• Nenhum resultado encontrado

Criação por pares de materiais de interesse educacional

Capítulo 3 – Criação/Produção de Conteúdos Compartilhados na Internet

3.3 Criação por pares de materiais de interesse educacional

O campo da educação é muito propício para a produção de conteúdos compartilhados na Internet, pois muitas das características indicadas nas propostas de Benkler estão presentes nas atividades cotidianas do professor, em especial, a criação de materiais de interesse educacional.

Objetos de aprendizagem, segundo Koppi, Bogle e Bogle (2005), são partes de materiais ou atividades de aprendizagem reutilizáveis, que podem ser articulados e agregados a outros materiais e atividades, constituindo um ambiente de aprendizagem. Eles têm como características a reusabilidade e a possibilidade de contextualização contínua. Quanto mais utilizável o recurso, maior a possibilidade de se adaptá-lo a um novo contexto.

A criação de materiais educacionais tem como ponto de partida o talento criativo variável de cada professor. Cada um pode oferecer o que cria. A produção é de obras de grão mais fino e de pouco interesse para as grandes editoras, mas são de grande valor para colegas. Neste caso, o compartilhamento não implica necessariamente em perda de ganhos financeiros. Pelo contrário, pode representar um grande ganho, no mínimo, em termos de prestígio. A informação a ser veiculada ou em que este tipo de material se baseia é um recurso renovável, isto é, o seu uso não leva à escassez. O trabalho individual publicado na Internet torna-se acessível devido ao ambiente digitalmente conectado. Desta forma, pode ocorrer o compartilhamento através não só da oferta de diferentes tipos de conteúdos de interesse educacional, mas também de seu aproveitamento por outros professores, que poderão ter a facilidade de transformá- los, adequando-os a situações específicas. Então, as contribuições individuais fazem com que se alcancem objetivos maiores que, provavelmente, de forma individual não seriam viáveis. O bem comum é o foco deste tipo de ação e a educação poderá se

beneficiar da aplicação das tecnologias de informação e de comunicação criando novos espaços de conhecimento para a troca de saberes.

Benkler (2005) tem desenvolvido estudos sobre a aplicação do compartilhamento social para a produção de materiais de interesse educacional. Seus objetivos são a melhoria do processo educacional e o acesso a estes materiais em países economicamente menos favorecidos. Uma de suas preocupações é a indicação de forma homogênea de livros didáticos para regiões de características tão distintas de um mesmo país, citando como exemplo os estados da Califórnia e do Texas, nos Estados Unidos. As barreiras para a produção e para a distribuição destes materiais, que são impostas pela economia de mercado, têm prejudicado o desenvolvimento da educação em outras regiões com realidades diversas. Este autor propõe como solução para esta dificuldade o desenvolvimento de materiais didáticos aproveitando a força criativa existente, sem privilegiar retornos financeiros.

A produção socialmente compartilhada na Internet torna-se possível pelo aproveitamento dos diferentes níveis de conhecimento, talento e motivação dos professores, que normalmente já são empregados no cotidiano na produção de materiais.

A novidade consistirá em desenvolver a produção/criação de forma compartilhada pela Internet, reunindo, em qualquer tempo, professores dispersos geograficamente. Esta forma de trabalho deverá trazer benefícios aos próprios professores e a seus alunos, que, ao fazer uso destes materiais, podem adequá-los às suas necessidades específicas.

A distribuição de livros didáticos em escolas públicas nacionais normalmente é pautada pela padronização sem levar em consideração as diferenças regionais existentes. A possibilidade de criação compartilhada de materiais de interesse educacional pode melhorar a caracterização das necessidades de diferentes grupos ao abordar os assuntos a serem tratados em classe de diversas formas. Os conhecimentos regionais dos participantes de atividades desta natureza serão aproveitados e empregados. Desta maneira, é considerada a adequação às realidades existentes nas

regiões de um país. Os materiais de interesse educacional padronizados cederão lugar a materiais mais específicos para a situação vivenciada.

Os pontos positivos para a criação de materiais de interesse educacional utilizando a modalidade de "commons-based peer production" são: - os professores podem criar materiais a partir de mais informação, disponibilizando-os para qualquer um, em qualquer tempo; - o talento variado existente, que se reúne e se torna conhecido na Internet; - a motivação, que desperta a vontade de criar e de compartilhar com outros (BENKLER, 2005).

Materiais de interesse educacional são propícios à produção por pares baseada no espaço comum. O desenvolvimento de materiais de interesse educacional de complexidade variada exige condições também diferenciadas.

Os materiais mais simples ou de ‘‘pequeno porte’‘ e independentes, são os mais apropriados para a produção compartilhada na Internet no atual contexto tecnológico.

Segundo Benkler (2005), alguns materiais de "grande porte" como a Wikipedia, enciclopédia elaborada na Internet de forma colaborativa e de conteúdo aberto, também são adequados à produção compartilhada, pois as tarefas são modulares e os módulos a serem produzidos são de pequeno porte e relativamente independentes dos demais. Por estas razões são requeridas pequenas colaborações dos participantes. Já os livros- texto ou livros didáticos enfrentam dificuldades, pois o grau da contribuição deve ser maior, exigindo dos participantes uma colaboração determinada, havendo um controle da mesma e uma maior interdependência entre as partes.

