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2.1 MÃE-FILHA E SEUS DESTINOS

2.1.2 Crise da menina

Freud em 1925, na primeira retomada do Édipo feminino, estabelece três diferentes caminhos que a menina poderia adotar na resolução de seu complexo edípico, a partir da demanda que ela dirigia ao pai. O primeiro caminho de resolução da

assim, aceitar sua falta. Para Freud (1925a/1996), esta seria a saída mais adequada para a feminilidade. O período intenso desse tipo de resolução é justamente o reconhecimento da falta expressa pela fórmula freudiana, que deixou um formidável registro na psicanálise: “No ato forma-se seu juízo e sua decisão. Viu isso, sabe que não tem e quer tê-lo” (p. 318)

Zalcberg (2003) explica melhor que nas outras duas soluções tomadas pela mulher, Freud verifica perseverança na demanda dirigida ao pai, sugerindo que a virilidade recalcada (conservada no inconsciente), regressa e desequilibra o desenvolvimento da vida sexual da mulher.

O segundo egresso do complexo de Édipo feminino para Freud (1925a/1996) estabeleceria uma saída neurótica edificada na “esperança de receber alguma vez, apesar de tudo, um pênis, igualando-se assim ao homem.” (p.316) Aqui, a mulher se segura firmemente à masculinidade que tanto deseja. A utopia de ser, sobretudo um homem, permanece tendo valor considerável em sua essência. Em 1931, Freud argumenta que o complexo de masculinidade pode levar uma mulher à opção de objeto homossexual. Zalcberg (2003) nos esclarece que “a ambiguidade sexual formulada por Freud pela vertente do imaginário torna-se simbólica quando se apresenta como a metáfora do sintoma histérico” (p. 40).

A terceira saída no destino da mulher é intrigante, segundo Freud (1925/1996). Esta vai de uma reação de recusa peculiar da solução anterior, “eu não quero ser mulher”, para uma renegação “eu sou uma mulher num corpo de homem.” (p. 314) Nesse recurso, Freud cogita uma saída pela psicose, por se abordar aqui uma renegação de sua categoria feminina: “A menina recusa-se a aceitar o fato de sua castração, se afirma e acalenta a convicção de que possui um pênis, e se vê compelida a comportar-se em seguida como se fosse um homem.” (p. 314)

De acordo com Morettin (2002) a menina, por não ser dona do falo (objeto valioso), sente-se desprivilegiada, outra vez traída pela mãe, como já fora no desmame. Destarte, ao deparar-se com a percepção das diferenças sexuais ela averigua que foi novamente prejudicada: sua mãe não lhe deu o falo, como já não tinha lhe dado o seio de forma satisfatória, o que só reforça sua antiga convicção – a de que sua mãe não lhe deu porque não a ama. Assim, é reatualizado o ódio vivido no desmame. Em uma segunda ocasião, a menina constata que a sua mãe também não tem o falo, o que a faz, imersa no ódio, separar-se dela e se direcionar ao pai, que, por amor, pode lhe dar este bem tão valioso na forma de um filho.

Diante do exposto, pudemos perceber que a crise da filha em separar-se da mãe esclareceria a expressão de uma trama profunda entre as duas “o resultante ressentimento por essa relação exclusiva da qual a filha não consegue se desentranhar. É compreensível que Freud considerasse a relação intensa da menina inacessível à análise tal qual uma civilização arcaica soterrada sob a civilização.” (Zalcberg, 2003, p. 47)

Desde a terna obediência até as reclamações impiedosas, os conflitos de mãe e filhas parecem excessivos. Freud (1932/1996) questiona o quanto os primeiros investimentos de objeto são em geral ambivalentes em alto grau; já que junto ao amor intenso está sempre presente uma inclinação agressiva, e quanto mais apaixonadamente a criança ama seu objeto, tanto mais sensível se tornará para os desenganos e recusas de sua parte. (p. 153)

A relação da menina com a mãe, sobre a qual Freud nos expõe aspectos difíceis, tem efetivamente todas as descrições de uma relação passional na qual elas não conseguem localizar saída a não ser, em muitos casos, em termos de ruptura. O exercício da atividade analítica versa restituir o movimento obstruído do que Freud

raiva, contribuindo para que a filha em relação à mãe a ajude a afastar-se da mesma. Trata-se de um sentimento que necessita, assim como toda paixão, ser constantemente reproduzido. Em suma, o ressentimento afasta, mas não acalma a relação de uma filha com sua mãe.

Ocariz (2002) menciona Jean Bergés para falar do conceito de mãe pré- especular, o qual se refere diretamente à relação mais ou menos conflitiva da mãe com o real do corpo de seu filho, relação em que está em jogo o imaginário de seu próprio corpo, de sua própria fantasmática e em que é levada em consideração a questão do gozo experimentado. A esse respeito, “poderia a mãe demonstrar abnegação suficiente para poder trocar um eventual gozo por um outro gozo fálico fora-corpo, fora do real do corpo?” (p. 283) Uma troca assim põe em jogo, por sua vez, o funcionamento do corpo, por um lado, em suas funções tônico-motoras, e, por outro, em suas relações com os orifícios. A função participa disso, no entanto, não apenas por aquilo que a mãe pode encarnar mas pela falta que ela se especifica, pela hiância constitutiva da marca de seu desejo pelo filho.

A partir do lugar fundamental que esta relação mãe-filho ocupa na estruturação do sujeito psíquico, abrem-se dois possíveis caminhos problemáticos, de acordo com Ocariz (2002). O primeiro é o poder excessivo da mãe e o segundo é quando a alienação faz falta, quando o investimento desejante que a mãe faz em seu filho não é suficiente para que a criança se desenvolva. As crianças autistas, na impossibilidade em que se encontram de constituir uma relação qualquer com um semelhante – nem que seja de alienação – situam-se necessariamente num tempo lógico anterior à constituição do estágio do espelho. A mãe ou substituto que exerça a função materna é o agente real no ato simbólico que permite a constituição da imagem especular enquanto tal. As falhas

concernentes ao Outro dificultam a instauração de um lugar simbólico onde este possa se constituir.