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A crença religiosa em pacientes portadores de câncer hospitalizados na ala dos cuidados

CAPÍTULO V – O ENFRENTAMENTO RELIGIOSO EM SITUAÇÕES LIMITE

5.4 A crença religiosa em pacientes portadores de câncer hospitalizados na ala dos cuidados

A percepção dos idosos sob cuidados paliativos revelou, de forma pontual, sentidos referentes à religiosidade subjetiva, emergidos a partir da escuta das vozes dos idosos: o primeiro foi a crença em Deus e o segundo a crença na pós-morte. A crença em Deus foi lembrada, na experiência dos idosos como um fenômeno fundamental para o contato mais profundo com a transcendência e, na pós-morte, a necessidade de continuação da vida, evitando o fim. Os relatos confirmam a necessidade que os idosos tinham de recorrer a Deus a todo instante, para lidar com situações difíceis. Ao analisar o grupo, percebeu-se que freqüentemente manifestavam sua crença em Deus e nos seus poderes. Referências a um Pai, Todo-poderoso foram vistas no depoimento de todos os idosos. Notou-se que alguns demonstravam uma forte relação afetiva com Deus. E que, além de vê-lo sob o poder paterno, delegavam a Ele, poder e superioridade. A crença em Deus dava-lhes alento e fazia-lhes companhia, de modo que não se sentiam sozinhos. Essa impressão passava conforto e tranqüilidade necessários aos idosos nesse momento.

Apesar da angústia e incerteza, as expressões denotavam gratidão a Deus. Tudo o que fosse obra divina já estava agradecido por antecipação. A devoção que apresentavam em sua religiosidade era intensa. Realmente entregavam a vida ao divino. Pôde-se perceber aqui uma característica cultural dos idosos brasileiros, que é a crença no transcendente. É importante lembrar que, assim como o Sr. Joaquim era o que mais demonstrava devoção a Deus, o Sr. Felipe era o mais contido. Apesar da nacionalidade portuguesa, e de estar no Brasil desde os dezesseis anos, Sr. Felipe se diferenciava dos demais colaboradores por não apresentar uma intensa devoção religiosa.

Os sentidos organizados aqui sugerem uma ampliação do contexto de estudo e da compreensão do fenômeno religioso, pois remetem aos aspectos de mobilização do ser humano diante de situações de dor e sofrimento. Muitos idosos recorriam a Deus como a única solução para os seus problemas. Cura para a sua saúde já não existia mais, então, “só Deus existe”. Por acreditar n’Ele, mantinham-se fiéis quanto aos propósitos internos. Reforçavam sua fé, sua crença, certos da companhia divina. A investigação do transcendente,

dentro da religiosidade, mostrou-se fundamental em suas vidas, pois promoveu suporte, esperança, auxílio no lidar com a enfermidade e com a expectativa da finitude.

Cinco, dos idosos entrevistados manifestaram a crença na vida após a morte. Caso não existisse essa crença, realmente, o que viria depois, significaria uma constelação de perdas. Kastenbaum e Aisenberg (1983) entendem esse medo como o de serem abandonados por Deus, pai-do-céu. Portanto, o idoso precisava crer na existência divina e na vida após a morte, no sentido de que a morte não é o fim de tudo. Essa crença pode ter tanto características positivas quanto negativas. Para alguns colaboradores, significava o fim de uma luta (pela saúde nos cuidados paliativos). Na percepção de outros, acentuava-se a busca pela crença em dogmas religiosos, ou seja, a crença em um paraíso tranqüilo e calmo. Para outros colaboradores, significava o fim do sofrimento físico e emocional. E por último, a vida como vivência angustiante da morte, em seu mais alto grau, ficaria para trás, enquanto Deus levava o indivíduo para o paraíso, promovendo alívio e conforto. Apesar de não ser abordado nesse quadro, adiante apresentar-se-ão os medos relacionados ao julgamento e à retaliação.

5.5 Enfrentamento religioso em idosos hospitalizados

Em diversos momentos da investigação houve a manifestação da religiosidade por parte dos idosos. Focalizando-se em suas falas, percebem-se aspectos intrínsecos e extrínsecos advindos do universo do fenômeno religioso. No caso dos colaboradores da pesquisa, surpreende o modo como aos poucos lembravam de experiências que, ao serem relatadas, incluiam sempre uma verbalização de cunho religioso. Daí o interesse em clarear o fenômeno para poder captar os sentidos nele existente (AMATUZZI, 2001). O papel da religiosidade foi adotado pelos idosos como um possível recurso de superação para as adversidades ocasionadas no contexto em que se encontravam. A voz dos idosos captada e apresentada nesse eixo temático dialogou com os estudos de Pargament (1997) sobre a teoria de enfrentamento religioso, no qual se concentrou todo o cerne do estudo.

