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Crenças de ensinar e aprender uma LE

No documento UM OLHAR SOCIOCULTURAL SOBRE O FEEDBACK (páginas 69-72)

2 O ERRO E O FEEDBACK CORRETIVO ORAL APLICADO AO ENSINO DE

2.3 Os fatores afetivos e a correção

2.3.1 Crenças de ensinar e aprender uma LE

Assim como é complexo ter uma única definição para os erros, o mesmo pode ser aplicado às crenças, pois a investigação sobre as crenças em relação ao ensino-aprendizagem de línguas ganhou espaço nos últimos anos nos estudos de Linguística Aplicada, e o seu conceito inicial vem sendo revisto ao longo do tempo. Autores como Pajares (1992), Woods (2003), Kalaja e Barcelos (2003), entre outros, assinalam a dificuldade em definir claramente o termo devido à existência de uma pluralidade terminológica e conceitual para se referir às crenças no que diz respeito ao ensino-aprendizagem de línguas.

O conceito de crenças não é específico da Linguística Aplicada. É um termo que vem sendo conceituado a partir de diversas óticas, uma vez que também se encontra em outros estudos, como em psicologia cognitiva e educacional, filosofia, sociologia, educação, antropologia, entre outros, que buscam compreender a ação humana (BARCELOS, 2004a). Diferentes autores postularam suas contribuições na tentativa de uma definição para o termo. Entretanto, observamos que cada uma delas traz em sua essência algo novo que deve ser considerado. Além de serem estudadas em diversas áreas, as crenças são nomeadas de maneira distintas na literatura, tais como opiniões, atitudes, valores, julgamentos e ideologias (PAJARES, 1992).

Concordamos com Barcelos (2007), quando ela menciona que o conceito de “crenças é tão antigo quanto a nossa existência, pois desde que o homem começou a pensar, ele passou a acreditar em algo” (BARCELOS, 2007, p. 5). Barcelos (2004a) ainda explica que o interesse pelo estudo das crenças surgiu de uma mudança de visão na língua com enfoque anterior exclusivo no produto, para uma abordagem focada no processo e no contexto.

No exterior, os estudos a respeito das crenças estavam em voga principalmente nas décadas de 60-70, sendo que eles passaram a ter maior destaque nos anos 80. Barcelos (2004a) afirma que o termo crenças sobre aprendizagem de línguas surgiu pela primeira vez nos estudos de aquisição da linguagem em 1985, por meio de um instrumento (BALLI – Beliefs About

Language Learning Inventory) para averiguar as crenças de professores e alunos de maneira

sistemática, instituído por Horwitz no mesmo ano, que foi uma das pioneiras nos estudos sobre crenças. Para Horwitz (1985), o BALLI facilitaria enormemente a aprendizagem de inglês como L2 em sala de aula. Esse instrumento serviu, e ainda serve de base para muitas pesquisas. O BALLI (HORWITZ, 1988) permite a investigação das crenças dentro de cinco categorias: 1) aptidão de LE; 2) dificuldades de aprendizagem; 3) natureza da aprendizagem; 4) aprendizagem e estratégias de comunicação e 5) motivação.

No Brasil, o interesse pelas crenças surgiu por volta da década de 90 (BARCELOS, 2004a), destacando-se os estudos de Leffa (1991) a respeito das concepções de alunos de quinta série sobre a cultura de aprender línguas, de Almeida Filho (1993) e de Barcelos (1995). De uma maneira geral, as crenças eram de natureza fixa, estática, e definidas por uma abordagem normativa (BARCELOS, 2001). Também era comum julgá-las como certas ou erradas, pois “acreditava-se que as crenças eram estruturas mentais, estáveis e fixas, localizadas dentro da mente das pessoas e distintas do conhecimento” (BARCELOS, 2006, p. 18). Atualmente, as crenças são definidas sob uma perspectiva mais situada e conceitual.

Pesquisas recentes (KALAJA; BARCELOS, 2003) apontam para uma nova perspectiva do conceito, caracterizando as crenças como dinâmicas, emergentes, socialmente construídas e situadas contextualmente, experienciais, mediadas, paradoxais e contraditórias, relacionadas à ação de uma maneira indireta e complexa.

As crenças são individuais, mas também sociais, porque não estão em nossas mentes como uma estrutura pronta e fixa, pelo contrário, elas mudam e se desenvolvem a partir do momento em que interagimos e modificamos as nossas experiências. Elas são dinâmicas e contextuais, por se alterarem através de um período de tempo ou até mesmo dentro de alguma situação específica. As crenças são paradoxais por influenciarem amplamente o processo de ensino-aprendizagem, contudo, elas também podem funcionar como um obstáculo para que a

aprendizagem aconteça. Pajares (1992) salienta que o sistema de crenças das pessoas serve como um guia pessoal que auxilia os indivíduos a compreender e a definir o mundo e a eles mesmos.

De acordo com Barcelos (2001), as crenças são “opiniões e ideias que os alunos (e professores) têm a respeito dos processos de ensino-aprendizagem de línguas” (BARCELOS, 2001, p. 73), que guiam a maneira pela qual os humanos agem no mundo. Elas são relacionadas às emoções, às ações e identidades de uma pessoa (ARAGÃO, 2011).

Barcelos (2006) define crenças como

uma forma de pensamento, como construções da realidade, maneiras de ver e perceber o mundo e seus fenômenos, co-construídas em nossas experiências e resultantes de um processo interativo de interpretação e (re) significação. Como tal, crenças são sociais (mas também individuais), dinâmicas, contextuais e paradoxais (BARCELOS, 2006, p. 18).

Além disso, a autora ainda ressalta que as crenças “não são somente um conceito cognitivo. Mas também social, porque nascem de nossas experiências e problemas, de nossa interação com o contexto e da nossa capacidade de refletir e pensar sobre o que nos cerca” (BARCELOS, 2004a, p. 132). Lima (2005, p. 148) vem mostrar que “as crenças influenciam individualmente o modo como tomamos nossas decisões e são mais difíceis de sofrerem mudanças”. Uma das mais importantes características das crenças refere-se a sua influência no comportamento (BARCELOS, 2011). Segundo Pajares (1992), as crenças influenciam a maneira como as pessoas organizam e definem suas tarefas, determinando o comportamento e as ações dos seres humanos, por serem formas de perceber o mundo e serem fortemente aderidas pelas pessoas.

Neste estudo, adotamos a posição de Barcelos (2000, 2001, 2004a, 2004b, 2006, 2011), que define o conceito de crenças inserido em uma perspectiva sociocultural, dado que elas são construídas pelas interações sociais (WOODS, 2003) dos indivíduos ao longo da vida. Woods (2003) destaca ainda que as crenças são estruturadas e interconectadas, não são entidades estáveis dentro de um indivíduo, mas estão situadas em contextos sociais e são formadas através da interação social e, como resultado, evoluem constantemente. Como citamos em um momento anterior, nesse contexto de pesquisa, as crenças são percebidas como um construto dinâmico, variável, estando baseadas na experiência de cada pessoa, já que são o resultado da interação social e estão em constante mudança (BARCELOS, 2000; SILVA, 2007; VYGOTSKY, 1978).

No documento UM OLHAR SOCIOCULTURAL SOBRE O FEEDBACK (páginas 69-72)