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Criação do curso de Pós-graduação e as reformas educacionais

CAPÍTULO I – POLÍTICAS EDUCACIONAIS E PROGRAMA DE PÓS-

2.1 Criação do curso de Pós-graduação e as reformas educacionais

Em face das políticas de Pós-graduação estabelecidas nesse mesmo processo, igualmente, entendemos que os motivos que levaram à exigência da qualificação (e não a formação) do professor universitário ocorreram, primeiro, em virtude da necessidade de importação de ciência e tecnologia e, segundo, em razão do corte de verbas para a pesquisa para as áreas das Humanidades. Esta hipótese baseia-se na constatação de que o processo de avaliação, adotado pela CAPES, colocou o curso de Pós-graduação em Educação em desvantagem em relação às demais áreas, sobretudo porque, conforme análise realizada por Warde (1990), a existência de diagnósticos sobre a qualidade de produção científica, gerada em alguns desses programas, tem provocado uma certa vulnerabilidade a suas respectivas universidades, principalmente no que diz respeito à ampliação de recursos.

Essa avaliação, além de incentivar a classificação de pólos de referência em pesquisa e o destino dos financiamentos para esse fim, em geral, está levando muitos grupos de pesquisa a abandonarem as pesquisas básicas e a voltarem-se quase que exclusivamente para as pesquisas em aplicação tecnológica.

No caso das áreas das Humanidades, esse direcionamento torna-se impróprio e, até mesmo, comprometedor já que a mudança de enfoque sugerida é decorrente da repercussão que as avaliações externas exercem e não oriunda do meio acadêmico.

2.1 Criação do curso de Pós-graduação e as reformas educacionais propostas pelo Banco Mundial

A partir da década de 1960 intensificaram-se as pressões de professores e estudantes por uma reformulação do sistema de ensino superior brasileiro, culminando no movimento estudantil de 1968.

As reivindicações do movimento estudantil, nessa época, geraram diversas expectativas e a formulação de uma proposta de Reforma Universitária foi sugerida. Desta forma, o movimento almejou a criação de estruturas orgânicas flexíveis que permitissem à universidade configurar-se como tal e também que:

- levasse à democratização do ensino abrindo as portas da universidade para todas as classes sociais;

- permitisse uma autonomia geral e irrestrita no sentido didático- financeiro;

- estabelecesse programas e currículos em consonância com o desenvolvimento do país;

- extinguisse a cátedra vitalícia que proporcionava poder exagerado ao catedrático em relação à maioria; e

- permitisse maior participação docente e discente nos órgãos deliberativos, com critérios de proporcionalidade (GRACIANI, 1982, p. 19).

No bojo das manifestações, em novembro de 1968, promulga-se a Lei n. 5540, batizada como Reforma Universitária. De pronto, o movimento identificou que a referida lei não contemplava totalmente suas reivindicações. Embora ela contivesse explícita ou implicitamente as exigências do movimento estudantil, a inércia inerente à estrutura burocrática continuou sendo resguardada pelo sistema capitalista dominante.

A bem da verdade, a lei da Reforma Universitária baseou-se na concepção dos consultores da USAID e nos princípios defendidos pelo regime ditatorial. Para tanto, sua implantação no sistema universitário foi assegurada por meio de ameaças de punições - corporal, psicológica ou trabalhista - aos professores e estudantes que manifestassem pensamentos contrários à mesma (cf. Decreto 477/1969).

Segundo estudos realizados por Graciani (1982), essa lei teve também o objetivo de produzir uma estrutura universitária autoritária, não flexível, concretizada por mecanismos institucionalizados de centralização de poder. Nesse sentido, a burocratização do processo decisório utilizado ratificou o alijamento do corpo docente e discente na maioria das deliberações realizadas nesse período e, em virtude dessa estrutura burocrática, em dezembro

de 1969, a publicação do Ato Institucional n. 5 (AI-5) forneceu os meios que faltavam para os militares cassarem àqueles que se colocassem contrários à ditadura ou à implementação das políticas anti-sociais propostas.