A relação entre religiosidade e saúde ficou demonstrada nos relatos dos colaboradores, quando remetiam ao transcendente a súplica pelo seu restabelecimento. Em consonância com os estudos de Pargament (1990), os indivíduos muitas vezes recorriam à sua espiritualidade em busca de recurso cognitivo, emocional e comportamental para enfrentar problemas de saúde. No que se refere ao câncer, sem perspectiva de cura, pode-se supor que seja mais freqüente a sua recorrência que em outras enfermidades, ocasionado pela tentativa de fuga da perspectiva de finitude. Diante da percepção do controle (PAIVA, 1998), também se reforça a

relação saúde-religiosidade, promovida pela esperança de que o transcendente os livraria da enfermidade.

A relevância da religiosidade no processo de enfrentamento ficou evidenciada quando os idosos demonstravam em seus depoimentos a comparação entre as hospitalizações, preocupados com o tipo de tratamento que recebiam. Isso demonstra a busca por estratégias focalizadas no problema coerente com a teoria de Lazarus e Folkman (1984). Com o passar do tempo e a certeza de que não seriam curados, intensificava-se a busca pela figura divina como um potencial pacificador. Quando indagados sobre o papel de Deus na sua vida, todos os idosos remetiam-se ao auxílio, proteção, guia, força, providência, relacionados à busca de uma estratégia focalizada na emoção (LAZARUS; FOLKMAN, 1984). A associação positiva entre a busca de práticas religiosas e enfrentamento focalizado na emoção sugere o uso de modalidades de enfrentamento religioso, configurando-se modos adaptativos de lidar com eventos estressores, coerentemente com a teoria de Lazarus e Folkman (1984). Somente um dos colaboradores, Sr. Felipe, concentrou-se nas estratégias focalizadas no problema, por manifestar extrema preocupação com sua saúde. Temeu problemas de memória, raciocínio e déficit cognitivo. Sua estratégia foi adotar um caderno onde ele mesmo elaborava contas matemáticas imensas, solucionando-as e tirando a prova. O idoso acreditava que, dessa forma, não teria problema cognitivo algum.

Com relação ao transcendente, todos os colaboradores se manifestaram diretamente em forma de súplica ou agradecimento. O envelhecer, a busca de sentido espiritual para a vida, a enfermidade e a necessidade de comunhão com Deus em momentos de vivência de finitude, podem justificar essa ligação. Buscavam estabelecer uma ponte entre Deus e a terra, na tentativa de receber auxílio diante das exigências aversivas. Percebeu-se, com isso, que reconheciam em Deus um mediador para os momentos de dificuldade, em conformidade com Pargament (1997), pois, segundo ele, o Sagrado dava sentido à vida e concedia ao indivíduo uma nova configuração da existência. Encontrando-se em situação limite, os idosos imaginavam que sua religiosidade, personificada na figura de Deus, poderia salvá-los de alguma forma. Manifestavam a busca por auxílio, controle, proteção, permissão, licença e respostas para o momento. Segundo Koenig; Pargament; Nielsen (1998), o enfrentamento religioso pode realmente desenvolver mecanismos que intervenham no auxílio, e nas adaptações necessárias para lidar com as dificuldades da vida e situações que envolveram problemas de saúde. Observou-se que os idosos acreditavam que somente Deus poderia dar uma solução para o seu problema. O fato é que em seus relatos sobre o auxílo da religiosidade, somente uma colaboradora referiu-se ao pessoal da Igreja como uma força

nesse momento. Ligavam para se informar sobre sua saúde, oravam e davam força. Ninguém se referiu à Igreja como suporte. Talvez acreditassem, sem desfazer do apoio dos membros da Igreja, que o único a realizar algo por eles, nesse momento era Deus, então concentrariam todos os pensamentos na figura divina. Possivelmente impregnados pela idéia de um Deus paternal, os idosos recorriam a Ele atrás de suporte emocional e sentido.

