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2.3 Abordagens sobre Gestão do Conhecimento

2.3.3 Abordagens dos processos da gestão do conhecimento

2.3.3.1 Criação e aquisição de conhecimento

Neste item, procurar-se-á identificar as práticas que facilitam a criação e a aquisição do conhecimento por meio da seguinte seqüência: primeiramente, buscar- se-á apoio na literatura referente à aprendizagem individual e organizacional, mediante os autores Turvani (2001), Kim (1998), Garvin (2000) e DiBelia e Nevis (1999), uma vez que, como destacam Fleury e Oliveira (2001, p.15), “todo conhecimento é fruto de um processo de aprendizagem”. Em seguida, analisar-se-á as práticas sugeridas por Davenport e Prusak (1998), autores proeminentes no campo da gestão do conhecimento. Por fim, identificar-se-ão a visão japonesa sobre a criação do conhecimento, mediante os autores Nonaka e Takeuchi (1997).

Entendem-se por criação de conhecimento as atividades, práticas ou procedimentos empreendidos pela empresa para aumentar seu conhecimento, seja por meio de processos internos ou externos. De acordo com a abordagem da aprendizagem organizacional, um aspecto necessário para que a criação de conhecimento aconteça é a transformação e a explicitação dos modelos mentais individuais dos membros da organização e sua posterior incorporação aos modelos mentais compartilhados da organização. Por modelos mentais, entende-se o conjunto de dados influenciados pela cultura, regras de comportamento e suposições arraigadas que determinam o ponto de vista do sujeito, aquilo que ele considera relevante, que deve ser lembrado e que determina a sua forma de ação (SENGE, 1990).

A estrutura cognitiva dos indivíduos, ou seja, seus modelos mentais, se desenvolvem por meio da sua interação com seus contextos sociais. A ligação do desenvolvimento cognitivo individual com a interação social se faz via funções de comunicação - favorecida pela proximidade espacial e cultural — imitação e comparação, que amam no sentido de encorajar o desenvolvimento de novos padrões de interpretação e referenciais usados pelo indivíduo em relação à realidade. A criação de conhecimento envolve a contínua reformulação ou reestruturação dos modelos cognitivos individuais (TURVANI, 2001).

Para Sartor (2002), é a associação entre ações e pensamentos que dá início à transformação dos modelos mentais, uma vez que eles estão vinculados à

construção de uma nova forma de ver a realidade. Assim, é importante que as organizações empreendam práticas que permitam a seus membros observarem e refletirem sobre sua forma de agir — as suas ações, e sobre a sua forma de pensar — expressa por meio da linguagem.

Isso pode ser obtido via questionamento constante dos modelos existentes, visando trazê-los ao campo consciente e analisar seus pontos fortes e fracos. Modelos mentais não avaliados impedem que a organização inove, pense diferentemente, saia do habitual. Ao serem avaliados, a meta não é o consenso, mas a busca do melhor modelo. Entre os instrumentos que podem ser utilizados para investigar estão a desaceleração do raciocínio buscando entender seu funcionamento, o cuidado para não estabelecer saltos de abstração, ou seja, passar da observação para a generalização sem fazer testes, atenção para o que está sendo pensado, mas não está sendo dito em uma conversação e a busca pelo questionamento recíproco de idéias e opiniões em grupos (SENGE, 1990).

As empresas são contextos específicos nos quais essas reformulações acontecem por meio da interação entre os indivíduos e da geração de modelos mentais compartilhados. As empresas ajudam os indivíduos e grupos em seu desenvolvimento cognitivo, fornecendo estruturas e suporte para a tomada de decisões e para a experimentação e mudança. Nesse sentido, a dimensão interativa do processo de desenvolvimento cognitivo requer canais individuais e sociais de comunicação para coordenar e conectar os indivíduos e seus conhecimentos (TURVANI, 2001).

