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6 O JABURU É ‘BEM’ AQUI

6.1 ALGUMAS AÇÕES PROMOVIDAS NA E PELA COMUNIDADE

6.1.3 Plano BEM MAIOR do Território do BEM

O Plano BEM MAIOR do Território do BEM, produzido em reuniões do Fórum BEM MAIOR (FBM), é pautado pelas seguintes dimensões: Social, Política, Econômica, Ambiental e Cultural, com mostra abaixo o Quadro 6.

QUADRO 6 – Plano BEM MAIOR do Território do BEM.

DIMENSÕES OBJETIVOS

Social  Buscar a elevação da escolaridade dos moradores(as) do Território do BEM.

 Ampliar o envolvimento e participação das Comunidades no Fórum BEM

MAIOR.

 Apoiar iniciativas que promovam a Cultura de Paz.

Política  Ampliar e fortalecer parcerias.

 Formar lideranças.

 Assegurar a participação do Fórum BEM MAIOR nos espaços de articulação

política.

Econômica  Articular iniciativas de geração de trabalho e renda.

Ambiental  Fomentar iniciativas de responsabilidade socioambiental, com foco nos resíduos sólidos.

Cultural  Resgatar, compartilhar e divulgar a multiculturalidade e a diversidade do Território do BEM.

Fonte: Fórum Bem MAIOR, 2008.

Para se atingir os objetivos acima mencionados, foram sugeridas iniciativas e atividades que, segundo membros do Fórum, deverão ser cumpridas até o ano de 2018. Dentre elas, destacam-se (FÓRUM BEM MAIOR, 2008):

Social

 Encontro com Conselhos Escolares das Escolas do Território do BEM.

 Mapeamento, apoio e divulgação de programas e projetos que ofereçam atividades complementares a crianças, adolescentes e jovens do Território do BEM.

Política

 Elaboração do projeto de Formação Continuada para as lideranças do Fórum Bem MAIOR, focado em: comunicação, expressão, elaboração de projetos sociais.

 Representatividade do Fórum Bem MAIOR no Conselho Popular de Vitória, Audiências Públicas, Orçamento Participativo, etc.

Econômica

 Valorização e apoio ao consumo de serviços e produtos locais.

 Criação de selos para certificar os produtos no Território do BEM.

Ambiental

 Articulação com Parceiros e Prefeitura para instalação de mais Postos de Entrega Voluntária (PEVs), no Território do BEM.

 Disseminação das atividades do „Ecos do BEM‟ no Território a partir dos princípios dos 4 “R”s (repensar, reduzir, reutilizar e reciclar).

Cultural

 Continuidade e fortalecimento do Projeto Nossa História, Nosso BEM.

 Mapeamento, apoio e divulgação dos grupos e projetos culturais do Território do BEM.

6.1.4 Ecos do BEM

O Ecos do BEM foi um projeto ocorrido dentro da Dimensão Ambiental do Plano BEM MAIOR onde o objetivo central esteve concentrado na redução dos focos de lixo existentes nas comunidades do Território do BEM.

Inicialmente, por meio das chamadas “Caminhadas Ecológicas” procurou-se identificar e divulgar à população quais seriam os „pontos viciados de lixo‟ nas áreas. Em um segundo momento, membros da comunidade solicitaram à Prefeitura Municipal de Vitória os chamados Postos de Entrega Voluntária (PEVs). Os

materiais e resíduos potencialmente recicláveis depositados são encaminhados à AMARIVE, uma associação de catadores, da capital capixaba.

Outra etapa ocorrida dentro do Ecos do BEM, chamada de Mutirão do BEM, movimentou em janeiro de 2011 a imprensa e atraiu voluntários, estudantes, empresas privadas e organizações não governamentais, para erradicação de 8 dos 216 „pontos viciados de lixo‟. O projeto culminou na construção do Parque do BEM, em um dos entroncamentos centrais de becos no alto do Morro do Jaburu, de onde foram retirados cinco „caminhões‟ de lixo e entulhos – um dos maiores depósitos irregulares de lixo até então. O parque se tornou um espaço de convivência e lazer para crianças com brinquedos como gangorras e roda-roda além de mesas, cadeiras e lixeiras fixadas ao solo.