Simultaneamente, assistimos a várias perseguições político-ideológicas contra o corpo docente, cometidas essencialmente nas universidades públicas. Com o AI-5, o Brasil registrou, em sua história, vários anos de repressão. Medidas como aposentadorias compulsórias, demissões e cassações brancas foram instituídas no cenário educacional, com a finalidade de realizar uma triagem ideológica nas admissões de professores universitários e de validar a presença de Assessorias de Seguranças e de Informações nas reitorias dessas universidades.32

Entretanto, apesar deste contexto, paradoxalmente, constatamos nessa mesma época um dos maiores índices de procura por vagas nessas universidades. Dal Ri (1997) aponta que a insuficiência das vagas desembocou na denominada crise dos excedentes e também que o panorama instaurado33, principalmente depois do movimento reivindicatório liderado pela União Nacional dos Estudantes (UNE), que fez com que o Governo articulasse e elaborasse uma solução rápida.

A abertura e o incentivo para a expansão de vagas no setor privado ou a privatização acelerada do ensino superior foram as alternativas indicadas.34 A divulgação do número de matrículas efetivas na rede pública naquele período foi de 2,6 vezes menor que o da rede privada, calcula Maciel (1991). Essa expansão do ensino superior privado, de acordo com Dal Ri (1997, p. 81), ao mesmo tempo em que instalou a necessidade de contratação de docentes titulados para as tarefas de ensino de graduação, impulsionando a implantação do curso de Pós-graduação, a partir de 1965, aumentou a concorrência nesse setor.

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Os documentos divulgados sobre as perseguições incididas ao longo da década de 1960, ao Movimento Docente e aos militantes políticos, denotaram a época sombria vivenciada nas universidades públicas.

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De estudantes aprovados por nota no vestibular, mas não classificados por falta de vagas.

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Essa alternativa provocou o encurtamento da participação da rede pública de ensino superior de 59,6%, em 1962, para 36%, em 1977.

Mesmo não sendo este o único objetivo a ele destinado pelo governo militar, com efeito, a demanda por professores qualificados reestruturou a carreira docente e, conseqüentemente, garantiu aos cursos de Pós-graduação a procura de um grande número de estudantes. Porém, estes cursos não estavam totalmente preparados para esta demanda.

Por tal motivo, as agências de fomento, criadas pelos Estado, forneceram apoio financeiro para elevar o número de pesquisas científicas desenvolvidas no Pós para, assim, a universidade pudesse atingir a meta estabelecida pelo MEC. 35 Mesmo que contraditório, esse apoio foi essencial para a consolidação qualitativa das universidades públicas, sobretudo, porque, até hoje, elas apresentam a maior concentração de cursos de Pós-graduação do país. Até meados dos anos 1990, a universidade pública detinha 85% do total desses cursos e 95 % do controle das pesquisas acadêmicas.

Partindo da noção de que o objetivo do curso de Pós-graduação stricto sensu em Educação é a formação de professores universitários e de pesquisadores (LDBEN n. 5540, 1968), observamos que a evolução desse tipo de curso mediante a exigência de qualificação caracterizada pelo mercado de trabalho (LDBEN n. 9394, 1996), converte-se no principal mecanismo de reação, geradora da crise que este curso vem passando, pois, entre os anos de 1970 e 1990, notamos uma frutificação de políticas globais para o ensino superior baseadas em políticas segmentadas e corretivas. Estas políticas, em sua grande maioria, foram formuladas por tecnocratas envolvidos com o cenário legislativo.

Desproporcionalmente, encontramos, nesse mesmo período, uma involução dos investimentos de capital público nesse curso. Até 1970 constatamos um alto investimento de capital público no curso de Pós-graduação stricto sensu e assistimos várias ações desencadeadas pelo Estado visando a retomada do crescimento econômico e a especialização crescente da máquina burocrática.

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O CNPq e a CAPES, em 1951, foram criados pela necessidade de se estabelecer uma base científica nacional que desse suporte às demandas oriundas da nova configuração do setor produtivo e que também contribuísse para o progresso da autonomia tecnológica pretendida pelo país (BARROS, 1998).

No final da década de 1980, a mudança de postura de investimento, caracterizando uma insuficiência de recursos destinados à educação em geral, levou o governo central a controlar mais efetivamente a universidade e, por conseqüência, o curso de Pós-graduação. Com o esgotamento da capacidade elevada de financiamento, tendo seu ápice no início da década de 1990, o Estado brasileiro começou a fazer cortes drásticos no orçamento para este nível e a estimular a formação de políticas de curto alcance, quase sempre reativas (PENTEADO, 1998).

Tal esgotamento provocou uma nova especulação sobre o ensino superior que levou, por um lado, à continuação da elaboração de políticas de expansão e, por outro, à efetivação de um plano de contenção de despesas nas universidades públicas. Essencialmente na década de 1990, a partir do desenvolvimento de políticas advindas do Banco Mundial, os cursos de Pós-graduação stricto sensu foram os que mais sofreram contenções.

