• Nenhum resultado encontrado

O crescimento dos grupos de pesquisa sobre a infância e as metodologias utilizadas em debate

2 A INCORPORAÇÃO DA INFÂNCIA PELA PESQUISA EDUCACIONAL NO BRASIL: TENDÊNCIAS E DEBATES

2.4 O BOOM DA SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA NO BRASIL

2.4.2 O crescimento dos grupos de pesquisa sobre a infância e as metodologias utilizadas em debate

O crescimento e a ampliação dos estudos sobre a criança e a infância não se restringem apenas à produção de artigos e coletâneas ou

à produção de dissertações e teses, mas também à organização de grupos de estudos e pesquisas que investigam a infância no Brasil. Isso fica evidente ao verificar o aumento de inscrições junto ao Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq desde 1992 até 2010, somando um total de 165 grupos de pesquisa em Educação.

Esse crescimento e distribuição nas diferentes áreas do conhecimento refletiram na realização do II Seminário de Grupos de Pesquisa sobre Crianças e Infâncias (Grupeci), ocorrido nos dias 8, 9 e 10 de setembro de 2010, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Esse seminário representa outro marco na constituição do campo Educação e Infância, pois, além de reunir 43 grupos de pesquisa sobre criança e infância de diferentes áreas de estudo, como educação, antropologia, sociologia, psicologia e, também, história e geografia, escancarou a urgência da discussão sobre as metodologias de pesquisa com criança.

O Grupeci tem como objetivo central

promover e ampliar o diálogo entre as diferentes áreas de conhecimento que têm como temática os estudos da criança e suas infâncias. É um evento que se caracteriza pela interlocução entre grupos de pesquisa e pela apresentação de trabalhos de forma articulada no interior dos grupos.12 Assim, representa um importante espaço de discussão e socialização dos trabalhos e pesquisas desenvolvidos nas universidades e nos programas de pós-graduação do território nacional.

Ao participar do II Grupeci, foi possível identificar, dos 145 trabalhos apresentados dentro das seções temáticas constituídas de três a quatro grupos de pesquisa, 36 trabalhos com crianças e, dentro dessa quantidade, 12 pesquisas com criança na escola, os quais discutiam, principalmente, algumas questões teórico-metodológicas relacionadas às formas e aos meios para captar a voz, o ponto de vista da criança na pesquisa. Esses trabalhos, em geral, buscaram problematizar alguns aspectos necessários na pesquisa com criança, tais como ampliar o conceito de socialização; apresentar algumas contribuições da sociologia, da história, da filosofia e da psicologia no campo de produção teórica sobre a criança e a infância; mostrar a relação/postura

do pesquisador com os sujeitos da pesquisa; levantar os desafios e as possibilidades do retorno às crianças como etapa da pesquisa; e constatar a utilização da etnografia como a metodologia mais indicada na pesquisa com criança.

Além da presença dos grupos de pesquisa como referência da situação atual do debate sobre a importância da investigação com criança, esse encontro apresentou algumas questões metodológicas sobre o “ouvir” a criança na pesquisa, especialmente ao focar essa temática na conferência de abertura com as professoras Anete Abramowicz e Solange Jobim e Souza, A pesquisa com crianças em infâncias: perspectivas metodológicas.

A seguir são apresentados alguns desses trabalhos exibidos nas seções 5 e 9 do respectivo evento. Os dois trabalhos selecionados foram apresentados pelo grupo de pesquisa Infância, mídia, educação (UERJ) na seção 5, constituído, também, por três outros grupos, a saber: Educação, antropologia, cultura, infância (UFMG); Laboratório de estudos e pesquisa em antropologia da criança (Universidade Federal de São Carlos); e Núcleo infância, comunicação e arte (UFSC).

O primeiro trabalho, Intimidade x estranhamento na pesquisa com crianças, apresentado pela doutoranda Núbia de Oliveira Santos, busca problematizar a experiência de campo na pesquisa com criança, apresentando alguns desafios que circundam o trabalho do pesquisador na construção de um “estranhamento” e um “exercício de intimidade na relação sujeito/objeto”. Esses desafios, segundo a autora, envolvem as questões éticas na pesquisa com criança, pois atualmente existe uma “reflexão acerca do lugar ocupado pelo pesquisador, a sua posição de assimetria e as implicações desta no processo de pesquisa” (SANTOS, 2010).

Nesse sentido, propõe como questões a serem problematizadas na pesquisa com criança os seguintes aspectos metodológicos: distanciamento x proximidade e intimidade x estranhamento, considerando como uma das tarefas do pesquisador conhecer além da superfície imediata, bem como estabelecer familiaridade como forma de apreensão da realidade, permitindo conhecer em sua totalidade como ocorre a organização de determinado grupo. Esse trabalho indica alguns elementos metodológicos relacionados com a importância da postura e da aproximação do pesquisador com os sujeitos da investigação, entretanto outros aspectos teóricos, metodológicos e éticos envolvem essa relação, tais como o tempo para criar as condições objetivas e materiais da pesquisa, a maneira como o vínculo é estabelecido, os procedimentos utilizados para acessar os sujeitos da pesquisa, entre

outros. Esses serão aprofundados na discussão do Capítulo 4 desta dissertação.

