. IN SANTOS, Paulo Penalva. A nova lei de falências e de recuperação de empresas: Lei 11.101/05. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 122.

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WONG, Daniel R. Chapter 11 bankruptcy and cramdowns: adopting a contract rate approach. Northwestern University Law Review. vol. 106, n. 4, 2012, p. 1929

Na verdade, o Cram Down no Brasil antes da reforma que instituiu a quarta classe de credores, diferentemente do previsto nos Estados Unidos, requeria uma quase aprovação do plano. A LRE traz previsão de quatro classes de credores na Lei 11.101/2005, destacando-se a) credores trabalhistas, b) credores com garantia real, c) credores quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral e subordinados e d) credores microempresa e empresa de pequeno porte540. Os credores, reunidos em assembleia geral, decidem pela concessão ou não da recuperação do devedor.

É possível que em uma recuperação judicial não haja todas as classes supracitadas. Por outro lado, a Lei 11.101/2005 na sua redação original não possuía previsão quanto à quarta classe de credores incluída pela recente Lei Complementar N.º 147/2014. Como a referida lei alterou a configuração da assembleia geral de credores, mas não trouxe nenhuma previsão quanto ao cômputo dos votos para fins de Cram Down que permanece com a redação original, que fala em voto favorável de duas classes mais um terço da terceira, caso haja, é possível que surjam dúvidas quando da aplicação do instituto pelo Poder Judiciário se houver as quatro classes em determinado caso.

Em verdade, o Cram Down brasileiro possui uma série de requisitos cumulativos para sua concessão. O primeiro deles (art. 58, §1º, I) refere-se ao voto favorável de mais de 50% (cinquenta por cento) do valor dos créditos presentes em assembleia geral e, nesse caso, independe de classes de credores, porquanto são vistos como uma totalidade. O segundo requisito pode inclusive gerar alguma confusão quando da aplicação do instituto pelo Poder Judiciário, pois a redação não foi alterada com o advento da quarta classe de credores. Assim, o art. 58, §1º, II requer o voto favorável de pelo menos duas classes de credores e a quase aprovação da terceira, mas há lacuna quanto à quarta classe (credor microempresa e empresa de pequeno porte).

Saliente-se que a contagem dos votos se dá nos termos do art. 45 da referida lei. No caso dos credores reais e quirografários, incluindo os com privilégio especial, geral e subordinados (art. 45, II e III), a proposta do plano deverá ser aprovada se atender a dois

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Art. 41. A assembleia-geral será composta pelas seguintes classes de credores: I – titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho; II – titulares de créditos com garantia real; III – titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados. IV - titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte.

requisitos cumulativos, quais sejam, mais da metade do valor total dos créditos presentes em assembleia, assim como a maioria simples dos credores presentes que integram as duas classes supracitadas. Ou seja, considera-se o valor do crédito e o número de credores. A contagem dos votos da classe I e IV (credores trabalhistas e microempresa/empresa de pequeno porte) é diferente, porquanto não importa o valor de crédito, mas o número de credores como requisito para a aprovação do plano, qual seja, maioria simples de credores presentes. Assim, enquanto para as classes I e IV importa só o número de credores, as classes II e III importa, além do número de credores, o valor do crédito.

Assim, caso adote-se uma interpretação ao pé da letra do texto legal, a aprovação do plano de recuperação da empresa com base no Cram Down ficou mais fácil, porque antes, como só havia três classes de credores, era necessário voto favorável de duas classes, e mais um terço de votos da terceira classe. Agora, ou se faz uma interpretação sistemática para afirmar que o ponto substancial do Cram Down no direito brasileiro é a quase aprovação total pelas diversas classes, impondo-o à minoria dissidente, ou então será possível um Cram Down com voto favorável de duas das quatro classes, mais um terço da terceira. Sob a perspectiva da preservação da empresa, não há dúvidas que a não inclusão da quarta classe para fins de concessão do Cram Down facilita a concessão da reestruturação da empresa, mas provoca insegurança jurídica.

A questão, se analisada sob a ótica do creditor oriented, certamente seria necessário o voto favorável de três classes, mais um terço de votos da quarta classe de credores. Por outro lado, se analisada sob a ótica debtor oriented, basta o voto favorável de duas classes, mais um terço de votos da terceira para o Cram Down ser concedido. Ocorre que a referida lei 11.101/05, dada sua complexidade, não pode ser classificada como creditor oriented / debtor

oriented, de modo que não se pode afirmar, sob pena de incorrer em ideologismo, que a

preservação da empresa ou a satisfação dos credores deva prevalecer. A solução mais viável é crer que o legislador, por opção e não mero descuido, não alterou o quórum do Cram Down e de modo que permanece o quórum original para fins de concessão da recuperação através do referido instrumento. A interpretação mais adequada à Constituição, ao princípio da preservação da empresa e à segurança jurídica é a que mantém a contagem de votos como no texto anterior a reforma, ou seja, duas classes mais um terço da terceira, se houver.

Assim, em atenção ao princípio da preservação da empresa, preenchidos os requisitos legais do art. 58, §1º, I, II e III, é dever do juiz conceder a recuperação com base no instituto

Cram Down e a contagem de votos deverá seguir o texto legal, qual seja, a aprovação de duas

classes mais um terço da terceira, mesmo que haja as quatro classes no caso em concreto, pois esta foi a opção do legislador. O único controle que o juiz poderá exercer para fins da não concessão diz respeito à legalidade, porquanto não poderá aprovar um plano de recuperação que viole a lei como, por exemplo, conceda tratamento privilegiado ao credor que votou a favor da aprovação. O próximo ponto avaliará algumas tendências e questões controvertidas do direito concursal.

4.3 TENDÊNCIAS ATUAIS DO DIREITO CONCURSAL