• Nenhum resultado encontrado

3.2 A CONSTRUÇÃO DAS ESTATÍSTICAS CRIMINAIS NO BRASIL: SUA LÓGICA E

3.2.3 A criação das secções de informação

Com a deposição de Getúlio Vargas em 1945, se inicia um período de redemocratização no país, onde as forças policiais são parcialmente reformadas. O controle dos Governadores sobre as polícias estaduais, que havia sido retirado durante o período Vargas, foi reestabelecido e uma nova constituição promulgada.

No que diz respeito às instituições policiais, a constituição de 1946 reestabeleceu a descentralização de poderes, antes concentrados na União. Ela não fez nenhuma menção às polícias civis, apenas às polícias militares, no art. 183º onde se estabeleceu que elas eram instituídas para a segurança interna e a manutenção da ordem nos Estados e no Distrito Federal, sendo mantidas como forças auxiliares, reservas do Exército. Segundo (2005) a prática, instituída por Getúlio Vargas, de nomear um oficial do Exército para comandar a Polícia Militar da capital, continuou se mantendo neste período. Não houve nenhuma preocupação em realizar reformas mais profundas, nas estruturas destas instituições. Não houve nenhuma ação que estivesse direcionada para modificar as estruturas construídas no período do governo autoritário de Vargas, que estavam voltadas mais para o controle de grupos políticos, do que para agir sobre o crime e as desordens urbanas.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística continuava coletando e divulgando as estatísticas criminais e de segurança pública, dentro dos Anuários Nacionais de Estatística53. As estatísticas estavam basicamente resumidas ao que era registrado pela

Polícia Civil e os únicos dados relativos a Polícia Militar, se referiam ao quantitativo de seus efetivos54.

53 De acordo com o previsto no Código de Processo Penal art. 890.

54 O modelo de boletim individual, que havia sido previsto no Decreto nº 3.992 de 30 de dezembro de 1941,

sofreu alterações neste período. A resolução nº 462 da Assembleia Geral do Conselho Nacional de Estatística, publicada em 12 de setembro de 1950, recomendava o estudo do "Registro Policial", instituído no Estado do Espírito Santo para servir de fonte às estatísticas policiais.

89

Em 1964 o golpe militar depôs o Presidente da República recoloca o aparato policial para vigiar e controlar os opositores políticos do novo regime, amplia o mandato das Forças Armadas, que passam a controlar a repressão política (COSTA, 2004).

No campo da coleta de dados estatísticos, o contexto político-administrativo produziu novos entendimentos acerca do que fosse “produção de informação”. Sob inspiração das Forças Armadas, as produções de informações, no âmbito das instituições policiais, passaram a possuir um significado que estava relacionado com a ideia de segurança nacional.

Em 1964 foi criado o Serviço Nacional de Informações (SNI)55 com a finalidade de

coordenar, em todo o território nacional, as atividades de informação e contra informação, em particular as que interessavam à segurança nacional. Segundo Costa (2004), esta estrutura serviu de inspiração à formação de novos serviços de informação, inclusive dentro das instituições policiais56.A lei de criação do SNI previa em seu Art. 3º inciso b) que

incumbia ao SNI “estabelecer e assegurar, tendo em vista a complementação do sistema nacional de informação e contrainformação, os necessários entendimentos e ligações com os Governos de Estados, com entidades privadas e, quando for o caso, com as administrações municipais”. Estes “entendimentos” com os Governos de Estados, passava sobretudo pela utilização das estruturas física e de pessoal, das polícias estaduais, ampliando a capilaridade da rede do SNI57.

Os serviços de informações da Polícia Civil, que já existiam desde o período Vargas, são ampliados, e nas Polícias Militares uma nova estrutura foi criada, dando início à “segunda seção” (P2)58 (COSTA, 2004).

A criação de serviços policiais secretos voltados para a repressão política de grupos considerados subversivos, não era uma novidade. De acordo com Cepik (2003), em vários,

55 O Serviço Nacional de Informações foi criado pela Lei nº 4.341, de 13 de junho de 1964

56 Antunes (2001) analisou a construção e atuação dos serviços secretos brasileiros e sobre as atividades de

informação neste período, ela diz que a atividade de informações se confundia com a própria segurança nacional. O único órgão de informação que existia antes da tomada do poder pelos militares era o Centro de Informações da Marinha – CENIMAR. Os demais órgãos tais como o Centro de Informações do Exército – CIE e o Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica – CISA, são criados posteriormente.

57 Estruturas como a Operação Bandeirantes- Oban em 1969 e a criação dos Destacamentos de operações de

informação-Centros de Operações de defesa interna - DOIs-Codis em 1970, contavam com a participação de policiais, os presos por estas operações ficavam detidos nas unidades policiais, onde em grande parte das vezes também era o local onde ocorriam os interrogatórios.

58 As polícias militares estão organizadas por seções de atividade. A P3 se refere ao Planejamento Operacional,

90

países as forças especializadas em manutenção da ordem interna desenvolveram técnicas e recursos de vigilância, infiltração, recrutamento de informantes e interceptação de mensagens para a repressão política dos grupos considerados subversivos.

O fato importante para ajudar a compreender como a produção de estatísticas, que já estava desde o período Vargas, localizada dentro do setor de cadastro e identificação, será influenciada pela lógica do segredo dos setores de informação, é entender como se estruturam os setores de informação.

Olhando para o cenário internacional, de acordo com Cepik (2003), em alguns países, as agências de security intelligence59 foram separadas organizacionalmente das polícias e da

inteligência externa. Este é caso de serviços como o Canadian Security Intelligence Service – CSIS do Canadá, a Direction de la Surveillance du Territoire – DST na França, o Bundesamt für Verfassungsschutz – BfV na Alemanha e o Sherut há’Bitachon ha’Klali – Shin Bet em Israel. Em outros países, a inteligência interna ou de segurança é um departamento especializado das próprias forças policiais. Este é o caso dos Estados Unidos com a divisão de segurança nacional do Federal Bureau of Investigation – FBI.

Em todos estes países, os setores de produção de dados e informações estatísticas não se confundem com os setores responsáveis pelas atividades de inteligência e investigação, ainda que possam oferecer suporte para estas atividades (GOTTLIEB; ARENBERG; SINGH, 1994; BAKER, 2005). No Brasil, essas estruturas desde a década de 1930, com a criação do Instituto de Identificação estão sobrepostas.

Como visto anteriormente, sob o comando de Getúlio Vargas essas instituições já estavam voltadas para o controle de grupos políticos e assim permaneceram durante 15 anos. No breve período democrático, de 9 anos, entre a deposição de Vargas e ascensão militares ao poder, não houve tempo, nem preocupação política, em reformar as práticas institucionais das polícias.

Os militares ao assumirem o poder político e controle das polícias, já encontraram uma cultura institucional moldada para o ideal do controle. Eles consolidaram e aprofundaram ainda mais essas práticas por meio da lógica dos serviços de informação, dentro das estruturas das polícias.

59 No contexto internacional estes setores nas polícias nascem com o nome de “inteligência”, no Brasil a

primeira terminologia a ser utilizada é “informação”, mais tarde com a criação da Agência Brasileira de Inteligência em 1990, o termo “informação” é substituído por “inteligência”.

91

Esse processo colocou as estatísticas criminais numa “zona turva”, uma vez que quaisquer informações referentes à atividade policial, poderiam ser consideradas como informações estratégicas e secretas60. Neste contexto político, dentro dessa cultura

organizacional, não havia espaço para as estatísticas criminais serem vistas e valorizadas de outra forma, que não fossem como informações reservadas, uma vez que esta era a compreensão de como deveriam ser tratadas as informações, acerca das atividades das instituições de força e controle neste período61.

O curioso é observar que as estatísticas não são utilizadas, na prática, como forma de obtenção de conhecimento, não tendo sido encontrada, na bibliografia consultada, qualquer referência acerca do seu uso. Todavia por terem suas estruturas de coleta alocadas nessas seções, ganham um status de saber estratégico, mas que tão pouco é utilizado, uma vez que os dados estatísticos dos registros administrativos não forneciam informações sobre o que as polícias de fato estavam preocupadas, que eram as atividades dos subversivos.

Em 1990 o SNI foi extinto e criada a Secretaria de Assuntos Estratégicos62, sendo

posteriormente criada a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Assim o termo “informação” é substituído pelo termo “inteligência”.

O longo período durante o qual as instituições policiais estiveram subordinadas a uma lógica de construção de segredos, deixou vestígios desta “zona turva”, na qual estava situada as estatísticas criminais, apesar da pouca disponibilidade de fontes e dificuldade de acesso a documentos da época.

Numa pesquisa realizada em 2012 pela Senasp63, entre as várias perguntas,

direcionadas aos setores de produção e análise de informações das polícias civil e militar, assim como das secretarias de segurança pública e defesa social, foi questionado quais eram as atividades que esses setores realizavam.

60 A narrativa deste processo não pretende desconsiderar outras variáveis que ajudam a compreender e explicar

a lógica do segredo, em relação as estatísticas nas instituições policiais. A cultura jurídica, a resistência e aversão ao controle externo, são elementos importante que ajudam a compreender a sociologia das estatísticas. Este processo foi analisado por Lima (2005). O que se pretende é adicionar mais uma variável explicativa, que ainda não havia sido analisada.

61 A Lei de criação do SNI no Art 4º § 2 estabelece que o Serviço Nacional de Informações está isento de

quaisquer prescrições que determinem a publicação ou divulgação de sua organização, funcionamentos e efetivos.

62 Decreto nº 99.373, de 4 de julho de 1990, e Decreto nº 339, de 12 de novembro de 1991.

63 Diagnóstico da situação dos centros ou núcleos de gestão do conhecimento e/ou análise criminal, das

92

Entre os setores de análise de informações da Polícia Civil, em 6 unidades da Federação, foi informado que entre as suas atividades estavam a análise de inteligência. Em relação aos setores de análise de dados da Polícia Militar, 6 outras unidades da federação declararam realizar análise de inteligência.

Secretarias de segurança pública de 11 Unidades da Federação declararam que o setor de análise também produzia análise de inteligência. (tabelas em anexo)

Essa análise de “inteligência” mencionada não ser confundida com a produção de conhecimento como instrumento de gestão. A lista das atividades possíveis aos setores de produção e análise de informações eram: a) coleta e sistematização de dados; b) gerenciamento de base de dados; c) desenvolvimento de sistemas; d) suporte de sistemas; e) análises estatísticas; f) análise de inteligência; g) planejamento estratégico da instituição; h) apoio ao planejamento operacional; i) produção de mapas; e j) realização de cursos de capacitação.

Assim pode-se dizer que do total de 27 Unidades da Federação, dezoito delas disseram entre as suas atividades está a realização de “ análise de inteligência”. As respostas dessas dezoito unidades da federação estão distribuídas da seguinte forma:

 Na Polícia civil nos estados do: Acre; Distrito Federal; Minas Gerais; Rondônia; Santa Catarina; e Sergipe.

 Na Polícia militar nos estados do: Acre; Espírito Santo; Goiás; Mato Grosso do Sul; Paraná; e Santa Catarina.

 As secretarias de Segurança nos estados do: Acre; Alagoas; Amapá; Amazonas; Bahia; Goiás; Mato Grosso; Mato Grosso do Sul; Rio Grande do Norte; Santa Catarina e São Paulo.