• Nenhum resultado encontrado

Criança e construção de direitos

CAPÍTULO 3 OS PROCEDIMENTOS DA PESQUISA E A ANÁLISE DOS DADOS

3.2 Pesquisa de campo: depoimentos, emoções e sentimentos dos sujeitos

3.2.3 Os professores mediadores: conflitos e valores

3.2.5.1 Criança e construção de direitos

O interesse por estudar questões relativas à infância parte do entendimento de que suas condições são determinantes para a formação de um adulto emancipado, capaz de contribuir positivamente para a melhoria da sociedade em que vive. Dentre essas condições, citam-se as materiais, como, saúde, educação, habitação, dentre outras. Porém, acrescentam- se também condições de cunho ético, como, respeito e solidariedade no ambiente em que se vive.

Estudar sobre a criança é ter em vista que devido aos seus limites físicos e emocionais, não é ainda um ser independente na condução de situações de sua vida cotidiana e depende da figura do adulto para lhe proporcionar vivências diversas e situações de aprendizagem que levem à construção e respeito aos seus direitos. Sobre isso, delimitou-se o século XX, como período de análise para construção dos direitos da criança, por entender que foi uma época de grandes transformações sobre as formas de se compreender a criança e agir para com ela.

Pode-se considerar que em princípios do século XX, a concepção de criança no Brasil ainda estava muito próxima do ideal medieval de criança, época em que segundo Mattoso (apud LEITE, M., 1997, p.19), as crianças não eram nem percebidas, nem ouvidas, nem falavam, nem delas se falava. Devido à alta mortalidade infantil, pouco se sentia quando faleciam ainda em tenra infância, eram consideradas pouco mais que animais.

As crianças começavam a merecer um valor social quando tinham condições de exercer alguma atividade que auxiliasse no sustento da família, tal como ajudar os pais nas atividades da lavoura. Quando começavam a andar, já eram designadas para pequenas tarefas, sendo que dos 8 aos 12 anos, os meninos aprendiam um ofício e vestiam-se como adultos, comportando-se como eles. Assim, a criança era relegada a uma situação de omissão, abandono e violência diante de suas necessidades. Era compreendida como um ser incompleto, alguém que não chegou a ser.

Segundo Silva (2009, p. 27), nas sociedades ocidentais, ao longo dos períodos medieval, renascentista e princípios da Modernidade, houve lentas mudanças em relação à concepção de criança e de infância. No entanto, por volta do século XVIII, período de estabelecimento de um ideal burguês de família, os pais começaram a estabelecer uma relação de maior proximidade com os filhos, o que fez com que se tornassem mais gentis para com eles.

No Brasil, há uma assimilação desses valores, mas, não da mesma maneira. As crianças tinham a oportunidade de viver a infância de acordo com a sua classe social. Para crianças pobres e negras, a legislação, que em tese deveria ter a função de proteger, servia para discriminar a criança que não estivesse em conformidade com os padrões sociais da época.

No meio jurídico, considerava-se a infância a faixa etária mais suscetível à vadiagem e que por essa razão as mesmas deveriam ser controladas de perto (DAVID, 1997, p. 52). Essa mentalidade resulta na promulgação do Código de Menores – Decreto 17.343/A de 12 de outubro de 1927. Essa legislação coloca a criança na condição de bandidos em potencial, posto que, conforme a mesma, estando na faixa etária de 9 a 14 anos, eram passíveis de penalidade, pois, atestava-se a sua capacidade de “obrar com discernimento”.

Em contrapartida ao movimento conservador da legislação, o desenvolvimento e outras questões relativas à criança passam a ser objeto de investigação de estudiosos como Piaget, Vygotsky e Wallon, que trouxeram à sociedade descobertas a respeito das particularidades da infância, dando início a um processo de esclarecimento, que leva à compreensão de que um adulto é consequência do tratamento recebido quando criança.

Os três pensadores nasceram em fins do século XIX e viveram em um século (XX) repleto de mudanças e contradições, adotaram uma postura materialista e inovaram ao perceber a criança enquanto sujeito de saber, de conhecimento e de vontade. Conforme Smolka (2002, p. 115), a principal inovação foi compreender a sobrepujança do meio social sobre a natureza do desenvolvimento infantil. Esses conhecimentos resultam em nova visão a

respeito da criança e provocam novos estudos e elaboração de novas propostas de ações direcionadas aos menores, tal como a construção de creches, ainda que sob ponto de vista assistencialista.

Junto a esse princípio de mudança de mentalidade, tem-se como elemento importante o fato de ocorrerem duas grandes guerras de proporção mundial, ocorridas nos períodos compreendidos entre 1914-1918 e 1939-1945, o que fez com que a humanidade se organizasse de modo a proteger-se dessas catástrofes provocadas pelo próprio homem. Para atender a essa necessidade, no período pós-guerra, a Organização das Nações Unidas (ONU) promulga a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que se coloca como uma carta de intenções que traz referências aos direitos relativos à infância e à educação como um todo, influenciando as legislações dos países partícipes da ONU.

O reconhecimento das necessidades específicas da criança começa a se tornar realidade na década seguinte, em 1959, com a promulgação da Declaração dos Direitos da Criança, que parte do princípio de que “[...] em decorrência de sua imaturidade física e mental, precisa de proteção e cuidados especiais, inclusive proteção legal apropriada antes e depois do nascimento.” (ONU, online). Essa declaração baseia-se em 10 princípios que visam atender as necessidades da criança: recreação e assistência médica adequadas; distinção ou discriminação; garantia de nome e nacionalidade; alimentação; prioridade na recepção de proteção e socorro; crescer junto à família em ambiente propício ao seu desenvolvimento; proteção contra formas de negligência, crueldade e exploração e, por fim, proteção contra atos que possam suscitar discriminação racial, religiosa ou de qualquer outra natureza.

No Brasil, as discussões a respeito dos postulados dessa declaração não foram feitas de imediato. Situação que se agravou no período compreendido entre 1964 e 1985, quando o país viveu sob regime militar. Para as crianças e adolescentes, chamados menores, o governo militar reservou a promulgação do Código de Menores, em 1979, que também apresentava uma visão truculenta dos menores, em que a proteção era secundária no tratamento para com os mesmos. Contudo, na década de 1980, em momento de abertura política, quando a sociedade se manifestava para a efetivação dos seus direitos em todos os setores, as discussões sobre os direitos da criança foram retomadas e culminaram em conquistas para as crianças, conquistas estas referendadas na Constituição de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Nesse contexto, em que questões relativas à infância se tornavam uma preocupação mundial, é apresentado à sociedade em 13 de julho de 1990 o Estatuto da Criança e do Adolescente que, em substituição ao Código de Menores de 1979, vem

referendar os direitos dos mesmos. Conforme Silva (2009, p. 32), o E.C.A. não colocou fim à negligência, trabalho infantil, violência doméstica ou qualquer forma de abuso de pais ou educadores para com a criança. Quanto a isso, houve melhoras, mas, a sociedade ainda tem muito o que conquistar, principalmente no que se refere ao entendimento da legislação. Entretanto, constituiu-se como elemento intimidador em alguns casos, visto que, no momento presente, há autoridades responsáveis a quem denunciar legalmente.