As crenças e as práticas religiosas podem guiar o indivíduo a um processo de escolha de soluções para os problemas, de modo que a religião forneça apoio emocional ao longo do processo de resolução de problemas (PARGAMENT, 1988). Referência de uma entrega pessoal a Deus apareceu em diversos momentos das entrevistas. De um modo geral, lutavam pelo restabelecimento da saúde, com o devido conhecimento da expectativa da finitude, reforçando os comportamentos. Usavam sua confiança em Deus para justificar sua submissão. Não possuíam outros recursos. Em suas crenças, entendiam que Deus pai-todo poderoso faria o que fosse melhor para eles. Questiona-se se essa entrega era fruto da crença na onipotência divina ou da baixa auto-estima que vivenciavam claramente. Os idosos se colocavam insignificantes diante de Deus, de modo que se mantivessem submissos aos seus poderes. Em conformidade com Pargament (1997), os idosos significavam sua vida com o sagrado, já que o foco era a direção, apoio e esperança. Siegel (2002) observa benefícios associados às práticas religiosas e espirituais a partir da intimidade com Deus. Soluções cognitivas e práticas religiosas também foram recorrentes no discurso dos idosos. Indicadores de satisfação religiosa manifestada pelo rezar, foram demonstrados pelos idosos da pesquisa. Usavam desse meio para transmitir suas súplicas ou agradecimentos a Deus. Indícios de satisfação religiosa foram indicados por Pargament et al., (2001). Para ele, rezar é uma íntima comunicação com Deus, usado pela maioria das tradições.

No que concerne ao enfrentamento religioso, observou-se seu uso freqüente por todos os colaboradores, coerentemente com os estudos de Koenig, Pargament e Nielsen (1998), os quais mostraram padrões positivos e negativos indicadores de modos adaptativos para lidar com o problema. Nessa investigação, observou-se que os idosos recorriam a modalidades de resolução de problemas como padrões de reação, em busca do enfrentamento religioso, relativos a uma variedade de situações aversivas que vivenciavam (PARGAMENT, 1988). A modalidade de enfrentamento delegante foi utilizada por todo o grupo para lidar com a fragilidade física, manifestada principalmente pela dor, pelo abalo emocional e pela expectativa da finitude. Dessa forma atribuía-se a Deus a responsabilidade por solucionar esses e outros problemas. Ao invés de buscar ativamente a solução por si mesma, esperavam

que a solução surgisse pelos esforços ativos divinos. Reed (1987), em seus estudos, percebeu como o ER tem sido utilizado por pessoas doentes ou próximas da morte.

Pargament (1988) atribuiu às modalidades delegante e colaborativa uma maior utilidade para enfrentar situações como doenças, acidentes ou morte, eventos que estão além de seus controles ou que severamente testam suas fontes de enfrentamento. Confrontando-se com Paiva (1998) e a teoria da entrega, imagina-se que o idoso sob cuidados paliativos em sua manifestação da religiosidade só poderia solicitar recursos ligados à modalidade do tipo delegante, pois seu processo envolve a luta e a desistência pela causa da enfermidade. Como forma de lidar com o agente estressor, pôde-se verificar que todos os colaboradores que fizeram uso mais freqüente de ER positivo, também utilizaram mais a estratégia focalizada na emoção. Esses resultados já eram esperados pois, conforme Pargament (1998), o ER positivo está associado ao crescimento psicológico decorrente de uma situação estressora. O ER negativo só foi visto no depoimento de uma colaboradora, D. Mariana, quando relatou que “todos queriam ser curados, mas às vezes não é a vontade d’Ele”. Esse tipo de ER associa-se a sintomas de depressão (PARGAMENT, 1998).

Nos idosos da pesquisa, verificou-se alto nível de depressão, baixa competência por parte dos colaboradores e nível de bem-estar espiritual alto, caracteríticas de modalidade delegante. Segundo Phillips et al., (2004) as religiões que os idosos professam não se mostram um empecilho para o uso do ER. Ao contrário disso, Pargament (1988) adianta essa afirmativa, quando relata que expressões religiosas ligadas aos colaboradores pertenciam a religiões que favoreciam o uso do ER. Essa modalidade relaciona-se ao modo como o indivíduo percebe o alto controle de Deus. Entretanto, não há como citar esse controle sem lembrar que o indivíduo é participante ativo desse processo. Ou seja, ele solicita a força divina se submetendo à vontade ou à ira. Neste caso, o idoso trabalha para isso (PARGAMENT; HAHN, 1986 apud PARGAMENT, 1988). Comparando-se os depoimentos dos homens e mulheres, percebeu-se que os homens tendem a adotar comportamentos de controle em relação à doença e aos seus pedidos ao transcendente, enquanto as mulheres entregavam-se ao poder e controle divino, o que foi verificado por Paiva (1998).