As recomendações mais utilizadas pelo Banco serviram, tanto como subsídios para uma comparação de experiências, quanto para estimular o controle sobre o país financiado, determinando a extensão permitida para os conflitos possíveis entre o Banco e o prestatário. Segundo Lindino (1998), a invasão dos ideais neoliberais do Banco por meio dos Programas de Qualidade Total (PQT), além de cultuar a qualidade, exigiu uma mudança na cultura organizacional e no comportamento das pessoas envolvidas no processo de produção capitalista praticado.36 Ou seja, indicou-se que, desde o ensino básico até o Pós-graduação, as mudanças deveriam converter-se em metas e posteriormente transformar-se em políticas educacionais nacionais.

Além dessas comparações equivocadas, a década de 1990 foi palco de vários outros fatos, mundiais e importantes, que contribuíram para o fortalecimento da expansão do capitalismo moderno e da implantação das políticas neoliberais do Banco. Entre eles

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Implementados especificamente nas principais capitais brasileiras em empresas de grande porte e em escolas de ensino fundamental e médio.

classificamos a queda do muro de Berlin, a ruína dos regimes socialistas, os impasses políticos e ideológicos vividos pelas organizações de esquerda e o refluxo das organizações operário-populares como os mais expressivos para esse processo. Constatamos, ainda, que as investidas realizadas pela ideologia neoliberal resultaram não apenas em uma reorganização do panorama econômico mundial, bem como, especificamente no Brasil, influenciou e incitou o retrocesso nas políticas públicas (seja nas áreas social seja na área educacional).

Desta forma, a partir de 1995, o investimento financeiro no curso de Pós-graduação

stricto sensu modificou-se e, nesse novo contexto, quatro metas foram sugeridas: a primeira

foi a exigência de se adotar, nesses cursos, uma política nacional de incentivo à pesquisa nas diferentes áreas do conhecimento, conjugando Estado-Universidade-Empresa, a fim de atender às exigências da segurança, da ciência e da produtividade; a segunda meta foi o estabelecimento de um Plano Nacional de Pós-graduação (PNPg) n.1º, n.2º, n.3º e, mais recentemente, n.4º, integrando diferentes órgãos federais; a terceira meta foi a indicação de se institucionalizar os cursos de Pós-graduação em níveis de mestrado e doutorado, cujo objetivo deveria ser a formação de professores e pesquisadores com elevado padrão qualitativo e profissional, e, por último, a quarta meta sugeriu a institucionalização de um sistema de bolsas e incentivos, em vista das condições de criação desses quadros (CURY, 1991).

O autor afirma, ainda, que como o curso de Pós-graduação stricto sensu nasce articulado à carreira dos professores “[...] de fora da Universidade, o curso de Pós-graduação

stricto sensu é posto como necessário e, de dentro, é visto como intruso” (CURY, 1991, p.

10). No momento em que se definiu como meta a expansão dos programas de Pós-graduação, em princípio a todas as universidades públicas brasileiras, o MEC valeu-se do discurso proferido pelo movimento estudantil, mas desenvolveu várias ações que se opunham ou distorciam essas reivindicações.37

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Mesmo assim, entre os anos de 1965 e 2002, constatamos que foram reconhecidos cerca de 1536 cursos de Pós-graduação stricto sensu, nas mais variadas áreas, assim como houve um demasiado credenciamento de cursos de Pós-graduação lato sensu. Mais recentemente, defrontamo-nos, ainda, com uma inesperada proliferação do mestrado profissionalizante - outra reivindicação do empresariado.

Especificamente com relação ao curso de Pós-graduação stricto sensu em Educação, notamos que sua implantação ocorreu de modo vertical e centralizado nas universidades. Nesse sentido, conforme mostra a tabela 1, optamos por trabalhar nesta pesquisa com os dados referentes ao período de 1996 a 2002, visto que ele representa o período de maior influência do Banco Mundial nas políticas voltadas para esses cursos.

TABELA 2 – Evolução dos cursos de Pós-graduação stricto sensu em Educação reconhecidos, no Brasil, no período de 1996 a 2002.

PÓS-GRADUAÇÃO

STRICTO SENSU

ANO EVOLUÇÃO

Instituições de Ensino Superior (IES) com:

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 ( %) Somente com o nível de

Mestrado 20 21 20 24 26 37 37 63 Com os níveis de Mestrado/Doutorado 17 18 24 24 24 22 22 37 TOTAL 37 39 44 48 50 59 59 100 FONTE: CAPES/MEC, 2004.

