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4.4 Crianças e Adolescente do Jangurussu: o contexto da violência sexual e os desafios do PAIR

O consumo, como vimos, é um forte motivador para que crianças e adolescentes do Jangurussu adentrem nos circuitos da exploração sexual. Muito embora é preciso que nós, também, articulemos este fator com outras questões tão complexas e que são presentes na vidas destas crianças e jovens. Retomemos então ao tema das desigualdades sociais, fazendo um recorte de gênero, de raça e geração e a sua articulação com a violência sexual infanto-juvenil.

Alguns dados trazidos pela pesquisa “Os sete sentimentos capitais: exploração sexual comercial de crianças e adolescentes” revela um pouco do perfil destas crianças e adolescentes em situação de exploração sexual no contexto de Fortaleza, que em sua maioria são: meninas, negras e pobres. O perfil destas crianças e jovens parece óbvio, já que a associação deste fenômeno com as desigualdades sociais, quase sempre, são vinculadas às condições de renda, raça/etnia e gênero. No caso dos meninos e meninas de Fortaleza esta realidade não é muito diferente, pois 45,7% dos entrevistados afirmam que a renda individual mensal de até 1 salário mínimo, 75,3% não frequentam a escola e destes 32,0% dizem estar fora dela há mais de 2 anos. Destas meninas e meninos 57,0% dizem ter o 1º grau escolar incompleto.

A maioria das vítimas de exploração sexual são meninas, 68,3%, embora o público masculino tenha crescido na pesquisa, eles aparecem como 31,7% dos jovens nas redes de exploração sexual. As meninas ainda são as que mais sofrem com este tipo violência. Quando a questão é raça/cor é predominantemente, 53,7%,

as que se dizem ser de cor morena, enquanto 8,8% se dizem de cor negra e 23,5% se dizem de cor branca.

É importante ressaltar também que as formas de violência no Brasil se iniciam muito cedo na vida destas crianças e adolescentes. Existe no País uma cultura de resolução de conflitos por meio da violência muito forte e a convivência com estas formas de resolução de conflitos, muitas vezes, inicia-se na infância. O público mais vulnerável é o feminino e, na maioria dos casos, esta violência se dá na própria residência onde deveria ser o lugar de maior proteção para este segmento. Segundos dados do mapa da violência: crianças e adolescentes (WAISELFISZ, 2012) revela por meio das análises das notificação de maus tratos registrados pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN42 – Ministério da Saúde,

que em todas as faixas etárias de <1 a 19 anos prepondera a violência no sexo feminino. Como podemos ver na tabela abaixo.

Tabela – 4: A tabela sobre o atendimento por violência no Brasil de crianças e Adolescentes de <1 a 19 anos

Sexo 1 1-4 5-9 10-14 15-19 TOTAL

Masculino 1.543 2.569 2.609 3.260 5.577 15.558

Feminino 1.658 3.113 3.076 6.895 8.922 23.664

Fonte: CEBELA, 2012, p. 67.

Outro dado evidenciado pelo mapa é que em todas as faixas etárias as violências acontecem, de forma preponderante, nas residências das vítimas. Diminui na faixa dos 10 aos 19 anos de idade, mas ainda assim quase 2/3 dos casos ainda acontecem nas residências. A partir dos 15 anos de idade começam a ter incidências nas vias públicas.

42 As notificações de violência doméstica, sexual e/ou outras violências foram implantadas no SIFAN, em 2009, devendo ser realizada de forma universal, continuada e compulsória nas situações de violências envolvendo crianças, adolescentes, mulheres e idosos.

Tabela – 5: A tabela sobre o local onde acontece de forma mais recorrente a violência contra Crianças e Adolescentes na faixa de <1 a 19 anos de idade no Brasil

Localidade da ocorrência 1 1-4 5-9 10-14 15-19 TOTAL Residência 1.812 3.884 3.787 5.567 5.991 21.041 Escola 29 140 325 696 373 1.563 Bar 27 10 19 116 458 630 via pública 207 241 442 1.518 3629 6.037 Outros 630 701 547 984 1194 4.056 Fonte: CEBELA, 2012, p. 67.

