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2.5 O ESTADO SOCIAL DE DIREITO E OS DIREITOS DE SEGUNDA

2.5.2 Os direitos fundamentais de segunda dimensão

A consequência da intervenção do Estado no domínio social traduziu-se de modo significativo em uma nova categoria de direitos de prestações positivas, cuja titularidade não pertence somente ao indivíduo isolado, mas ao meio social concreto, funcionando como tentativa promoção da igualdade material, ao menos em oportunidades, aos seus semelhantes272. Diante do forte apelo no qual estão envoltos e da necessidade de grandes aportes financeiros, os direitos sociais situaram-se historicamente em um plano jurídico meramente programático, de modo que as medidas judiciais para efetivá-los como direitos públicos subjetivos são criações recentes273. É praticamente impossível compatibilizar a dignidade da pessoa humana com fome, desnutrição, analfabetismo e outras anomalias presentes na sociedade274. No entanto, salvo casos excepcionais, é comum a posição majoritária dos tribunais no sentido de negar direitos fundamentais, especialmente aqueles afeitos à

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SHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 73

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HORTA, José Luiz Borges. História do Estado de Direito. São Paulo: Alameda, 2010, p. 155-157

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Id., ibid., p. 159

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BONIFÁCIO, Artur Cortez. O Direito Constitucional Internacional e a proteção dos direitos fundamentais. São Paulo: Método, 2008, p. 293

segunda dimensão e que exigem uma postura prestacionista por parte do poder estatal275. O principal argumento usado para negar o dever estatal é a reserva do possível.

Cabe lembrar da celeuma no que concerne à forma genérica dos direitos sociais, porquanto são expandidos como direitos econômicos, sociais e culturais. Assim, há quem fale em direitos do homem produtor (direito ao trabalho e similares) e direitos do homem consumidor (engloba saúde, seguridade, educação, assistência etc). Para Bobbio, há uma tríplice leitura dos direitos sociais para englobar instrução, saúde e trabalho276. Nesse contexto, o princípio da preservação da empresa encontra-se umbilicalmente ligado aos direitos sociais, sobretudo por encontrar fundamento no princípio da função social da empresa, porque o exercício da empresa é uma das formas de promover a instrução, a saúde e o trabalho.

Há quem apresente ainda, de forma de forma desaconselhável, um catálogo mais extenso de direitos sociais, como se tais direitos não demandassem grandes custos, dentre eles, ―trabalho, seguridade, previdência, saúde, assistência, educação, cultura, lazer, segurança, transporte e habitação‖, além de outros autores que somam ainda àqueles o desporto e o turismo. Olvida-se que, desse modo, acaba-se por esvaziar os direitos prestacionais que deveriam resumir-se tão somente ao mínimo existencial (saúde, educação e segurança), porquanto o Estado não possui aportes suficientes para garantir a gama de direitos prestacionais e acaba por inadimplir os mais urgentes e reduzir os direitos prestacionais a normas programáticas, como ocorre com a saúde e a educação públicas que, no Brasil, são de péssima qualidade277.

Com a expansão dos direitos sociais, torna-se quase impossível determinar o que faz parte do mínimo existencial sob uma perspectiva constitucional278. No entanto, a maioria dos países demonstra que o mínimo existencial absoluto deve ser fixado em patamares baixos ou será reduzido a meras normas programáticas279. Por um lado, o mínimo existencial apresenta uma dimensão negativa contra eventuais intervenções do Estado e, doutro flanco, uma dimensão positiva para obrigar o Estado a fazer ou prestar algo para garantir a vida e a

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BONIFÁCIO, Artur Cortez. O Direito Constitucional Internacional e a proteção dos direitos fundamentais. São Paulo: Método, 2008, p. 293

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Norberto Bobbio, apud HORTA, José Luiz Borges. História do Estado de Direito. São Paulo: Alameda, 2010, p. 160

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HORTA, José Luiz Borges. História do Estado de Direito. São Paulo: Alameda, 2010, p. 160

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ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 427

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dignidade humana como verdadeiros alicerces dos direitos sociais280. Sob a perspectiva da função social da empresa, o tratamento constitucional diferenciado para as microempresas e empresas de pequeno porte é exemplo de como o Estado intervém no mercado para estimular a livre concorrência e a liberdade de iniciativa. A LRE enaltece esse tratamento diferenciado em pelo menos duas situações, quais sejam, colocando-as como classe de credores com direito a voto na assembleia geral e permitindo a apresentação de plano de recuperação diferenciado, no qual os requisitos para o deferimento do processamento são mínimos em comparação com o plano de recuperação de empresas que não se enquadrem como microempresas e empresas de pequeno porte.

Por outro lado, não há que se confundir o princípio da função social da empresa com ideias referentes ao comunismo ou ao socialismo que, ainda hoje, possuem poder de galvanização semelhante ao do século passado. Embora se apresentem sob uma pretensa roupagem científica, o fundo tanto do comunismo quanto do socialismo é eminentemente ―religioso‖. A avidez deles por transformações sociais mediante o desrespeito à propriedade privada e a estatização dos meios de produção para fins de reconciliação da humanidade adota pressupostos teológico-políticos que, na prática, desestimulam a produção de riqueza e a atividade empresarial281. Um modo de socialismo no qual a sociedade seja constituída, não é questão fácil de ser colocada em prática, embora não se olvide que o rápido crescimento das sociedades capitalistas acarretou desequilíbrios ecológicos, alienação e aumento significativo das relações internacionais282. O discurso socialista pode ser visto inclusive na Lei de Recuperação de Empresas, ao impedir que a empresa pública e a sociedade de economia mista submetam-se à falência, independente de exercerem atividade empresarial aos moldes do art. 173 da Constituição (atividade econômica em sentido estrito) ou art. 175 (prestação de serviços públicos). Ora, nas hipóteses em que o Estado exerce atividade típica do particular, sujeitando- se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, qual o fundamento senão o ideológico para a não submissão das espécies à falência ou à recuperação judicial?

Em verdade, há uma espécie de vigilância lógico-conceitual invocada para forjar discursos com viés de cientificidade que, em verdade, distanciam-se dessa pretensão porquanto adotam significados extraconceituais e funcionam como ideologia no âmbito da ciência. Isso se

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SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10 ed. – Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 320

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ROSENFIELD, Denis Lerrer. Justiça, democracia e capitalismo. Rio de Janeiro. Elsevier, 2010, p. 5

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HABERMAS, Jürgen. Problemas de legitimación en el capitalismo tardío. Madrid: Cátedra, 1999, p. 80 e 231.

denomina senso comum teórico dos juristas, conjunto de crenças legitimadas pela voz ―off‖ do direito, que cria conceitos vagos separados da teoria em uma espécie de dicotomia entre teoria e prática responsável por divulgar opiniões vagas e contraditórias sem nenhuma cientificidade283. Nesse contexto, a dignidade da pessoa humana passou a ser, juntamente com o mínimo existencial, uma espécie de ―abracadabra jurídico‖ 284

. É verdade que isso não significa a perda da força normativa, porquanto ambos permanecem como critérios materiais cogentes a serem considerados no caso em concreto285. No entanto, nada justifica usar um suposto ―interesse público‖ como argumento, uma espécie de ―abracadabra jurídico‖, para que o Estado, exercendo atividade empresarial ineficiente e sob o regime da livre concorrência, não se submeta à Lei de Recuperação de Empresas.

2.5 O ESTADO DEMOCRÁTIDO DE DIREITO E A TERCEIRA DIMENSÃO DE