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O empreendedorismo se apresenta como um fenômeno multifacetado que compreende diferentes tipos de análises vinculadas tanto ao empreendedor, como suas ações práticas e intencionais. Para tanto, algumas abordagens como a econômica, a psicológica, a sociológica e a geográfica são utilizadas para elucidar as nuances desse fenômeno (JULIEN, 2010; WELTER, 2011; GOMES; LIMA; CAPPELLE, 2013).

Na abordagem econômica, o empreendedor é compreendido como a figura central do capitalismo e suas ações estão relacionadas à criação de novos empreendimentos, crescimento da lucratividade de empresas e diversificação de seus mercados. Na abordagem psicológica, o foco se efetua nas dimensões sociais como: educação, formação e família, já que isso determina o comportamento do empreendedor e suas ações inovadoras no cotidiano de suas atividades. Na abordagem sociológica, o empreendedor é visto como o mediador de organizações, ou seja, ele é uma espécie de intercessor que busca se relacionar com outras empresas em prol do próprio crescimento da região. Na abordagem geográfica, o empreendedor depende do grau de dinamismo de cada região para criar o seu próprio negócio (BENDASSOLLI; BORGES-ANDRADE, 2013; JULIEN, 2010).

A discussão com respeito ao empreendedorismo ocorre predominantemente sob uma lógica subordinada pela razão mercantil (BENDASSOLLI; BORGES-ANDRADE, 2013; CASTRO; NUNES, 2014). Mesmo assim, alguns autores como Paiva Júnior et al. (2008), Rindova et al. (2009) e Verduijn et al. (2014) apontam para uma visão alternativa à perspectiva dominante, indicando outras possibilidades, como a do empreendedorismo compreendido a partir de uma concepção crítica e emancipatória.

Na compreensão de uma perspectiva emancipatória acerca do empreendedorismo, Paiva Júnior et al. (2008) trazem a figura do empreendedor humanizado como um sujeito que busca sua emancipação a partir de questionamentos ao pensamento hegemônico. Rindova et

al. (2009) ressaltam a atuação do empreendedor na busca de sua própria autonomia visando a

geração de mudança social em sua vida. Por sua vez, Verduijn et al (2014) destacam que a emancipação representa a luta e o engajamento do empreendedor por um mundo livre e melhor.

O processo emancipatório do empreendedor pode ser mais bem compreendido a partir de uma visão associada ao campo teórico dos Estudos Culturais, que tem como foco de estudo a cultura, a ideologia, a linguagem, a comunicação em massa e o valor simbólico (HALL, 2003).

No contexto dos estudos culturais propostos por Hall (2003), a cultura é entendida como um espaço político permeado por múltiplos interesses em jogo influenciados por posições ideológicas dominantes. Nesse sentido, é necessário averiguar a posição discursiva de artesãos politicamente engajados que procuram participar de rodadas de diálogos com outras classes, visando, com isso, democratizar o espaço da cultura e das ações empreendedoras nesse contexto (HALL, 2003).

A cultura, portanto, representa um espaço onde se cultiva as potencialidades dos indivíduos, suas ações e suas criatividades (KELLNER, 2001). Nessa perspectiva, há um deslocamento do estudo do domínio pouco igualitário da cultura para um olhar que visa à compreensão das concepções mais democráticas da cultura que valorizam a emancipação do indivíduo e as representações culturais (JOHNSON, 2006). Com isso, tentamos argumentar que a teoria da recepção, demarcada a partir da abordagem teórica dos estudos culturais de Stuart Hall, permite problematizar a produção e a recepção do valor simbólico de produtos artesanais, bem como adquirir o entendimento a respeito das articulações discursivas que ocorrem visando à geração das condições para a produção do artesanato quilombola (LOPES, 2000).

Por volta dos anos 70, Hall (2003) desenvolveu a teoria da recepção como abordagem teórica que ajuda a desvelar o papel da mídia de massa manipulada por ideologias dominantes. Com isso, o autor criou um sistema comunicacional que analisa, de maneira crítica e reflexiva, o cenário de uma produção cultural. Nessa perspectiva, a teoria da recepção, a partir do modelo de codificação e decodificação de Hall (2003), possibilita enxergar elementos atribuídos ao processo emancipatório do empreendedor cultural por meios mais explícitos com a intenção de contribuir para um movimento menos intuitivo e mais detalhado de maneira que dê maior visibilidade a esse processo no cotidiano de uma comunidade étnica, como a comunidade quilombola África Laranjituba. Isso contribui para que o empreendedor tenha atitudes mais contestadoras no âmbito de uma produção artesanal.

A partir do arcabouço filosófico dos estudos culturais e dos preceitos teóricos da recepção procuramos realizar reflexões para o entendimento da figura do empreendedor cultural e suas ações. Nesse sentido, contribuímos com o avanço das discussões tanto da temática das ações empreendedoras como do próprio fenômeno do empreendedorismo sob uma perspectiva transdisciplinar e crítica.

a) O empreendedor cultural

Compreendido sob a lente teórica dos estudos de recepção, o empreendedor cultural tem estado vinculado a um conjunto de concepções com respeito à constituição de um sujeito descentrado que atua ativamente e de maneira interativa na produção e recepção de mensagens; além disso, ele busca por novos relacionamentos sociais, identificações e representações. Esse sujeito pode ser visto aqui como prosumer por ser tanto receptor como produtor de sentidos, codifica e decodifica mensagens a partir de mecanismos linguísticos vinculados a sistemas de significações culturais (LACLAU; MOUFFE, 1987; MENDONÇA; RODRIGUES, 2008; GROHMANN, 2009; BARBERO, 2003; FELIX, 2014). Sob essa ótica, o empreendedor cultural representa um sujeito ativo, cuja compreensão está associada ao conceito de homo faber entendido aqui como o “homem que cria” ou o “homem que faz”, ou seja, como um artífice inquieto que representa uma condição humana especial, a do engajamento com seu trabalho, com sua arte e com sua comunidade (SENNETT, 2009).

Na arena social, o empreendedor cultural busca cotidianamente novos tipos de relacionamentos sociais, identificações e representações, pois são formas dele se articular em múltiplos contextos sociais e históricos, visando com isso, ultrapassar aspectos temporais e espaciais de uma relação constituída por produtores e receptores de mensagens. Assim, esse sujeito é entendido como alguém capaz de fazer leituras diversificadas e plurais de códigos que são veiculados em bens simbólicos, como é o caso do artesanato (GROHMANN, 2009).

No campo das significações, o empreendedor cultural utiliza mídias populares, a exemplo do artesanato, que transmitem valores e sentimentos e, além disso, são utilizadas como fonte de construção de significados simbólicos para fortalecer os aspectos culturais regionais, a democratização da comunicação e o desenvolvimento de culturas nacionais. Nessa perspectiva, esse sujeito procura envolver outros atores a partir de interações sociais para que suas necessidades sejam debatidas de maneira democrática e participativa (WHITE, 1998; SCHMIDT, 2011).

A análise do papel do empreendedor cultural no decurso de processos comunicacionais no campo da cultura permite que outras faces desse sujeito sejam reveladas a partir das diferentes posições que ele assume nesse processo. Isso traz lateralidade ao estudo do empreendedorismo porque possibilita enxergá-lo efetivamente como um fenômeno multidimensional (CANCLINI, 2001; ALMEIDA; GUERRA; OLIVEIRA, 2008).

b) Ações empreendedoras no campo da cultura

A necessidade de se falar sobre ações empreendedoras ocorre pelo fato de elas representarem a força que impulsiona o empreendedor cultural a implementar práticas inovadoras de maneira ampla, reflexiva e dialógica. Esse tipo de comportamento corrobora para o fortalecimento de sua imagem, já que suas ações partem do princípio da alteridade e da interatividade. Por esse motivo, o empreendedor cultural exerce um papel decisivo na sua comunidade local (SOUSA; PAIVA JÚNIOR, 2012).

A complexidade acerca da ação empreendedora levou Sousa e Paiva Júnior (2012) a discutirem-na a partir de três dimensões: o estilo criativo, a expertise e a interação social. O estilo criativo está na consciência do empreendedor e isso o permite agir com base na autonomia, na sua disposição pessoal e na convivência com o risco. A expertise permite que o empreendedor tome decisões a partir de suas experiências acumuladas. Já a interação social gira em torno da ação coletiva e compreende determinadas condutas no concernente às relações pessoais. Essas dimensões, conforme figura 1, são interdependentes e estão estruturadas sob o universo cultural, em que o empreendedor tem a capacidade de influenciar, mas, também, pode ser influenciado.

Figura 1 – As dimensões da ação empreendedora

Fonte: Sousa e Paiva Júnior (2012, p.34)

O empreendedor cultural se manifesta em diferentes atividades por meio de ações que apresentam intencionalidade. Esse tipo de prática pode fazer diferença no campo da cultura quando permeada por um nexo de subjetividade, engajamento político, luta pela emancipação e ações experienciais (BERGLUND, 2005; GOMES; LIMA; CAPPELLE, 2013).

O protagonismo do empreendedor cultural aparta-se daquela visão empreendedora atomística vinculada a lógica do individualismo. Dessa forma, esse agente intervém em

diferentes ambientes culturais, mediante interesses comuns aos próprios membros das comunidades, buscando superar as desigualdades socioeconômicas (IULIANELLI, 2003; SOUZA, 2006). Esses ambientes são também conhecidos como mediações culturais, pois se tratam de espaços onde os sentidos são produzidos na cotidianidade (BARBERO, 2003).

O agente cultural dialoga com seus interlocutores a todo o momento nos espaços de produção de valor simbólico, visando maior integração do processo de produção de artefatos culturais, a exemplo do artesanato. Nesse sentido, constantes negociações são efetivadas para se atender às expectativas daqueles que codificam e decodificam os discursos significativos desse tipo de bem simbólico (HALL, 2003).

Ações empreendedoras no campo da cultura podem colaborar para que o consumidor tenha alguma experiência ao envolver-se com os significados de determinados artefatos artesanais carregados de símbolos, ou códigos que representam vias de acesso a uma cultura e a uma experiência cultural. Essa interatividade agrega fluidez ao processo de comunicação que ocorre entre o produtor e o consumidor de artefatos artesanais (HALL, 2003; YÚDICE, 2008; LOPES, 2009).

A possibilidade de se acessar determinada cultura, a exemplo da quilombola, a partir de experiências estimuladas por ações empreendedoras, traz à tona as subjetividades que perpassam os processos comunicacionais intrínsecos à produção de bens culturais. Nessa expectativa, os consumidores se envolvem com a história, os sentimentos, os pensamentos e as tradições, atrelados aos artefatos artesanais (HOLBROOK; HIRSCHMAN, 1982; LOFMAN, 1991).

A perspectiva experiencial possibilita que produtos com alma, como os artefatos artesanais, sejam processados de maneira emocional. Na realidade, esse tipo de abordagem extrapola os aspectos visuais desse bem simbólico e abrange um conjunto de sensações singulares que vinculam o consumidor a diferentes realidades culturais desejadas (HOLBROOK; HIRSCHMAN, 1982; LOFMAN, 1991; RYAN, 2002).

O estímulo à dimensão emocional, simbólica e relacional possibilita que ações empreendedoras no campo da cultura estejam vinculadas a um nexo de criatividade pautado no reconhecimento social, nas representações culturais, nos códigos significativos e nas construções identitárias. Essa leitura pode auxiliar o entendimento acerca de se evitar medidas reducionistas nas relações de compra e venda de um bem ou serviço carregado de simbolismos e significados culturais. Portanto, esse olhar pluralizado permite avançar na discussão da temática das ações empreendedoras no campo da cultura (CAMPBELL, 2001; CAMAGNI, 2016).

2.2 Criação de valor simbólico em ações empreendedoras no