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6 O JABURU É ‘BEM’ AQUI

6.3 ATERRISSANDO NO JABURU

6.3.2 Criação de uma esfera participativa institucional

A criação de esferas participativas no Morro do Jaburu acontece, basicamente, desde as primeiras invasões lideradas pelo “Sargento Carioca”. Porém, em um âmbito institucional, pode-se dizer que a ocorrência se dá por volta de 1962, justamente pelas “mãos” de Armando e seus companheiros já falecidos.

[...] comecei a fundação da Associação de Moradores em 1962. Mas, em

1964, a gente foi preso pelo AI-513. Depois, foram liberando aos poucos e

aqueles que eles não liberaram, até hoje, não se sabe onde “tá”. Mataram... principalmente nossos amigos... (breve choro)... desculpa! Bom, em 1967, tivemos autorização pra continuar. Mas, o estatuto só foi liberado em 1977 (ARMANDO).

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Após esta entrevista, ocorreram os primeiros encontros do curso da Agência de Comunicação do Território do BEM. A aula inaugural foi ministrada por Mário Bonella, âncora da TV Globo (Gazeta) e da Rádio CBN (Vitória).

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Ato Institucional 5: quinto ato de uma sequência de decretos emitidos pelo regime militar brasileiro nos anos que sucedem o Golpe militar de 1964, no Brasil.

Portanto, a partir de então, com o estatuto em vigor, a Associação de Moradores, com sede na própria residência de Armando, dá início às articulações e diálogos com o poder público da época. É válido lembrar que, em anos anteriores a isto, o que se observava era a recorrência de confrontos de ordem física tanto com a polícia, como também com os antigos proprietários da fazenda que antecede o espaço hoje denominado Morro do Jaburu.

Segundo Franco (2000a), a formalização institucional de uma esfera participativa, com características plural e democrática, é base facilitadora e orientadora aos processos de articulação de grupos comunitários, uma vez que a força de persuasão e negociação frente a distintos interlocutores pode resultar em conquistas tanto de caráter material quanto representativo. Para tal, Franco (2000a) indica a efetivação de associações, conselhos, fóruns, órgãos ou agências que sirvam como plenárias de debates e tomadas de decisões.

Cássio, juntamente com um grupo de residentes do Jaburu, funda, por volta de 2003, o Grupo Nação, um movimento de discussões e ações comunitárias, que ocorria de maneira paralela às discussões da até então Associação de Moradores do local. O grupo ganha força e adeptos, o que culmina, em 2007, na criação de uma chapa, que vem a assumir, de forma legítima, a associação em questão.

Membros da comunidade constroem, com o apoio técnico de estudantes de arquitetura da UFES e da instituição Ateliê de Ideias, uma sede para a Associação de Moradores, em área cedida pela Igreja Católica, localizada em um dos pontos centrais do morro.

Porém, diálogos entre moradores de comunidades da chamada Poligonal 1 trouxeram à tona problemas em comum, enfrentados por todos, ao longo das últimas décadas. Surge então, já “em tempos” de Banco BEM, o Fórum BEM MAIOR.

[...] as comunidades tradicionalmente brigavam cada uma pelo seu quintal. E aí, quando a gente chama todo mundo pra conversar, as pessoas percebiam que o problema era o mesmo. A primeira iniciativa coletiva do fórum eu te relato... num período de muita chuva, a Defesa Civil condenou dez moradias do Morro Floreta. Essas casas estavam em um risco iminente de cair. E, essas famílias esperando o Bolsa Moradia que não saía. O

grupo, já reunido ali, juntou-se, fez uma “vaquinha” e mandou confeccionar oito blusas verdes. Escreveram “Fórum BEM MAIOR”. Atrás estavam os nomes das oito comunidades. Sentaram na recepção da Secretaria de

Habitação e falaram: “daqui a gente só sai se a gente for realmente

atendido! Oito comunidades por uma!”. O Valter adora repetir: “eu moro lá em cima, lá em São Benedito. Se melhora o Bairro da Penha, melhora pra mim, eu passo pelo Bairro da Penha!” (DIANA).

Valter, aliás, vem corroborar com a fala de moradores como Nádia e Marta ao pontuar a importância do Fórum Bem MAIOR na vida das 8 comunidades que o constituem.

[...] nosso pilar central é o Fórum BEM MAIOR. Ele nasceu a partir de uma necessidade. Todos nós temos os mesmos problemas! Eles só mudam de endereço. A gente não sabia pra que lado ia. Cada um ia pra um lado. E a gente não chegava a lugar nenhum! E, qual era a coisa mais prática disso tudo? Ao invés da gente ficar cada um pro seu lado, porque não juntar tudo isso e determinar, entre nós, quais seriam as prioridades? E pra fazer isso, a gente precisava de um espaço pra discutir isso tudo. Onde seria um espaço democrático? Onde todo mundo poderia falar e dar sua opinião? Então, a gente criou o Fórum pra isso. É um espaço aberto! (VALTER).

Cássio, autor do nome deste fórum, discorre sobre a importância de um espaço de debate para o Morro do Jaburu:

[...] antes a gente tava aqui no nosso mundinho, no Jaburu. Aí, a partir do momento que começou essa interação com os outros moradores da Poligonal 1, a gente viu que o problema não era só nosso, era de todos! Embora a gente já tivesse um reconhecimento enquanto comunidade do Jaburu, enquanto Grupo Nação e enquanto Associação de Moradores de Jaburu, dentro do FÓRUM a gente ganhou mais visibilidade! Mais força! Porque a gente tem mais pessoas juntas, né? Mais moradores, mais lideranças, mais ideias e... melhores ideias! Eu até costumo falar que é o nosso G8, porque são oito comunidades (CÁSSIO).

As institucionalizações da Associação de Moradores do Bairro do Jaburu e, sobretudo, do Fórum BEM MAIOR demonstram inspirar acentuada confiança e respaldo aos moradores que o frequentam esporádica ou assiduamente. Entretanto, cabe destacar que, com um número flutuante entre 50 e 75 participantes por encontro, provavelmente este seja um contingente ainda pequeno quando se leva em consideração não somente a população do Morro do Jaburu, em torno de 6.000 habitantes, mas, sim de toda a Poligonal 1, com aproximadamente 31.000 residentes. Por outro lado, em relação às ações de ordem prática, os entrevistados apontaram que este número cresce de forma significativa, a exemplo do “Ecos do BEM”.

Cabe lembrar aqui que, de acordo com Castells e Borja (1996), o vigor de um movimento coletivo ganha maiores dimensões quando há um engajamento ativo dos membros de comunidades e municípios. Este processo, que os autores denominam de movimento endógeno, o qual se fortalece, portanto, do interior de algo, se autoalimenta, justamente, das potencialidades locais, das matrizes culturais e das habilidades inovadoras de seus integrantes (CASTELLS; BORJA, 1996).

Ainda, Melo Neto e Froes (2002) entendem que ações institucionais buscam assegurar um suporte técnico que, ao mesmo em que conscientiza um grupo de pessoas motivadas por um interesse comum, acaba também por mobilizar, qualificar e fomentar suas participações, enquanto sujeitos atuantes, na consolidação de uma identidade cultural, construída por meio da própria linguagem comunitária.

Percebeu-se que o empreendedorismo social exercido por um grupo de lideranças comunitárias e moradores desta localidade sofre, todavia, para expandir e conquistar novos adeptos, especialmente para o espaço de debates, na amplitude e velocidade desejadas. Provavelmente, uma participação massiva da coletividade, tanto dos habitantes do Morro do Jaburu, quanto da Poligonal 1 como um todo, esteja, neste aspecto, ainda aquém dos anseios destes atores envolvidos com maior tenacidade e obstinação.