• Nenhum resultado encontrado

3 APRESENTAÇÃO DA POLÍTICA EM QUESTÃO

3.2 Concepção e trajetória institucional da política em questão: a história contada por quem a fez

3.2.2 Os fundamentos do Programa

Percorrendo documentos sobre a política pública em estudo: o PAIR, encontrei alguns dados e discursos oficiais que me ajudaram inicialmente a circunscrever onde se encontra o programa no campo institucional. Será importante compreender o que ele se propõem e qual é o seu espaço de atuação. Acredito que seja interessante, para uma boa avaliação, coletarmos de início o máximo de informações sobre o Programa, que nos dê pistas para compreender o seu lugar institucional, os seus discursos, os seus atores, as suas fundamentações teóricas,

17 Evento ocorrido nos dias 25 a 28 de novembro de 2008 no Rio de Janeiro, que congregou mais de 3.500 pessoas de 160 países, incluindo 137 delegações de Governos e representantes de agências internacionais.

normativas e metodológicas. Por meio deste processo investigativo lançamos luzes em busca de desvendar as tramas que compreende a realidade destas políticas públicas.

O PAIR é um Programa que surge em 2002/2003 na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República - SDH/PR, anteriormente vinculada ao Ministério da Justiça, que investida com status de ministério, no âmbito do Governo Federal, assume um papel de articulação interministerial do conjunto de ações políticas ligadas aos direitos humanos.

Em sua estrutura institucional a SDH/PR congrega a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente – SPDCA, que tem como missão, expressas em documentos oficiais, de coordenar a política de promoção, defesa e garantia dos direitos de crianças e adolescentes em âmbito nacional e interministerial. Neste ano de 2003, a SPDCA passa a contar com uma área específica para tratar do enfrentamento a violência sexual de crianças e adolescente. É neste momento que surge o Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual de Crianças e Adolescentes, que atualmente coordena importantes políticas como o disque 10018 e o PAIR.

Em decorrência das lutas pelo reconhecimento dos direitos de crianças e adolescentes, como já apresentamos anteriormente, momento quando os movimentos sociais evidenciam a complexidade da realidade e a violência sofrida por este público é que o Estado se defrontam com a necessidade de pensar ações e estratégias que deem conta de transformar esta realidade de violações. Em virtude desses vinte e dois anos após a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, há de se fazer esforços cada fez maiores e sofisticados, para incorporar nas políticas públicas brasileiras a visão trazida por esta legislação, da Doutrina da Proteção Integral. Afinal, o que quer dizer esta doutrina para nós, após esses vinte e dois anos de ECA? Esta pergunta será importante para compreensão do PAIR, já que esta política é fundamentada nesta doutrina.

O PAIR surge na necessidade de se construir uma política que se tece em conjunto, constituindo um ampliada rede de instituições, ações e atores, que

18 Serviço de tele-denuncia (100) vinculado da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República –SDH/PR, que tinha como proposta inicial receber denúncias de violações dos direitos sexuais contra crianças e adolescentes, atualmente o serviço se tornou o Disque Direitos Humanos, recebendo denúncias de todas as formas de violações destes direitos.

visem sua integração para superar as ações pontuais e desconectadas, algo muito comum na política pública brasileira. Como expressa numa de suas publicações:

O PAIR constitui-se em uma metodologia de articulação política e de intervenção de redes, assentadas na Doutrina da Proteção Integral da criança e do adolescente, tendo por base os eixos do Plano Nacional de Enfrentamento a Violência Sexual Infanto-Juvenil. A metodologia do programa foi construída e vem sendo desenvolvida consoante o artigo 86 do ECA, que prevê que a política de atendimento dos direitos da crianças e dos adolescentes „far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios‟ (PAIR, 2008, p.12).

A disseminação da metodologia deste programa se pauta no entendimento que o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes é dever do Estado, entendido como “ponto de confluência, de condensação de força entre as ações da sociedade civil organizada” (PAIR, 2008). Desta forma, o programa considera fundamental que, cada vez mais, atores de todo o Sistema de Garantia de Direitos19 se apropriem dos seus métodos e se

responsabilizem por cumprirem seus papeis na referida rede.

Um ponto que considerei interessante, para destaque, é que o PAIR entende que as experiências desenvolvidas no âmbito das políticas públicas devam ser permanentemente avaliadas, respeitando os contextos locais. Será que o programa tem avançado nos modelos de avaliação de suas ações? Para fundamentar essa prática, posta em evidência no Programa, as Universidades Federais e Estaduais foram sendo conferidas como lócus privilegiado no processo de implementação do PAIR, incorporando a função estratégica da disseminação da metodologia, das formações dos atores da rede, da produção de conhecimento e da avaliação das ações.