A apresentação do segundo trabalho gerou um debate acerca dos desafios e das experiências realizados sobre o retorno dos resultados da pesquisa às crianças: Afinal, como incluí-las nesse processo? As pesquisadoras Nélia Mara R. Macedo e Renata L. B. Flores problematizaram os usos que fazemos do texto de pesquisa após a defesa diante da banca examinadora, afirmando que esse fica voltado a interlocutores adultos, mesmo quando tenha sido realizado com a participação da criança. Diante desse embate, apresentaram algumas reflexões a respeito das seguintes questões: “Por que não buscar interlocução com crianças quando as pesquisas são concluídas? O que as crianças têm a dizer sobre um trabalho realizado com elas e sobre elas, mas escrito e interpretado por um adulto?”.

Procurando meios de cumprir o compromisso ético no reencontro com as crianças, as pesquisadoras optaram por escrever um texto específico para as crianças, sem deixar de abordar questões importantes na pesquisa, como a contextualização do tema, a prática pedagógica do pesquisador, o porquê das opções metodológicas e os principais achados. Organizaram um encontro para compartilhar os achados da pesquisa em que o texto foi apresentado e as crianças puderam manifestar suas considerações e dúvidas. Destaca-se que essa proposta de retorno dos resultados da pesquisa demonstra alguns elementos para pensar a importância de tal procedimento no desenvolvimento de pesquisas com criança na escola, porém esse retorno nas Ciências Humanas e Sociais, em geral, é ainda um tema polêmico e complexo que precisa ser debatido e problematizado, justamente porque o retorno da pesquisa, de certa forma, não ocorre nem na investigação com adultos.

Da seção 9 participaram três grupos: Infância e saber docente, coordenado pela professora Ligia Maria Motta L. L. de Aquino; Núcleo de estudos e pesquisas sobre infância e educação infantil, coordenado por Mônica Correia Baptista; e Implicações pedagógicas da teoria histórico-cultural e grupo de estudos em educação infantil, coordenado por Suely Amaral Mello.

O trabalho intitulado Currículo e práticas pedagógicas atuais no espaço da educação infantil: o processo de construção do sentido da escola para as crianças, apresentado por este último grupo, tinha como objetivo principal “compreender qual o sentido que as crianças pequenas (4-6) atribuem à escola de educação infantil diante das diversas propostas pedagógicas oferecidas a elas”. Esse trabalho busca dar voz e

vez às crianças como fonte de conhecimento, como possibilidade de pensar e modificar as práticas pedagógicas presentes num “currículo sem intencionalidade”, entendendo que o papel da educação “deve ser o de oferecer às crianças e alunos em geral a apropriação da cultura, o processo de humanização, no qual todos pudessem construir e ressignificar as questões que emergem da sociedade”.

Em suma, esse Seminário parece alçar a discussão para um novo patamar ao tentar divulgar e socializar a produção acadêmica, especialmente ao pautar o tema das metodologias de pesquisa nesse campo. Esses trabalhos permitem verificar como os pesquisadores estão utilizando certos procedimentos, estratégias e ferramentas para compreender as representações das crianças e o lugar social que ela ocupa, ampliando o debate sobre os limites e as possibilidades da criança como sujeito na pesquisa educacional, bem como a reflexão sobre a infância na escola. Mas é importante destacar que ainda estamos distantes de conhecer a criança e a infância em toda a sua complexidade. Finalmente, merece destaque a realização de outro evento, o Seminário Internacional Pesquisa e Infância: desafios que as crianças lançam à etnografia, realizado em novembro de 2011 na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, em Portugal.13 Esse seminário tem

como proposta “i) perceber o lugar que as crianças e a infância ocupam nestes estudos e alguns dos paradoxos inerentes ao impacto e tensões que sofrem num espaço-tempo crescentemente globalizado; ii) partilhar e analisar reflexivamente a vivência de dificuldades no nosso próprio fazer etnográfico, em campos disciplinares e contextos de investigação diferentes”.14

Diante dos dados aqui apresentados é possível constatar o crescimento e a ampliação da produção, especialmente na Educação, e do debate sobre as pesquisas com criança na escola, o que corrobora com o movimento evidenciado a partir dos anos 2000 no Brasil de um novo campo de estudos em que a infância e a criança passam a ser o foco central da pesquisa educacional.

Esse boom foi especialmente demonstrado nas Reuniões Anuais da ANPEd e no levantamento da produção acadêmica na Capes. Na ANPEd, a partir da seleção dos trabalhos e pôsteres apresentados em 11 edições, foi possível verificar, entre outros aspectos, a presença

13 Este seminário ocorreu entre os dias 3 e 4 de novembro de 2011, em Portugal, na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Porto.

marcante do referencial teórico da chamada Sociologia da Infância, principalmente a partir de autores como Manuel Sarmento, Manuel Pinto e Willian Corsaro. E na Capes, por meio da seleção e da análise das dissertações de mestrado defendidas no período de 1987 a 2010 sobre a pesquisa com criança na escola, foi possível identificar os procedimentos, as técnicas e as estratégias em torno do “ouvir” a criança na escola, bem como as opções teóricas e metodológicas dos pesquisadores, indicando, novamente, a influência na maioria das dissertações de um único referencial teórico, como será apresentado nos capítulos a seguir.

3 A CRIANÇA NA PESQUISA EDUCACIONAL: DA CONDIÇÃO