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Crise da Educação Contemporânea

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Capítulo 2 Educação para um Futuro Possível

2.1. Crise da Educação Contemporânea

A sociedade humana vive hoje um momento histórico indefinido de riscos inquietantes na perspectiva da sustentabilidade, o que caracteriza um período de crise. Para Santos Neto (2005), existe uma espécie de consenso entre pesquisadores e pensadores contemporâneos sobre estarmos vivendo um especial tempo de crise, um intenso período de mudanças e transformações. O dicionário Houaiss da Língua Portuguesa apresenta algumas definições do verbete crise que mostram caminhos para o sentido aqui empregado. No aspecto econômico, o dicionário define: “grave desequilíbrio conjuntural entre a produção e o consumo (...)” ou “fase de transição entre um surto de prosperidade e outro de depressão, ou vice-versa”. Para a sociologia é apresentada como: “situação socioeconômica repleta de problemas; conjuntura desfavorável à vida material, ao bem-estar da maioria”. Sinais objetivos dessa situação são facilmente observáveis, quando analisamos as bases do desenvolvimento ao qual o mundo ocidental fundamentou seu crescimento. O crescimento desenfreado das populações, a exploração desordenada dos recursos naturais, a crescente desigualdade social, a disseminação da pobreza e da miséria, o consumismo.

Na dimensão dos sintomas (subjetivo), o comprometimento da condição humana expressa-se pelo isolamento das pessoas, pelo enfraquecimento das relações humanas e pelo exercício questionável da cidadania. Neste sentido, Santos Neto (2005) afirma que “vivemos um momento paradoxal: ao lado de grandes avanços impulsionados pela ciência e pela tecnologia, temos grandes ameaças à construção de uma existência plenamente humana para todos”. Entretanto, sobre a etimologia da palavra crise, o mesmo dicionário traz: “ação ou faculdade de distinguir, ação de escolher, decidir, julgar, (...) separar, decidir (...) discernir”. Dessa forma, o período de crise pode ser entendido como um momento de reflexão com vistas à transformação do problema em novos caminhos em busca de novas soluções. Em outras palavras, “momentos de crise são, portanto, momentos de purificar, depurar, limpar, separar aquilo que ainda vale daquilo que não vale mais e precisa ser jogado fora” (Santos Neto,

2002, p. 22). Da necessidade de novas respostas para as exigências da vida deriva o avanço e desenvolvimento da sociedade.

A crise que o mundo vive atualmente também se reflete no contexto da educação. A crise da sociedade contemporânea reflete em um cenário educacional que tende a reproduzir o que está posto na perspectiva da perpetuação desta situação. A escola constitui o espaço historicamente concretizado para o desenvolvimento do processo educativo, porém não o único. Inserida em uma realidade socialmente injusta, economicamente perversa e ambientalmente insustentável, a educação tende, como já colocado, a reproduzir esta situação. Em um mundo essencialmente materialista, em que os valores individuais se sobrepõem aos valores coletivos, cuja realidade quantificadora, dualista dá mais valor a matéria do que a mente e ao corpo do que à alma10, os processos educativos são questionáveis. A educação que se desenvolve neste contexto pode determinar sérias implicações sobre a formação das novas gerações e para o futuro da humanidade.

Paulo Freire (2005, p.65), chama de concepção bancária da educação os processos meramente reprodutores do mundo sem qualquer tipo de reflexão. Para Gadotti (1996, p.720) a educação bancária é domesticadora, porque o que busca é controlar a vida e a ação dos estudantes para que aceitem o mundo tal como este é, proibindo-os desta forma que exercer seu poder criativo e transformador sobre o mundo. Nesta concepção de educação, aparece o caráter narrador-dissertador, “quase morto” (Freire, 2005, p.65), o educando surge como um objeto que recebe pacientemente tudo aquilo que o sujeito educador narra. Caracteriza-se como uma forma de educação alheia a experiência existencial das partes integrantes do processo. A palavra fica vazia da sua dimensão concreta, sem sua devida força transformadora, só com sonoridade. O educando assume o papel de depositário dessa palavra proferida pelo educador que, por sua vez, é fruto dessa mesma educação. Não há criatividade, não há transformação, não há saber (Freire, 2005, p. 67). O saber, na perspectiva bancária da educação, assume o caráter de doação fundada na ideologia dominante e opressora, que nega o processo de busca. Nessa situação, o educando reconhece sua ignorância diante do educador e

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A palavra alma é aqui empregada no sentido da dimensão subjetiva do ser humano, que anima a vida na totalidade. Do latim: anima = alma.

limita-se a receber depósitos e transferências de valores e conhecimento. Entende que deve se adaptar ao mundo sem considerar a possibilidade da transformação e agracia (mesmo que ingenuamente) o interesse do opressor de deixar o mundo como está.

Freire (2005, p.68) afirma ainda que quanto mais estimulados os educandos forem no arquivamento dos depósitos, tanto menos desenvolverão sua consciência crítica da qual resultaria sua inserção no mundo, no papel de transformador. E continua caracterizando este tipo de educação de forma fragmentada e dicotomizada, reservando para cada um dos envolvidos no processo, lugares e funções fixas, estanques e imutáveis:

- O educador é o que educa; e educandos, os que são educados;

- O educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem;

- O educador é o que diz a palavra; os educandos, os que escutam docilmente;

- O educador é o que disciplina; os educandos, os que são disciplinados;

- O educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais ouvidos nesta escolha, se acomodam a ele; - O educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos, meros objetos. (2005, p. 68).

A concepção bancária de educação reduz o potencial criativo, questionador e transformador inerentes à condição humana. Nega a possibilidade da busca permanente do ser humano consciente de sua incompletude, de seu inacabamento.

Esta educação que coloca impedimentos na construção dialógica do ser, que freia a criatividade e impõem uma visão única de mundo, é prescrita por uma elite opressora que possui interesses na dominação. Para isso, esta classe dominadora possui recursos e artifícios para manter a opressão e negar a práxis das massas. A ação opressora, antidialógica, obstaculiza a comunicação e proíbe as pessoas do povo de serem sujeitos de sua própria história. É baseada na manipulação sutil de forma que os oprimidos não percebem claramente este jogo. Invade a cultura, desrespeita as potencialidades humanas, impede a inserção crítica na realidade. Tem nas

instituições, inclusive nas de ensino (ou talvez, principalmente nessas!), agências “docilizadoras” de corpos e mentes. Estabelece pactos (pseudodiálogos) com a finalidade de anestesiar as massas e dividi-las para manter a opressão. A união dos oprimidos é entendida como ameaça à dominação e freada pelos opressores, mesmo que para isso seja necessário o uso da força com o objetivo de ilhar pessoas e desarticular qualquer movimento popular. A ação necrófila da elite opressora deseja invadir, pilhar, conquistar e dominar o povo, a sociedade e o mundo.

Do outro lado desta realidade, está o educando. Crianças, jovens, homens e mulheres que depositam na educação sua confiança e suas possibilidades. Enxergam-na como o caminho para sua formação, para sua inserção no mundo. A prática do cotidiano escolar confirma esta afirmação. Todos os anos famílias confiam seus filhos à escola com a esperança de sua formação e acreditando na possibilidade da transformação das crianças em pessoas aptas para a sociedade, preparadas para a vida. Nesse sentido, Freire (2005, p.85), considera que os homens têm a consciência da sua inconclusão e que aí se encontram as raízes da educação como manifestação humana. Em outras palavras, educar, em qualquer contexto ou modalidade, faz parte da condição humana no sentido de sua formação. Porém, na realidade da escola, especialmente da escola pública (a qual todos têm o direito de freqüentar), a situação encontrada nem sempre favorece ou vem ao encontro das expectativas (ou esperanças) das famílias. Os educadores também são educados e formados no contexto da opressão. E, ainda que inconscientemente, muitas vezes, reproduzem esta situação e contribuem para sua manutenção.

A educação que temos hoje se dá nesse contexto. Intermediada por diversos fatores que compõem a condição humana, influenciada por interesses neoliberais de elites dominadoras, conduzida por pessoas formadas no contexto da opressão, na perspectiva de construir homens e mulheres livres e preparados para a vida. A realidade educacional brasileira contemporânea é composta por uma trama de fatores em interação dinâmica que contextualizam a educação em uma dimensão complexa.

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