Corroborando as idéias de Turvani (2001) e incorporando os conceitos de Argyris e Schön (1978) sobre a aprendizagem de ciclo único e ciclo duplo, Kim (1998) entende que uma organização só pode aprender quando os seus membros passam pelo processo de aprendizagem em ciclo duplo, ou seja, quando eles questionam os seus próprios modelos mentais, gerando novas possibilidades de ação no futuro e novos modelos mentais individuais que devem ser, então, incorporados aos modelos mentais compartilhados da organização.

Conforme salienta Kim (1998, p.89),

à medida que os modelos mentais são explicitados e ativamente compartilhados, a base do significado compartilhado em uma organização

se expande, e a capacidade da organização para realizar ações coordenadas eficazes aumenta.

Kim (1998) reconhece que transformar e explicitar modelos mentais não é uma tarefa fácil. Trata-se de lidar com crenças e valores que operam durante toda a história dos indivíduos. Envolve tratar com a cultura organizacional, uma vez que ela influencia a maneira de ver o mundo e de entender como as coisas funcionam.

Entre as práticas ou ferramentas que podem auxiliar as organizações na explicitação e transformação dos modelos mentais individuais, Senge (1990), sugere os arquétipos de sistemas e os micromundos ou laboratórios de aprendizagem. Os arquétipos de sistemas auxiliam os indivíduos a capturar e compreender de forma intuitiva questões complexas e dinâmicas, por meio de uma visão sistêmica da situação. Os micromundos ou laboratórios de aprendizagem permitem a explicitação dos modelos mentais individuais por meio dos processos de experimentação e inquirição ativas.

Garvin (2000) também propõe atividades nas quais as organizações que aprendem são habilidosas, entre elas: a solução de problemas de maneira sistemática, realizando o diagnóstico de problemas por meio de dados científicos e não em estimativas e usando dados como base para o processo decisório; o aprendizado com as próprias experiências, por meio do qual as empresas analisam sistematicamente seus sucessos e fracassos e registram os ensinamentos de forma a torná-los disponíveis para todos os empregados; e o aprendizado com os outros, por meio da observação do que está sendo realizado fora da empresa, por outras empresas ou pelos clientes.

Essa última prática também é salientada por DiBella e Nevis (1999) com o nome de investigação imperativa. Trata-se de um esforço permanente dos membros da organização para efetuarem uma varredura minuciosa do ambiente em busca de informações e conhecimento, Os benefícios trazidos por essa prática são muitos, como, por exemplo, o desenvolvimento de uma postura alerta e consciente por parte dos empregados, a detecção de problemas e oportunidades e a aproximação com o cliente.

Além dessas práticas, as organizações podem identificar outras formas de incentivar e promover a transformação dos modelos mentais de seus empregados, por exemplo, por meio de atividades de treinamentos e desenvolvimento,

participação em congressos. simpósios, rotação de cargos e de áreas, além de facilitar a criação de sistemas e relacionamentos que possibilitem a troca de modelos mentais entre os membros da organização, por meio de centros educacionais próprios, universidades corporativas, espaço e tempo para conversas, intercâmbios intelectuais, troca e disseminação de experiências pessoais, por exemplo.

Davenport e Prusak (1998) também identificam três tipos de comunidades ou grupos de interação que podem ser formados pelas empresas para a criação de conhecimento, sem, entretanto, detalharem como esse conhecimento é gerado no interior desses grupos, como fizeram Nonaka e Takeuchi (1997). Os grupos são denominados recursos dirigidos, fusão e redes. O primeiro refere-se à formação de unidades ou grupos, como as unidades de pesquisa desenvolvimento, por exemplo, com o objetivo específico de criar novos conhecimentos. Por fusão, os autores entendem a reunião de pessoas com perspectivas diferentes para trabalharem em um projeto conjunto, o que requer grande investimento de tempo e dinheiro até que os membros do grupo possam compartilhar seus conhecimentos, linguagem e modelos mentais. As redes referem-se a comunidades de detentores de conhecimentos integrados, por meios eletrônicos ou não, que se ajuntam pelos mesmos interesses e objetivos, e que buscam resolver problemas da organização em conjunto.

Além de desenvolver internamente seu próprio conhecimento, também é possível que a empresa aprenda com o ambiente à sua volta, ou seja, fora das suas próprias fronteiras. Uma forma identificada na literatura de aprendizado por meio de outras empresas é via alianças estratégicas, como joint ventures, por exemplo. Leonard-Barton (1998, p.165) define essas alianças como acordos antecipados e intensivos de intercâmbio de saber, alguns dos quais mal merecem o nome de aliança já que são antes ligações informais entre a fonte de tecnologia e o receptor.

Para Leonard-Barton (1998), as organizações procuram adquirir conhecimento fora quando identificam uma deficiência de aptidão, ou seja, não há know-how técnico disponível ou o que existe não é adequado internamente. A forma de se buscar esse conhecimento é influenciada pela junção de dois fatores: a importância estratégica do conhecimento e a familiaridade da empresa com o mesmo, conforme mostra a Figura 2.

Fonte - Leonard-Barton (1998, p. 171).

Figura 2 - Situações de aquisição externa de conhecimento.

Analisando-se a figura 4, percebe-se que a maior necessidade de aquisição externa de conhecimento encontra-se no quadrante inferior direito, onde o conhecimento é estrategicamente relevante para a empresa, porém há deficiência por parte da organização, ou seja, seu conhecimento é incompleto ou superado (LEONARD-BARTON, 1998). Entre as práticas que as empresas podem adotar para adquirir conhecimento externo, podem-se destacar o rastreamento de tecnologia, o uso de sentinelas tecnológicas, os processos de aquisição e aluguel (LEONARD- BARTON, 1998; DAVENPORT e PRUSAK, 1998). Os parágrafos seguintes tratarão de cada um deles.

O rastreamento de tecnologia refere-se à prática de procurar as novidades que estão aparecendo em todo o mundo e estar a elas atento. Esta prática é bem desenvolvida pelos japoneses, que estão sempre presentes em conferências mundiais e têm o hábito de enviar seus pesquisadores para trabalharem por vários anos no exterior em laboratórios universitários. As sentinelas tecnológicas são indivíduos auto-selecionados que têm a tarefa de se expor às fontes externas de

Familiaridade com a tecnologia dentro

da empresa

Candidatos à

importação P&D internos

Pouco investimento Aquisição externa

Pequena Grande

Grande

conhecimento, triando e disseminando internamente aquele que é relevante para a organização (LEONARD-BARTON, 1998).

Por aquisição, Davenport e Prusak (1998) entendem a compra de indivíduos ou organizações que detenham o conhecimento desejado. No entanto, eles alertam que essa compra encerra alguns desafios para a organização compradora, como, por exemplo, a dificuldade de se localizar e medir o conhecimento comprado e a existência de barreiras culturais e políticas que podem prejudicar a integração do novo conhecimento. A outra forma de conseguir conhecimento externo pela empresa seria via aluguel de uma fonte temporária de conhecimento, por exemplo mediante a contratação de consultores externos ou do financiamento de pesquisas universitárias em troca de prioridade no uso comercial dos resultados. Nesse caso, é preciso uma postura ativa da empresa no sentido de absorver as fontes temporárias, enquanto elas estão disponíveis na empresa. O Quadro 2 mostra o resumo das práticas para criação e aquisição de conhecimento.

 Formação de comunidades de práticas, estudo, debate e socialização.  Uso de metáforas, analogias e protótipos no processo de comunicação.  Investigação imperativa.

 Grupos sistemáticos de solução de problemas.

 Análise sistemática de sucessos e fracassos da organização.  Uso de arquétipos de sistemas e laboratórios de aprendizagem.  Rastreamento de tecnologia.

 Sentinelas tecnológicas.

 Contratação de indivíduos e compra de organizações.  Aluguel de fonte temporária de conhecimento.

Fonte – Elaborado pelo autor.

Quadro 2 - Quadro resumo das práticas para criação e aquisição de conhecimento.