Ao final de 2011, ocorre o concurso “Beco Limpo e em Cores” que premiaria com materiais para reboco, tintas de cores „vivas‟ e pincéis, entre 10 becos participantes do Morro do Jaburu, aquele que possuísse as melhores práticas no manejo do lixo doméstico, na separação do lixo seco e na limpeza de suas vias. O Beco Nestor Pereira da Chacrinha, vencedor da competição, recebeu, portanto, materiais, apoio de uma parte da comunidade e mão de obra de voluntários (alunos de arquitetura da UFES, da Célula EMAU9) para a sua transformação.

No início de 2012, a determinação de que os supermercados de Vitória suspendessem a distribuição de sacolas plásticas no ato da venda, fez com que o descarte e acúmulo de lixo no Jaburu tivessem uma “explosão” imediata, uma vez que grande parcela da população não consegue arcar com os gastos das sacolas ditas ecológicas. As sacolas plásticas tinham grande importância não apenas no acondicionamento do lixo, como também no próprio uso para se carregar as recorrentes compras (muitas vezes realizadas em um supermercado localizado ao “pé” do morro, à Avenida Leitão da Silva), durante a subida das longas e íngremes escadarias que adentram o Jaburu.

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Em diálogos com participantes do Fórum BEM MAIOR, membros da Secretaria do Meio Ambiente de Vitória, ao serem questionados sobre qual orientação deveria ser repassada à população das periferias urbanas a respeito do descarte do lixo dentro deste novo contexto, a resposta foi sucinta: “Não sabemos. Vamos ver...” (nota de campo). De janeiro de 2012, até o fechamento desta dissertação, as devidas orientações não haviam ainda sido efetuadas. Há que se destacar que, atualmente, o Morro do Jaburu, conta com a presença de apenas dois garis para a cobertura de aproximadamente 250.000 m², distribuídos em terreno altamente acidentado (nota de campo).

6.2 Sobrevoando o Jaburu

Para se compreender as ações promovidas por moradores do Morro do Jaburu, e até mesmo de outras comunidades do Território do BEM, é válido lembrar que o empreendedorismo social não é uma profissão regulamentada, nem tampouco um cargo institucional com funções explicitamente delimitadas onde tal indivíduo possui exatas características e vocações que o classificam como tal (ELKINGTON; HARTIGAN, 2008). Existe, sim, um processo de aprendizagem, trocas, frustrações e conquistas que contribuem de forma subjetiva para a formação destes “tipos”.

E, também, ao considerar aqui o termo „comunidade‟, naturalmente que não se refere a um ente único, que age precisamente deste ou daquele modo. Uma comunidade, como é de conhecimento geral, é composta por um conjunto de indivíduos de comportamentos, personalidades e atitudes comumente heterogêneas.

Não é novidade para muitos que a área estudada, assim como outras comunidades que compõem a chamada Poligonal 1, enfrenta problemas oriundos da violência (OLIVEIRA et al., 2005), sobretudo, em função de atividades ilícitas ali ocorridas. A pesquisa, entretanto, não teve interesse em exercer quaisquer papéis de delação como tampouco de comprometer entrevistados com questões relacionadas ao assunto. Logo, o recorte feito destina-se especificamente aos âmbitos do empreendedorismo social e do desenvolvimento local.

Faz-se, portanto, nesta pesquisa, uma análise, nunca absolutamente imparcial, do universo correspondente ao Morro do Jaburu (e por vezes do Território do BEM) por meio das falas e atitudes de alguns moradores ou pessoas ligadas a estas localidades, levando-se em consideração certos panoramas do passado e, especialmente, do momento presente.

Posto isto, é possível dizer que, de antemão, o que se percebeu foi a existência de um processo de mobilização por uma parcela desta comunidade, representada, em grande parte do tempo, por suas lideranças formais e informais. Além destes sujeitos, é marcante também a presença de alguns moradores que, mesmo sem exercerem funções de „líderes‟, envolvem-se nos movimentos de busca por “melhores condições de vida” para si e para seus pares.

Dowbor (1997) já alertava que qualquer tentativa de desenvolvimento deve partir de ações para se sanar, nem que seja de forma parcial, as necessidades da maioria de uma população. Segundo o autor, estas necessidades, usualmente, estão relacionadas à ampliação dos padrões de qualidade de vida de um determinado grupo de pessoas.

Mais uma vez, vale enfatizar que a expressão “melhores condições de vida” (DOWBOR, 1997) engloba aprimoramentos nas seguintes esferas: habitação e

infraestrutura (condições mínimas de moradia, transporte, etc.); saúde (prevenção,

acesso a tratamentos, diminuição da mortalidade infantil, estado nutricional, longevidade, etc.); educação (escolaridade formal e informal); meio ambiente (saneamento, esgoto, destinação de resíduos, preservação ambiental, utilização racional de recursos naturais, etc.); cultura, lazer e esporte (equipamentos públicos e comunitários em funcionamento); comunicação (acesso à informação); política (engajamento e participação democrática), economia (geração de emprego e renda); segurança (redução dos indicadores das múltiplas formas de violência, etc.).

De uma forma geral, há na fala dos sujeitos entrevistados a percepção da ocorrência de transformações (atribuídas como “positivas”), relacionadas aos temas acima, quando comparados os dias vigentes com “tempos passados”. Este fato se evidencia, sobretudo, nos relatos de pessoas que chegaram ao Morro do Jaburu em

épocas mais remotas, a exemplo de Armando, que se mudou para o Jaburu em 1947, com a intenção de fugir dos alagamentos provocados pelas cheias da maré na parte baixa da cidade de Vitória. À época, o entrevistado disse que aproximadamente apenas 10 casas existiam no maciço.

Era tudo mato! De lá da capitania dos Portos pra cá era tudo fazenda. As partes altas eram dos Monjardins... Coronel Monjardim. Esse interior a gente cortava, capinava, roçava pra poder passar no meio dele. É como se trata na fazenda... caminho de burro. Era tudo trilha. Era trilha, só trilha, não tinha caminho, não tinha nada! Não tinha água, não tinha luz, a gente tinha que buscar água lá embaixo no manguezal. Luz era com querosene [...] Veja bem, eu tive a ideia junto com os meus companheiros que já

faleceram, principalmente o “Sargento Carioca”... eu achei que esse morro

devia ser reflorestado e depois fossem feitas estradas pra servir o povo. Porque subir o morro com feixe de lenha na cabeça, lata de água... não tinha uma rua pra carro nenhum subir... não tinha luz [...] (ARMANDO).

De fato, como já abordado no breve histórico sobre o Morro do Jaburu, a respeito das ocupações iniciadas na década de 1920, se tem uma noção de que a região basicamente resumia-se em área de fazenda do início do século XX, isenta de quaisquer equipamentos públicos ou infraestrutura urbana (OLIVEIRA et al., 2005).

Com extrema semelhança ao relato anterior, o também antigo morador Marcos relembra parte de seu cotidiano passado.

[...] moro aqui desde 1970. Quando cheguei ao ponto de vir para cá, aqui não tinha água, aqui não tinha luz, aqui não tinha escadaria, aqui não tinha coisa nenhuma [...] era muito difícil pra nós, moradores. Pra pegar uma água, muitas vezes as mulheres saíam daqui e iam procurar coração bom de pessoa na Praia do Canto pra conseguir trazer uma lata de água, ou duas, pra servir o pessoal da gente aqui. Muitas vezes, depois de ter trabalhado durante o dia e à noite também, eu chegava cansado aqui em casa, tomava meu banhozinho. Naquela época, tinha que ser água na bacia, mesmo, né? ... e depois ia descansar. Quando dava 3 horas da manhã, tavam me chamando, sabe pra quê? Pra ver se conseguia pegar água lá no Coronel Hélio pra trazer aqui! Então, a gente pegava uma alça, um pau, consertava, botava duas latas, uma de um lado, outra de outro lado pra trazer. Dava três, quatro viagens, até encher esses tonel de 200 litros

pra deixar pra esposa. E, 5 horas da manhã já tinha que ir pra “batalha”...

tinha que ir pro serviço, tá entendendo? A dificuldade desse morro era desse jeito... as coisas vêm mudando, mas não foi também tão depressa, foi mais ou menos controlada. Foi devagar (MARCOS).

De qualquer modo, em países como o Brasil, é também sabido que transformações neste sentido não ocorrem, usualmente, de forma brusca, além de raramente seguir rigoroso planejamento e um preciso cumprimento de metas do poder público

(BUARQUE, 2001). Neste sentido, aos moradores que conheceram o Morro do Jaburu desde as décadas de 1950, 1960 ou 1970, tornam-se muito explícitos os comparativos quanto às mudanças ali ocorridas.

Por outro lado, moradores mais jovens, apontaram também modificações, as quais classificam como “positivas” ou “muito boas”, no Jaburu, ao longo dos últimos 10 ou 20 anos. Todavia, a manifestação de que há muito ainda a se fazer, sobretudo no âmbito estrutural, foi recorrente e enfática, basicamente, na totalidade dos entrevistados.

Com exceção do entrevistado Jairo, o qual manifestou o desejo de se mudar do Jaburu (para “fugir” do ambiente urbano e poder, então, residir no campo) e da entrevistada Nádia (que demonstrou intenção de um dia poder morar próximo às filhas) se observou que, no âmbito do grupo pesquisado, existe um sentimento de pertencimento à localidade.

Eu tenho vontade de continuar morando no Jaburu. O Jaburu cresceu muito ... tem o seus caos, mas é um problema que todo lugar tem. Sabemos que temos que fazer um grande trabalho aqui. Temos que mostrar para as pessoas que isso pode melhorar e muito, mostrar pra esses jovens que eles podem crescer, que eles tem um futuro. Mostrar pras outras comunidades o que precisamos fazer, porque nós já vimos exemplos de outras comunidades que fizeram e se deram muito bem, como a CUFA (Central Única das Favelas), por exemplo, que faz um trabalho muito bom nas comunidades (ARTHUR).

Amparado em Melo Neto e Froes (2002), pôde-se notar que um sentimento de pertencimento aparenta motivar uma parcela da comunidade na amortização de problemáticas de ordens estruturais e até mesmo estéticas, no Jaburu. No período que antecedeu a pesquisa de campo propriamente dita, foi possível perceber em alguns residentes tal fenômeno, durante a etapa final do concurso já mencionado acima de nome “Beco Limpo e em Cores”. As residências receberam, pela primeira vez, suas devidas numerações confeccionadas em mosaicos de ladrilhos coloridos. Algumas senhoras chegavam a mencionar: “Agora sim, esta é minha casa! Este é o meu lugar!” (nota de campo).

Outro ponto a ser realçado, nesta abordagem ainda geral, é a existência de certo embate com o poder público local, principalmente junto à Prefeitura Municipal de

Vitória, frente demandas de curto, médio e longo prazo e o cumprimento (ou não) de propostas de governo. Há, em muitos momentos, um reconhecimento por parte da comunidade de que existem ações e significativos esforços de algumas instâncias governamentais. Em contrapartida, a relação não é constantemente permeada por diálogos brandos e amigáveis entre os lados. Os ânimos podem, e costumam, se acirrar, sobretudo, em plenárias mensais do Fórum BEM MAIOR, promovido pelas oito comunidades do Território do BEM. Esta articulação entre população e poder público será abordada com maior profundidade em momento posterior.