A modalidade colaborativa também foi encontrada na verbalização de dois colaboradores. No entanto, não foi exclusivamente colaborativa, pois apresentaram outras verbalizações combinadas. Pargament (1988, p. 10) já havia verificado que as “pessoas acostumadas a usar uma técnica colaborativa de resolução de problemas em uma situação, também são capazes de usar a técnica passiva naquela ou em outras situações”. A modalidade colaborativa apareceu devido à divisão de tarefas para a solução de um problema, no caso, a

melhora da saúde e o zelo. No uso dessa modalidade, verificou-se o paradigma do controle, ou seja, o idoso não entregou a Deus toda a responsabilidade pela solução de problemas, mas dividiu com Ele. Especificamente em relação à busca por uma estratégia colaborativa, observa-se no Sr. Joaquim, seu sentimento de culpa teve um papel fundamental. Como sentia- se culpado pelo final que estava tendo em sua vida (resultado do abandono da Igreja e de Deus), precisava demonstrar interesse em resgatar as relações com Deus, para que Ele se interessasse em levá-lo. Não se pode afirmar, mas talvez por isso trabalhasse junto a Deus pela sua salvação. Percebia-se que o Sr. Felipe não acreditava totalmente na cura por meio de Deus. Por isso, contava muito com as experiências concretas (sua força de vontade e a capacidade médica) para o restabelecimento da saúde, e intuitiva ou automaticamente atribuía a Deus a sua cura.

A modalidade auto-dirigida não foi verificada pelos colaboradores da pesquisa por vários motivos. Primeiro porque não condiz com a realidade da cultura brasileira, principalmente em relação aos idosos. A tradição religiosa brasileira baseia-se na presença e na reverência a um Deus. Segundo, porque se baseia intrinsecamente na solução que o indivíduo pensa, ao invés de fontes externas, religiosas, para resolver os problemas (PHILLIPS, 2004). Esse tipo de modalidade de ER não cabe na cultura que se processa, na realidade do idoso, como também em relação ao transcendente. Deus é visto como aquele que concede a habilidade e a independência para agir; Deus abandona o indivíduo; dá o sustento, mas não intervém nos gastos, concedendo liberdade e fontes para que as pessoas dirijam suas próprias vidas. Não quer dizer que essa pessoa seja anti-religiosa, mas diante da liberdade de Deus, prefere usá-la a descartá-la. Pessoas que utilizam caracteristicamente a modalidade auto-dirigida tendem a assumir um controle interno, reportando-se dessa forma a melhores resultados. Nos cuidados paliativos essa relação provavelmente não seria possível, principalmente porque a percepção de controle estaria reduzida.

Os colaboradores da pesquisa, idosos com grau de instrução baixo ou analfabetos, apesar da maturidade etária, não possuíam recursos lingüísticos, nem um simbólico elaborado para enfrentar as questões da finitude. Tinham dificuldade em expressar-se e, diversas vezes, comentavam ser desnecessários os seus depoimentos. Ao associar a história de vida à modalidade de enfrentamento delegante, o idoso delega a Deus a responsabilidade pelos seus problemas. Pargament (1988) entende que isso acontece devido à baixa competência representada pela ausência de habilidades específicas, de manejo e compreensão dos recursos disponíveis. E por não se sentirem habilidosos o suficiente, atribuem esse papel a Deus. Segundo Pargament (1988 p. 11), “pessoas com menor competência tendem a preferir um

estilo delegante devido ao apoio externo e à força Divina que recebem”. Verificou-se na pesquisa que alguns idosos manifestavam o desejo de rever suas atividades e projetos de vida, retomando ativamente seu processo criativo. Outros, porém, sentiam-se desencorajados em sair do ambiente hospitalar. Sentiam que a limitação física, o controle medicamentoso e o medo das recaídas ocasionavam uma dúvida ou recuo. Pargament (1988) relata que a competência pode ser inibida ou estimulada pela modalidade de enfrentamento à qual recorre. Em pessoas que utilizam a modalidade delegante, oferece segurança e abrigo da ansiedade em curto prazo, mas pode desenconrajar uma experimentação ativa no mundo e oportunidades de aprendizado.