O conceito de violência sexual de crianças e adolescentes entendido pelo PAIR se constitui como uma violação dos direitos sexuais, porque abusa do corpo e da sexualidade, seja pela força ou outra forma de coerção, ao envolver crianças e adolescentes em atividades sexuais impróprias à sua idade cronológica, ao seu desenvolvimento psicossexual. Trata-se de toda ação na qual uma pessoa, em situação de poder, obriga outra pessoa à realização de práticas sexuais contra a vontade, por meio da força física, da influência psicológica ou do uso de armas ou

19 Ver resolução 113/07 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA.

drogas. Este conceito de Violência Sexual abrange fundamentalmente duas categorias bem complexas e com variadas ramificações: o abuso sexual e a exploração sexual. O abuso sexual segundo, Maria Lucia Leal na pesquisa: “Exploração sexual comercial na America Latina e Caribe”, compreende como:

[…] o abuso sexual pode se apresentar como intrafamiliar e extrafamilar. O abuso sexual é a utilização do corpo de uma criança por um adulto ou adolescente, para a prática de qualquer ato de natureza sexual, coagindo a vítima física, emocional ou psicologicamente. Geralmente é praticado por pessoa em que a criança ou adolescente confia, caracterizando-se pela relação de poder entre o abusador e a vitima, como alguém da família, professor, policial. Compreende atos libidinosos, até estupro. (LEAL, 1998).

A exploração sexual, segundo consta nos anais do I Congresso Mundial Contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças, realizado em Estocolmo na Suécia em 1996 publicou o consenso sobre este fenômeno que foi incorporado como referente conceitual pelo programa como:

A exploração sexual, por sua vez caracteriza-se pela utilização sexual de crianças e adolescentes com a intenção do lucro, seja financeiro ou de qualquer outra espécie, podendo haver a participação de terceira pessoa entre a criança e o adolescente e o usuário e o cliente. É por isso que se diz que a criança e o adolescente foi explorada e nunca prostituída, pois ela é vítima de um sistema de exploração comercial de uma sexualidade. A exploração sexual de crianças e adolescentes é compreendida através de quatro modalidades: prostituição, pornografia, turismo sexual e tráfico. (Instituto Interamericano Del Niño/OEA, 1996).

Para enfrentar este complexo fenômeno, que se configura na vida contemporânea brasileira e que é considerado pelo Estado como uma grave violação dos direitos humanos, o Governo Federal criou o PAIR. No site oficial20 de gestão do programa, o seu objetivo aponta para o desenvolvimento de uma metodologia de articulação e de fortalecimento de redes de enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes. Seus objetivos principais são:

1ª. Integrar políticas para a construção de uma agenda comum de trabalho, entre Governos, Sociedade Civil e Organismos Internacionais, visando o desenvolvimento de ações de proteção a crianças e adolescentes vulneráveis ou vítimas de violência sexual e tráfico para fins sexuais; 2º.Desenvolver metodologias exitosas de enfrentamento a violências sexuais contra crianças e adolescentes, que possam ser estendidas para

outras regiões brasileiras, a partir de ações referenciais de organização, fortalecimento e integração dos serviços locais, possibilitando a construção de uma Política Municipal de Proteção Integral a Criança e ao Adolescente, assegurada a participação social na construção dos processos. (site oficial do PAIR).

As estratégias do PAIR em síntese, independente de sofrer alguma alteração para atender as especificidades de cada município ou território deverá ser composta pelas seguintes etapas:

a Articulação Política e Institucional;

b Diagnóstico Rápido e Participativo (DRP);

c Diagnóstico Estrutural;

d Seminário de Construção do Plano Operativo Local (POL);

e Capacitação da Rede;

f Assessoria Técnica – Presencial e a distância;

g Site;

h Monitoramento e Avaliação dos Pactos com a Sociedade.

Nesse sentido tentarei desvendar quais foram os impactos e os desafios que este programa trouxe para o enfrentamento da violência sexual em tempos contemporâneos, no contexto de Fortaleza, metrópole nordestina que desponta como um território onde a exploração sexual vem atingindo índices crescentes e, mesmo, alarmantes. Buscarei perceber como esta estratégia de integração das políticas públicas, da sociedade civil e de organismos internacionais se dá para o desenvolvimento de ações de proteção a crianças e adolescentes em situação de exploração sexual ou abuso. E como o Programa é compreendido pelos atores envolvidos, sejam eles agentes das políticas, ou atendidos pelas políticas será necessário conhecer a trajetória institucional do PAIR na cidade de Fortaleza. Farei isso a partir das narrativas dos seus gestores no município e da exaustiva análise dos documentos oficiais do Programa. Isso nos dará uma base sólida para compreendermos seus impactos.