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A dinamicidade no campo da produção cultural de atividades como cinema, artesanato, design de modas e games foi proporcionada por dois fatores decisivos: um deles é a ênfase dada ao valor simbólico desses produtos e o outro é o surgimento de um novo tipo de agente, o empreendedor cultural (BENDASSOLLI et al., 2009; BELTRÁN; MIGUEL, 2014). As estratégias inovadoras do empreendedor cultural se distinguem das ações dos empreendedores clássicos, orientados meramente pela obtenção de ganhos financeiros, uma vez que criam um ambiente receptivo ao reconhecimento simbólico de bens culturais (KLAMER, 2011; BELTRÁN; MIGUEL, 2014).

A linha econômica de pensamento sobre o empreendedorismo, encabeçada por Schumpeter (1952) mostra que o processo de destruição criativa associado à necessidade da efetivação de um conjunto de inovações transformadoras pode mudar os rumos da evolução do capitalismo proporcionando uma maneira diferenciada do esquema estático de produção. É nesse contexto que emerge a figura do empreendedor como sujeito inovador, criador de produtos diferenciados que alteram as demandas de mercado (SCHUMPETER, 1952).

O campo do empreendedorismo clássico revela que a intensificação de investimentos no setor produtivo envolve um conjunto de valores materiais e econômicos voltados para a geração de emprego e renda, do aumento do ciclo de vida de empresas, a conquista de mercados, a redução de custos e a atração de novos investimentos (GARTNER, 1990; VENKATARAMAN, 1997; FILION, 1999; LAWRENCE; PHILLIPS, 2009; AUDRETSCH, 2012). Porém, por ser entendido como um fenômeno multidimensional (SOUSA; PAIVA JÚNIOR; XAVIER FILHO, 2014), o empreendedorismo demanda um olhar plural e multidisciplinar que abrange aspectos subjetivos e simbólicos de uma relação (BANKS et al., 2000; NADIN, 2007; PÉCOUD, 2004; ALMEIDA; GUERRA; OLIVEIRA, 2008; ZEMITE, 2010). Nessa esfera conceitual, o olhar plural e multidisciplinar pode ser reconhecido nas ações que giram em torno da arte e do processo criativo de bens culturais. Tendo isso em vista, o sujeito desse segmento necessita ser polivalente, ou seja, assumir diferentes posições de trabalho. Ele pode atuar no design, na publicidade, na gestão, na produção e no consumo (ELLMEIER, 2003).

O sujeito, que aqui denominamos empreendedor cultural, é conhecido como agente criativo, autônomo, coletivo, sensível às vulnerabilidades sociais e desenvolvedores de estratégias inovadoras, que não fica refém das estruturas, e busca construir sua identidade por

meio de práticas reflexivas oriundas de experiências vividas e proporcionadas por interações pessoais que permitem recomeçar, criar e recriar (PAIVA JÚNIOR et al., 2008; BELTRÁN; MIGUEL, 2014; LE ROUX, 2016).

O empreendedor cultural é capaz de contribuir com o desenvolvimento socioeconômico de sua região a partir da criação de bens simbólicos que reforçam o seu respeito aos códigos e valores culturais de sua comunidade. Esses bens são constituídos por discursos históricos que simbolizam o passado e o presente desse empreendedor. Para tanto, esses artefatos são valorizados porque pode representar uma comunidade étnica, um sentimento e até mesmo um ideal de vida (DAVEL; CORA, 2014).

O empreendedorismo cultural integra novas combinações a respeito das ações do sujeito empreendedor, uma delas compreende o foco no valor simbólico dos bens culturais por se mostrar mais atrativo para o consumidor. Nesse contexto, os fluxos de produção de bens culturais vêm ganhando força porque os consumidores estão, cada vez mais, adquirindo produtos não apenas por suas funcionalidades, mas também pelos seus significados. Isto é, para eles, as mercadorias representam símbolos, cuja compra os posicionam na dinâmica sistêmica das relações sociais (RAVASI; RINDOVA, 2008).

Os consumidores estão procurando valores que comunicam sonhos, sentimentos e desejos. Sob essa perspectiva, o consumo está sendo orientado pelo valor simbólico de bens/artefatos culturais, como o artesanato quilombola da comunidade África Laranjituba, situada em Moju, no Pará (MCCRACKEN, 1988; DU GAY, 1997; RAVASI; RINDOVA, 2008; DU GAY, 2013). Conforme ensinam Ravasi e Rindova (2008):

O valor simbólico de um produto é determinado pelos significados sociais e culturais a ele associados, os quais permitem aos consumidores expressarem a identidade individual e social por meio da compra e uso do produto. O valor simbólico é criado quando uma empresa produz um objeto que carrega um conjunto de significados culturais com quais os consumidores almejam estar associados. Para criar tais objetos ela deve ser capaz de compreender os significados culturais associados a diferentes deles para identificar e selecionar aqueles que os consumidores possam achar atraentes e incorporá-los em um novo objeto (2008, p.14).

O valor simbólico é criado coletivamente por produtores, consumidores e outros atores sociais, sendo um processo de produção cultural que abrange a criação, a disseminação e a assimilação de símbolos na prática social. Símbolos que, por estarem repletos de significados, dão consistência à vida das pessoas e criam um amplo registro de categorias culturais (HIRSCHMAN, 1986; MCCRACKEN, 1988; HATCH, 1993; RAVASI; RINDOVA, 2008). Nessa linha de raciocínio, podemos dizer que o valor simbólico de um bem é constituído quando os códigos vinculados a ele são compartilhados por integrantes de determinada

cultura. Isso permite que tais indivíduos proclamem suas próprias ideologias, façam novas configurações de uso dos objetos e procurem codificar uma vital e incomum mensagem de

status em seus significados (DU GAY, 1997; MCCRACKEN, 2010).

Gil Filho (2012) e Hasbaert (2012) argumentam que é necessário resgatar elementos que compõe o universo simbólico de ambientes onde se vive e trabalha, pois esses espaços deixam de ter uma conotação absoluta pautada na mera localização geográfica para serem palcos de ações empreendedoras demarcados por redes de relações de poder, identificações sociais e ações coletivas (COSTA, 2007; SAQUET, 2009; CARMO, 2010; CLAVAL, 2012).

A produção de artesanato representa um espaço que favorece a criação de valor simbólico em uma produção cultural, sobretudo, por ser caracterizado pela presença de diálogos ativos e constantes entre sujeitos. Essa interlocução é posta em prática no decorrer de um conjunto de ações empreendedoras que se inter-relacionam de maneira dinâmica, contínua e sistêmica (GIL FILHO, 2012; HASBAERT, 2012; CLAVAL, 2012).

O modo como o artesanato é produzido e consumido depende tanto da disposição dos espaços simbólicos, como da forma de atuação do empreendedor nesses ambientes, pois ele é confeccionado por comunidades que constituem um sistema de significação composto por configurações simbólicas oriundas da religião, das artes, das identificações, dos mitos e da linguagem (HAYAKAWA, 1963; DIMAGGIO, 1991; CARMO, 2010; HASBAERT, 2012).

O estudo de Hughes (2012) sobre o artesanato na cidade de Birmingham revelou que esse espaço é reconhecido pela sua tradição histórico-cultural e, consequentemente, pelo seu valor simbólico. Porém, a falta de uma reformulação política e cultural levou a subvalorização desse local, desequilibrando tanto sua relevância simbólica quanto econômica. Isso agravou as condições de vida dos designers de joias dessa região.

Os empreendedores culturais devem trazer consigo possíveis soluções criativas quando atuam em situações adversas, a exemplo dos designers de joias da cidade de

Birmingham. Uma delas seria sua aproximação das agências governamentais na busca por

apoio à produção simbólica de artefatos culturais e a outra seria a construção de parcerias estratégicas que incentivam a organização política das comunidades locais, visando à conquista de sua própria autonomia e emancipação (RINDOVA et al., 2009; KLAMER, 2011).

A criação de valor simbólico em ações empreendedoras focadas na produção de artefatos culturais deve ser permeada por uma visão dinâmica, integrativa e de caráter social emancipador. Além disso, essas ações empreendedoras devem estar fundamentadas em

princípios que valorizam o respeito à cultura, à diversidade, aos saberes locais, à vida e à liberdade.

As reflexões desse estudo a respeito do empreendedorismo cultural estão alinhadas ao campo teórico dos estudos culturais de Stuart Hall (2003). Para tanto, essa abordagem nos possibilita apresentar “caminhos alternativos na produção do conhecimento visando à emancipação humana” (ALMEIDA; GUERRA; PAIVA JÚNIOR, 2010, p. 1). Assim, a necessidade de uma análise com enfoque crítico e reflexivo nos levou a estudar o fenômeno do empreendedorismo cultural por uma lente que nos permite captura uma abordagem mais ampla da realidade.