A granularidade de materiais é, portanto, um requisito importante para a efetiva produção por pares na Internet. Quanto menor a contribuição demandada, ou seja, a granularidade do material, maior a possibilidade de contar com a criação de participantes com habilidade, motivação e tempo disponível. No entanto, quanto maior o tamanho da contribuição requerida, maior será a dificuldade para a sua integração com as demais partes do ambiente de compartilhamento e maior o tempo exigido de cada participante. Nos casos de projetos de livros didáticos analisados, o envolvimento normalmente se restringe a uma ou duas pessoas devido ao alto grau de orientação para a estruturação dos capítulos, a padronização de estilo e a coerência na integração

das partes. Este, portanto, é o caso de livros didáticos. Aparentemente os materiais de ‘‘pequeno porte’‘ são, assim, os mais aconselháveis e promissores para serem produzidos por pares na Internet, ao se adotar a modalidade de compartilhamento social.

A educação, vista como campo de criação, controla melhor seus rumos ao aplicar a filosofia da colaboração e do compartilhamento visando o bem social comum.

Cada conteúdo criado por professores pode ser visto como um bem que possui condições de uso não só pelo seu autor/proprietário o que o habilita como compartilhável. Esta possibilidade de ser empregado por outros, e mais ainda, de ser adaptável, amplia a sua utilidade em prol de um benefício coletivo e do aprimoramento da sociedade como um todo.

A criação e o compartilhamento coletivo de materiais de interesse educacional partem da descentralização das contribuições, da autonomia individual de cada professor no desenvolvimento e na criação de conteúdos, da ausência de coordenação hierárquica. A adesão espontânea para a participação é um fator preponderante que demonstra a visão da educação como um bem comum que deve contribuir para a formação do cidadão.

A troca é a característica deste tipo de trabalho conjunto entre professores, que se motivam através de incentivos internos como a satisfação pessoal, a possibilidade de auxiliar o outro e a reciprocidade pelo fato de já ter sido ajudado. Incentivos externos como os financeiros não fazem, normalmente, parte deste tipo de produção e, quando estão presentes, não necessariamente mobilizam positivamente os participantes.

Os professores devem tirar proveito de atividades pedagógicas que desenvolvem diariamente. A única mudança a ser implementada é a exposição destas atividades a todos ao utilizar a Internet como veículo de divulgação e de distribuição. Eles estarão contribuindo com seus colegas, recebendo contribuições, aprimorando o processo de ensino-aprendizagem numa esfera que rompe barreiras espaciais e temporais. A participação só tem como base a iniciativa pessoal, não havendo delimitação para o seu início e o seu término.

[...] emergem de cursos ou disciplinas realizados totalmente ou quase que exclusivamente no ambiente da Internet, por exemplo. [...] As comunidades de aprendizagem ultrapassam as temporalidades regimentais estabelecidas e vão além. Seu tempo é o tempo em que seus membros se interessam em ali permanecer em estado de troca, colaboração e aprendizagem (KENSKI, 2003, p.107).

A ação colaborativa em comunidades virtuais de aprendizagem recorre à circularidade de informações e a trocas, expressando o somatório de individualidades.

A reunião de pessoas visando um objetivo comum, como no caso de comunidades virtuais de aprendizagem, pode ser o ponto de partida para a implementação de atividades de criação compartilhada de conteúdo entre professores. Outras oportunidades poderão ser pretexto para encaminhar iniciativas deste tipo.

Nicol, Littlejohn e Grierson (2005) relatam a opinião de estudantes sobre os benefícios do espaço de trabalho compartilhado coletada em estudos realizados sobre a estrutura e o compartilhamento de recursos de aprendizagem. Alguns dos benefícios apontados referem-se à facilitação e ao encorajamento para o compartilhamento de recursos e à facilidade para atualizar os recursos criados e compartilhá-los.

Estas facilidades têm como pré-requisito o processo de criação, levando autores e leitores, a partir de determinado recurso, a modificá-lo com base no objetivo de seu emprego e no contexto em que será colocado em prática.

Os discursos não estão mais fechados para o seu público. A tecnologia da informação e da comunicação faz com que eles se tornem abertos e fluidos. Esta peculiaridade pode contribuir até para eliminar fronteiras e distâncias entre autores e leitores. Desta forma, uma pessoa pode ser, ao mesmo tempo, produtor, difusor e consumidor de discursos, levando à inexistência de centros exclusivos de difusão textual. O próprio saber poderia se transformar num grande hipertexto construído e reconstruído por milhares de cérebros e mãos. A concepção e o acesso aos saberes são construídos, então, de forma associativa, característica do pensamento do homem, pela aplicação da lógica hipertextual e não-linear (NOVA; ALVES, 2003, p.119).

Uma das formas de construção significativa de conhecimento é a aprendizagem colaborativa em que os envolvidos tornam-se interdependentes. A colaboração pode ser vista como uma parceria, em que, além da troca de idéias e informações, ocorre também a “tessitura em conjunto”. Os participantes podem olhar o todo, ‘’dar seus palpites e tornarem-se cúmplices” (OKADA, 2003, p.285). No campo da educação, a parceria poderá estar presente em diversos tipos de atividades, dentre elas na de construção de textos e de materiais de apoio, tirando proveito da colaboração e do envolvimento de professores e de todos aqueles que se sentirem motivados a contribuir para a criação cooperativa em rede.

A seguir, a posição de professores de escolas públicas de ensino infantil e fundamental sobre o compartilhamento de materiais de interesse educacional é exposta, buscando conhecer a vivência deles nesta área e explorar a possibilidade de disseminação deste tipo de material pela Internet através do compartilhamento social por pares.

Capítulo 4 – COMPARTILHAMENTO DE MATERIAIS DE INTERESSE