Com um crescimento de 37% do total de reconhecimentos de todos os cursos de Pós- graduação stricto sensu, o curso em Educação teve sua maior expansão, 63%, no mestrado enquanto o doutorado evoluiu cerca de 37%, no mesmo período. Duas análises foram realizadas pelo MEC a partir desse panorama. A primeira classificou esse crescimento como surpreendente, como descontrole, apesar dessa expansão ter sido considerada como meta

principal. Contudo, do ponto de vista político, observamos que essa análise foi utilizada mais como uma justificativa para a alteração do papel do CNP.

Destinado ao estabelecimento de metas e orçamentos para a formação de uma política nacional de Pós-graduação stricto sensu e à elaboração de normas para a solidificação desse curso, agora o CNP tinha como objetivo a elaboração de instrumentos para a regulação dessa

tal expansão (SOUZA, 1980). Sendo assim, ao conselho coube o papel de controlador da

emissão de novos cursos e elaborador de novas regras para a manutenção dos já existentes. Em uma segunda análise, a vinculação dos objetivos já existentes para esse tipo de curso às necessidades tecnológicas apresentadas pelas empresas brasileiras sugeriu novas expectativas para o curso de Pós-graduação stricto sensu, indicando que este deveria desenvolver pesquisas mais modernas. Por conseguinte, ao CNP incumbiu-se a instituição de critérios de avaliação dos programas, considerando como pano de fundo as exigências estipuladas pelas empresas.

Diante disto, a implantação do sistema de avaliação externa provocou insatisfação na comunidade acadêmica, uma vez que independente de qualquer esforço realizado pela academia, mesmo assim, surgiram novos foros de debates sobre a utilidade e a permanência da universidade em nossa sociedade. Esses foros eram promovidos pela sociedade política e veiculados, principalmente, pelos órgãos gestores federais. Coincidentemente ou não, nesse mesmo período, ocorre a elaboração de planos nacionais para o Pós-graduação, também com o aval do Conselho Nacional de Educação (CNE) e com objetivos voltados para a continuação do processo de expansão iniciado e a regulamentação de financiamentos para o ensino (SILVA 2002b).

O conteúdo dos dois primeiros PNPgs indicou a expansão dos cursos, devido à necessidade de permanente qualificação docente. No 3º PNPg, manifesto na década de 1990, inseriu-se o financiamento voltado para o ensino, influenciado pelo Programa de Formação de

Recursos Humanos nas Áreas Estratégias para o quadriênio 1986-1989 (RHAE). Esse financiamento despontou como um dos fatores mais discutidos a partir, sobretudo, do momento em que o 4º PNPg, elaborado para a década de 2000, passou a priorizar os preceitos contidos no modelo econômico neoliberal no que diz respeito ao tipo de investimento e ao modo de aplicação desse investimento, nas universidades públicas.

Desta forma, por exemplo, como as propostas para o financiamento do ensino superior e a formação de centros de excelência passariam, obrigatoriamente, pelo crivo do curso de Pós-graduação, em vista da meta de fornecimento de mão-de-obra qualificada em um curto espaço de tempo, a sugestão da fusão entre pesquisa e extensão, transformando o professor universitário em consultor/prestador de serviço, dimensionou o seu ensino como uma mercadoria que deve ser continuamente avaliada antes mesmo de sua compra. Essa proposta foi apresentada pelo ex-ministro da Educação do governo de Luis Inácio Lula da Silva, o Sr. Cristovam Buarque (FOLHA DE S. PAULO, 2004), ao defender a idéia da universidade útil ao empresariado.

Suas argumentações visavam atrelar o orçamento para a universidade ao exercício do trabalho de extensão, ou consultoria, às grandes empresas produtoras de tecnologia, sob influência dos documentos produzidos no período de 1995-2003 pelo Banco Mundial. Nesse sentido, esses documentos subsidiaram e formalizaram, entre outras metas, a recomendação de uma nova administração do ensino superior e de articulação entre maior acesso ao ensino superior público e cobrança do curso oferecido.