Contudo, na utilização da modalidade delegante, o auxílio pode atuar positiva ou negativamente, dependendo da forma como a religiosidade se justifica dentro do indivíduo (KOENIG, 1998). Critica-se o idoso que, muitas vezes acomodado, faz uso da modalidade passiva (PARGAMENT, 1988). Pode dificultar o confronto e o manejo de problemas, principalmente se este envolver uma maior competência. De qualquer modo, fazem-se necessários mais estudos na área, no intuito de descobrir qual o caminho religioso pelo qual os idosos andam, ou seja, qual é o mecanismo utilizado pelo idoso ao lidar com o ER (KOENIG; PARGAMENT; NIELSEN, 1998).

5.6 Estágios de finitude vivenciados pelo paciente sob cuidados paliativos

A negação é um dos estágios da morte e do morrer descritos por Kübler-Ross (1981), que faz referência aos mecanismos de defesa criados para isolar o contato direto com a morte, de modo a lutar diariamente pela vida. Segundo Kübler-Ross, é uma defesa temporária, sendo logo substituída por uma aceitação parcial. Cabe ressaltar que o colaborador manifestou a atitude de negação relativa à morte, mas não à enfermidade especificamente. Sr. Paulo, o único a descrever esse comportamento de negação, foi o idoso que mais demonstrou temor diante da finitude (como já dito anteriormente). Esse fato acontecia devido à forte culpa que sentia por estar naquelas condições enfermas. Culpava-se pelas escolhas que fez durante a vida e atribuía aos seus pecados o motivo pelos quais Deus não o ajudava. Em sua percepção, acreditava que Deus tinha motivos suficientes para não ajudá-lo. Inconscientemente, quanto mais se culpava, mais acreditava na condenação, por isso o medo da morte. Evitava falar do tema da morte e não aceitava a idéia de que era algo natural, inerente à toda espécie. Sua percepção era de destruição da vida. Lutava contra a morte, adotando sempre posturas rígidas e angustiantes. Cabe ressaltar que, apesar de não aceitar a finitude, e sofrer com a ausência de

melhora física, sua culpa não permitia que questionasse o que se pode chamar de desígnios de Deus.

No depoimento das colaboradoras, emergia a raiva das marcas do câncer refletidas no físico, ao compararem a imagem residual antiga e a atual. Sabe-se que o câncer possui uma forte ligação aversiva com a imagem corporal, e associado ao envelhecimento físico, essa conotação tende a se agravar. Se por um lado a imagem corporal antiga a alimentava, também machucava o fato de desejar e não ser possível ter aquele corpo novamente, vivendo diariamente a frustração. As idosas demonstravam fortes sentimentos de ressentimento, em consonância com os apontamentos de Kübler-Ross (1981), que trata da atitude como um desabafo de mágoa e raiva pelo acometimento da enfermidade e interrompimento prematuro das atividades, discurso verbalizado por D. Mariana. É possível que as idosas não tenham percebido que os maus-tratos do câncer se associaram às características do envelhecimento, reforçando um corpo em decadência.

A maioria dos colaboradores tentaram barganhar com Deus. Um deles, Sr. Felipe, teve consciência de que só estava procurando a ajuda de Deus porque tinha algo errado com ele, talvez, se não precisasse, não solicitaria, em conformidade com o exposto no seu discurso geral. Aqui o paciente “entra em algum tipo de acordo que protele o desfecho inevitável” Kübler-Ross (1981, p. 87). Também se percebeu na barganha, o uso do discurso indireto para o distanciamento do pedido ou do medo de entrar em conflito com o transcendente, ou seja, não ser merecedor da aquisição. Conforme descrito (Apêndice D), no depoimento do Sr. Joaquim, registraram-se vários trechos que evidenciavam o mecanismo da barganha. Diferenças com relação à espiritualidade de cada idoso puderam ser verificadas nesses comportamentos. A culpa vivenciada por alguns idosos inibia a manifestação da sua espiritualidade, enquanto outros se sentiam à vontade junto à presença de Deus, conseguindo se expôr claramente.

A respeito da depressão, apesar de não ter outros registros de depoimentos, esse foi o mecanismo mais percebido em todas as entrevistas. Em momentos variados, os idosos manifestavam a tristeza e o desapontamento como sentimentos de base para as verbalizações. Durante toda a trajetória da pesquisa, somente D. Mariana verbalizou sua aceitação e, mesmo

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