As principais formas de violências notificadas pelos Sistema Único de Saúde – SUS, que foram submetidas às crianças e adolescentes, prevalece a violência física, que concentra 40,5% do total dos atendimentos, principalmente na faixa etária de 15 a 19 anos de idade, onde representam 59,6% do total de atendimentos realizados nesta faixa de idade. Em segundo lugar, destaca-se a violência sexual, notificada em 20% dos atendimentos, com especial concentração na faixa etária de 5 a 14 anos de idade. Em terceiro, com 17% dos atendimentos a violência psicológica e moral. A negligência e o abandono foram motivos de atendimento em 16% dos casos com forte concentração na faixa de <1 a 4 anos.

Este dados apresentados são gerais, mas mesmo assim nos possibilitam visualizar a realidade de violências cometidas contra crianças e adolescentes que dão entrada nesta rede pública de saúde. É importante ressaltar que a prática de notificar maus tratos nos hospitais é recente e ainda é muito frágil, tornando estes dados passíveis de erros. Diante disso, também podemos constatar que no Brasil as crianças e adolescentes que utilizam a rede de saúde pública geralmente são pobres e que estão em contextos semelhantes ou próximos da realidade dos moradores do Jangurussu, imersas em uma violência que começa muito cedo em suas vidas.

Como podemos perceber a violência sexual, assim como outras formas de violência ocorre, desde muito cedo nas vidas de crianças em situação de pobreza. Estas violências se articulam entre as formas de violência como a física e a simbólica, como podemos ver na fala de uma criança moradora do Jangurussu. Quando perguntada “como é a vida de uma criança no Jangurussu?” a criança

respondeu: “É ruim porque não tem lazer! E a mãe bate muito!” (Grupo Focal Meninas do RAP, C. 10).

Esta violência contra as crianças e adolescentes do público feminino muitas vezes se estende até a vida adulta. Em 2009, 41 mil mulheres relataram terem sido vítimas de violência, segundo dados da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM) registrado na Central contra a mulher (ligue 180). Devido a todo este contexto no qual estão inseridas nossas crianças e adolescentes é que faz com que o fenômeno da violência sexual ou seus desdobramentos na exploração sexual seja tão complexo.

Segundo a Declaração de Estocolmo, o resultado do Congresso Mundial sobre a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, realizado na Suíça em 1998, denuncia como este fenômeno é complexo e necessita de uma ampla articulação com diversos fatores que favorecem estas práticas. Como podemos ver:

A exploração Sexual Comercial de Crianças é uma violação fundamental dos seus direitos humanos. Constitui-se em uma forma de coerção e violência contra as crianças, que pode implicar em trabalho forçado e formas contemporâneas de escravidão. São vários os fatores que contribuem para a exploração sexual comercial de crianças, dentre os mais complexos temos as disparidades econômicas; as estruturas sócio- econômicas injustas; a desintegração familiar; a questão da educação, consumismo; a migração rural-urbana; a discriminação de gênero; a conduta sexual masculina irresponsável; as práticas tradicionais nocivas e o tráfico de crianças. Portanto, a pobreza não pode ser considerada como o único fator determinante do fenômeno. Todos esses fatores aumentam a vulnerabilidade de meninas e meninos, frente àqueles que buscam utilizá- los para fins de exploração sexual comercial.”

Dentro deste contexto sócio, político e cultural que envolve a realidade do Jangurussu é que a violência sexual se constitui como um fenômeno que agrava a condição de vida e violenta a dignidade de muitas crianças e adolescentes. Diante deste contexto é que aparece o PAIR como uma política pública que adentrará nesta complexa realidade como um instrumento para enfrentar as formas multifacetadas desta violência. Nesta “avaliação em profundidade” (CARVALHO, 2007) do PAIR foi fundamental mergulharmos de “ponta cabeça” na compreensão do contexto em que a política está inserida. A partir desta circunscrição do Jangurussu será possível avançarmos para aprofundarmos o estudo, no sentido de compreendermos os impactos desta política nesta realidade que compreende o bairro. Nossa intenção

nessa pesquisa é perceber como o PAIR se constituiu no Jangurussu como uma política pública e como ela impactou nas instituições locais.

A razão de ser do PAIR é integrar e mobilizar a rede de instituições para o enfrentamento desta violência, empoderando os agentes públicos e sociais que atuam nas esferas institucionais locais. Nesse sentido, é fundamental para avaliarmos esta política percebermos seus dilemas e desafios para mobilizar esta referida e ampliada rede, que articula tanto o Estado e como a sociedade civil, na busca por uma transformação desta realidade de violências a que são submetidas muitas crianças e jovens neste País.

5 AVALIAÇÃO DOS IMPACTOS DO PAIR NO ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA