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Foi neste pensar, neste “fazer escola”, que o grupo resolveu, além dos encontros semanais de planejamento coletivo, encontrar-se quinzenalmente em outros encontros específicos para estudar pedagogia, na busca de uma formação em educação. A formação que perseguíamos é refletida por Freitas no prefácio em Pistrak:

(...) A formação supõe educação e a instrução. A educação é dona de um raio de ação mais amplo onde o meio, natural e social, é a linha estruturante (onde o trabalho é a base da vida). A instrução tem um raio de ação mais limitado ao conhecimento e as habilidades. Categorias como cultura, trabalho, atualidade, autogestão, desenvolvimento multilateral, movimentos ou organizações sociais, fazem parte da educação. Categorias como conhecimento (que nós adjetivamos sob o capitalismo de “escolar”), complexos de ensino, didática, métodos e técnicas fazem parte da instrução. Estes dois campos não se separam, e trabalham integralmente sob a batuta dos objetivos da formação humana. (2009, p. 80).

Na Brilho do Cristal educação e instrução estiveram sempre juntas, mesmo com

alguns limites. A idéia de fazer uma escola diferente, comunitária, com base no trabalho coletivo, levou o grupo a trabalhar integralmente, a vivenciar uma escola além da instrução. O mergulho na tarefa de construir uma escola nos fez perceber que as funções não estavam isoladas. A luta inicial em organizar as diretrizes pedagógicas da Escola exigiu do grupo paciência, irreverência e, sobretudo, estudo.

Como não éramos pedagogas nossas referências teórico-pedagógicas eram poucas. Sabíamos de Paulo Freire, de sua participação na educação popular e este foi uma referência imediata. Iniciamos nosso grupo de estudo com sua obra “Educação como Prática de Liberdade” (1999), o que nos levou a experimentar o trabalho pedagógico a partir do “Tema Gerador” que “percorria” as diversas disciplinas.

Além de Paulo Freire também tivemos outras influências teóricas, como: Rudolf Steiner com “A Pedagogia Waldorf” (1979), que foi explorada nos dois primeiros anos da escola nas turmas de alfabetização; Madalena Freire com “A Paixão de Conhecer o Mundo” (1983), que foi de grande importância para a compreensão e organização dos trabalhos na educação infantil e Viola Spolin com “Improvisação para o Teatro” (1992) que embasava nossas aulas de teatro. Como procurávamos trabalhar com a realidade circundante e com a possibilidade de superar a escola tradicional, optamos por não trabalhar com o livro didático e sim com a realidade a partir do “Tema Gerador”. O livro didático foi utilizado apenas como suporte para a organização dos conteúdos. Não nos limitamos aos conteúdos obrigatórios, fomos além deles, a exemplo da educação ambiental e da arte-educação que, na época, não

faziam parte do currículo em ação das escolas públicas das séries iniciais, especialmente na área rural. Enfim, construíamos nosso currículo com os sujeitos da Escola, no próprio fazer pedagógico, experimentando uma prática descrita por Freitas em Pistrak:

(...) não se “parte da prática” pois estamos o tempo todo na prática social e mesmo quando estamos na escola isso deveria ser assim, já que ela faz parte, e seus estudantes também, desta própria prática. Portanto, as contradições da prática social devem estar presentes na escola - como atualidade e como auto-organização. (2009; p. 78).

De fato, nesta época, o grupo de educadores da Brilho do Cristal, a partir das necessidades da Escola, exercitava sua auto-organização em busca de sua própria formação, tendo a realidade, a prática e a reflexão das ações pedagógicas, enfim, a práxis, como sua principal referência. Nesse processo usufruíamos da nossa autonomia pedagógica: experimentávamos, errávamos e acertávamos. Assim a formação era constante e esta era o grande retorno para todos nós que ali vivenciávamos a educação na Brilho do Cristal.

Inicialmente, o nosso principal diferencial pedagógico era que procurávamos usar metodologias criativas e participativas. Nesse sentido pedíamos às crianças para escrever relatórios da maioria das atividades pedagógicas. Estes relatórios eram lidos, pelas crianças, em voz alta, e as suas correções eram feitas de forma coletiva, uma criança ajudando a outra, e suas reescritas também eram feitas em sala e coletivamente. Estes relatórios eram concebidos inicialmente como ferramenta metodológica para estimular a escrita e leitura, mas a experiência nos levou a enxergar nestes relatórios a possibilidade de exploração de conteúdos de diversas áreas de conhecimento.

Outro instrumento metodológico, nesse contexto, foi a arte, que possibilitou, além do exercício criativo, o diálogo entre as várias disciplinas. Nesse processo experimental, de criatividade metodológica, os registros das atividades eram realizados através de poesias, teatros, pinturas, maquetes, entre outras expressões, tornando o ensino através da arte uma das principais marcas pedagógicas da Escola.

A diversidade profissional do grupo e a inexistência de uma coordenadora pedagógica possibilitaram a liberdade para experimentar e aprender como pedagogicamente se faz uma escola. Ali se dava a formação, em todas as ações daquele espaço “escola”. Eu, particularmente, trazia o teatro, e com este pude experimentar processos metodológicos de ensino. Inicialmente, como as crianças nativas não conheciam o teatro, trabalhamos com pequenas improvisações nas quais eu atuava como atriz juntamente com as crianças como forma de incentivá-las a superar a timidez. Mais tarde, com a fluência do teatro, este se tornou

um mediador dentro da Escola, unindo as diferentes disciplinas, resultando nas nossas primeiras experiências interdisciplinares.

Para compreender como o teatro se tornou um forte mediador na aprendizagem das crianças na Escola vale relatar uma experiência pedagógica significativa, quando um grupo de crianças sugeriu fazer um bolo por ocasião do dia das mães. Todos rapidamente se organizaram na contribuição dos ingredientes do bolo e devido ao princípio de alimentação saudável que tínhamos na Escola precisávamos comprar rapadura para o bolo. Como não tínhamos o dinheiro para comprar rapadura uma criança afirmou que sabia fazer melaço. Rapidamente uma outra criança falou que na roça de seu pai tinha cana, em seguida uma outra falou que no seu quintal tinha moenda para tirar o caldo da cana e assim o grupo, empolgado com a idéia, resolveu fazer o melaço do bolo. Marcamos o dia de fazer o melaço e saímos cedinho para a roça, cortamos a cana, moemos, com três pedras no chão fizemos o fogão, cozinhamos o caldo e fizemos o melaço.

No outro dia fizemos o bolo e a satisfação do grupo diante da produção foi tanta que veio a vontade de compartilhar. As crianças propuseram transformar o relatório da atividade em uma peça de teatro e então, na festa do dia das mães, apresentaram a peça “O Bolo do Dia das Mães”. Naturalmente as lágrimas rolaram. Por mais ou menos quatro anos vivenciamos a produção teatral “O Bolo do Dia das Mães” com o melaço feito pelo grupo. Essa foi uma das