Inicialmente, essa articulação restringiu-se ao curso de Pós-graduação lato sensu (curso de especialização), convalidando uma antiga solicitação do empresariado brasileiro. Porém, nos documentos produzidos pelo Banco Mundial, a recomendação indica uma ampliação dessa cobrança para os cursos de graduação e pós-graduação stricto sensu. Segundo a visão do Banco, para o Brasil, “[...] a educação superior despende vantagens a

poucos privilegiados, devendo ser seus objetivos racionalizados em detrimento aos mais pobres, uma vez que, nivelando e direcionando os recursos investidos nas pesquisas, poderemos promover um crescimento econômico do país” (WORLD BANK, 2003, p. 6).38

Em outras palavras, apropriando-se novamente do discurso da esquerda, o da ampliação do acesso ao ensino superior, o Banco procura mostrar para a sociedade civil que a universidade pública brasileira é improdutiva e inoperante. Entretanto, trata-se de uma estratégia adotada para disfarçar o real interesse daqueles que investem nesse tipo de formação, já que esse nível vem sendo considerado como um nicho de mercado em expansão e valorizado internacionalmente.

Sendo assim, qualquer tipo de formação diferente do desejado é deixado de lado. Conseqüentemente, nos últimos anos da década de 1990 e início década de 2000, as agências brasileiras de fomento à pesquisa demonstraram maior interesse em financiar estudos com potencial comercial ou aqueles que aumentassem o produto interno. As áreas que não correspondessem ou não contribuíssem com essa meta, por exemplo, as humanidades, ficaram subjugadas ou colocadas em segundo plano. Desta forma, podemos concluir que não se ocultam mais as indicações de que as universidades públicas devem formar pesquisadores prioritariamente para a empresa e para o capital.

Pelo contrário, conforme pesquisas de Dias Sobrinho,

Em conseqüência do modelo avaliativo, as áreas prioritárias de pesquisa vêm freqüentemente sendo definidas pelo mercado, especialmente pela indústria, e devem responder às exigências utilitárias do curto prazo. As pesquisas nas áreas tecnológicas são valorizadas, pois a indústria tem recorrentes necessidades e urgências de seus produtos, porém ficam enfraquecidas as investigações básicas, em geral mais longas e de aplicação muitas vezes indefinida, e as áreas de conhecimento que têm menor apelo mercadológico, como humanidades e artes (2003, p. 63).

Discursos como o do diretor científico da FAPESP, Sr. José Fernando Perez, ao afirmar “É preciso ter os pés, a cabeça e a alma na empresa” (FOLHA DE S. PAULO, 2004,

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p. B1), confirmam o pensamento instituído nas agências de fomento para o século XXI. Resguardada a convicção de que tal predileção pode afetar a autonomia da universidade, as justificativas apresentadas por Perez mostram até que ponto as agências estão seduzidas por esse pensamento hegemônico. O diretor da FAPESP acredita que esse tipo de manifestação começa a ficar superado, pois “Inovação é algo que precisa ter valor de mercado. Defendo a liberdade de pesquisa acadêmica, mas é preciso haver a fidelidade à empresa” (FOLHA DE S. PAULO, 2004, p. B1).

Poderíamos imaginar que esse discurso é um caso isolado, mas certamente insistimos na afirmação de que o pensamento de Perez não corresponde a esta hipótese. Pelo contrário, a relação empresa-governo-universidade reflete uma reivindicação que está se tornando hegemônica no Brasil.

Várias propostas têm sido apresentadas para a efetivação desse tipo de relação. Por exemplo, o atual ministro da Educação, o Sr. Tarso Genro, fundamenta seu discurso sobre a construção da qualidade consistente, retratada no programa Universidade para todos, propondo uma Reforma Universitária baseada em avaliações institucionais. Estas avaliações deveriam exercer um papel estratégico não apenas para a justificação da referida reforma, mas essencialmente para a promoção de inovações de currículos e práticas pedagógicas coerentes com o modelo neoliberal adotado. Segundo Dias Sobrinho (2003, p. 15), “[...] esse tipo de avaliação muitas vezes reafirma essa larga tradição de regulação, seleção e hierarquização, seja no interior das salas de aula ou nos domínios mais amplos da administração pública”.

Nesse contexto, constatamos uma inversão de valores. O aumento da autonomia para as universidades públicas, defendido pelos presidentes Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva, durante suas campanhas e durante suas atividades administrativas, significa, de fato, autonomia no uso racional dos escassos recursos

oferecidos ou a liberdade para a captação de recursos para além do capital público.39 Essa inversão vem alimentando a tentação de desobrigar o Estado da função de financiador dessas universidades.

Por conseguinte, essa inversão também está servindo como chamariz para a implementação dos sofisticados mecanismos de controle de resultados dessa universidade,