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A a t u a l c r i s e e c o n ô m i c a d o c a p i t a l i s m o < J - o > e x i g e a d e f i n i ç ã o d e u m s e n t i d o c o m u m p a r a a s p r á t i c a s p o l í t i c a s :

Sobre a questão do discurso dos direitos husanos e das ncrsas prograsáticas coso forsa

retórica de leqitisaçâo e sanutençâo do capitalisso vide o artigo intitulado "0 discurso dos direitos husanos coso veiculo da dosinaçâo exercida pelos países centrais", de Horácio Sanderlei Rodrigues {1989}. Nesse texto tasbé® podes ser encontrados usa série de-outros dados estatísticos sobre a realidade brasileira, principalsente na década de 80.

<10) Reconhece-se que a crise do capitalisso apresenta peculiaridades regionais, levando-se es

consideração as diferentes situaçfies dos países desenvolvidos e dos periféricos (es

desenvolvisento e subdesenvolvidos). No entanto ela é sundial, só podendo ser cospreendida e analisada na sua totalidade e devir - dialeticasente. Es função disso prefere-se neste trabalho nSo entrar no seu detalhasento ou setorizaçSo.

"... o que está em jogo nâa é a p e n a s um outro 'impasse', mas sim as p róprias m e t a s da sociedade. A s o l u ç ã o não reside num ou nout r o p r o g r a m a económico.

0 que falta s o l u c i o n a r é a hegemonia p o l i t i c o - c u l t u r a l (direção po lí t i c a que se c o n c r e t i z a r á a t r a v é s duma réforma e c o n ô m i c a ). 11

(Lechner, 1979:24)

Numa s i t u a ç ã o em que e s t ã o em crise as pr ó p r ia s metas s o c i a i s e em que falta definir a d i r e ç ã o política a ser tomada,

o s d i r e i t o s s o c i a i s são recu p e r a d o s como j u s t i f i c a t iva da

c o n s t r u ç ã o do capital sobre o conjunto da sociedade,, tendo em vi s t a c o n s t i t u í r e m uma r e p r e s e n t a çã o legitima das a s p i r a ç â e s da comunidade. Ao a p r e s e n t á- l o s como um dos o b j e t i v o s da política e c o n ó m i c a o c a p it a l i s m o busca responder à crise de legitimidade

» • • ’<*.•

(política). 0 o b j e t i v o ê o de restituir a c o e s ão saciai através d a i n t e g r a ç ã o do sistema capitalista por in t e r m é d i o de um o b j e t i v o comum.

Uma das questcíes centrais está na direção política a ser tomada. Isso é perceptível na situação con t e m p o r á n e cá dos põiSGS l a t i n o - americanos. As práticas dos regimes a u t o r i t á r i o s e ' t o t a l i t á r i o s de governo, em nome da d e n o m i n a d a s e g u rança nacional è do bem comum das populações, parece n ã o poderem mais ser sustentadas. Sem elas as elites tem de e s t r u t u r a r novas . f o r m a s de dominação, mais sofisticadas.

A e s t r a t é g i a dos regimes militares serviu num d e t e r m i n ad o m o m e n t o da história em que o d e s e n v o l v i m en t o econômico legit i m a v a o sistema político e e ncobria a d o m inação capitalista. Mas a ineficácia d e senvolvimèntista e o fim do p e r i g o comunista colocaram abaixo essa estrutura. Agora à crise e c o n ô m i c a som a -s e a crise política.

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sociedade, se en c o n t r a nó centro de uma crise de legitimação como a define H a b e r m a s (1980) - pela qual passa o capitalismo.

O

E ela o resultado da m u t a ç ã o o c o r r i d a no E s t a d o e na s o c i e d a d e civil no capitalismo tardio e nas relaçües entre ambos.

No interior dessa crise a funç ã o a t r i b u í d a ao Dire i t o è dupla: (a) deve o f e r e c e r uma leg i t i m i d a d e pelo p r o c e d i m e n t o .

Esta se efet u a através do d i s c u r s o da legalidade que most ra o formal i s mo p r ocedimental como d e f i n i d or da leqitimidade das decisões; e (b) deve repre s e n t a r e legitimar um consenso sobre os o b j et i v o s sociais.

Exemplo do primeiro caso ê o processo judicial. Nele, ♦

a tra v é s da e f e ti v a ç ã o das f o r m a l i d a d e s legais, tem-se a legitimação de um ato pelo s i m p l e s cumprimento de um d e t e r mi n a d o r i t u a l . 0 fato de todas as partes e n v o l v i d a s possuírem os mesmos dir e i t o s formais o mite que, efetivamente, essa igualdade processual não e x i s t e em razão das d i f e r e n ç a s sociais, econômicas, culturais e políticas que podem ser e n contradas entre os interessados. Ou seja, todos são livres e iquais para buscarem a r e a l i z a ç ã o da justiça. Mas de fato algu ns sâto mais iguais do que outros. A legitimação pelo procedimento busca omitir essa realidade, entre outras.

Outro exemplo e n c on t r á - s e no procedimento democrático. Este se caracteriza pela i n s t a u r a ç ã o do estado de Direito, no qual pela i n s t i t u c i o n a l i z a ç ã o d os direitos civis, p o l í t i c o s e sociais, há uma t r ansferência da solução dos conflitos soci a i s

para o sistema político. As liberdades e garantias individuais.

somadas às eleiçfies dire t a s e periódicas, com a p a r t icipação "das mais d i v e r s a s correntes ideológicas, legitima o poder e s t a b e l e c i d o (e c o n s e q ü e n t e m e n t e o s i s t e m a e c o n ó m i c o a ele subjacente). Os c o n f l i t o s de classe p a ssam a ser vistos como questões p o l i t i c a s (e nio s ó c i o - e c o n ó m i c o s ) que podem ser resolvidos a t r a v é s da democracia. E d e n t r o d e s s a não há por que falar em revolução, v i s t o que ela a p r e s e n t a os m e c a n i s m o s de p r o c e dimento pelos quais pode-se a t i n g i r a solução dos problemas. Os g r u p o s que buscam d e m o n s t r a r o processo de alienação p r o v o c a d o pelo sistema s ã o a c u s a d o s de s u b v e r s i v o s e a n t i d e m o c r á t i c o s .

Com rela ç ã o à segunda função a t r i b u í d a ao Direito, no interior da. crise de legitimação do capitalismo, tém-se como exemplos os d i r e i t o humanos e as n o rmas programáticas. Ambos representam um p a r â metro geral de a s p i r a ç õ e s sociais, d e ntro do

qual podem os indivíduos colocar licitamente suas

reivindicaçíSes particulares. E a v i n c u l a ç ã o da r ealização desses d i r e i t o s e normas a um d e t e r m i n a d o regime político, sistema e c o n ó m i c o ou estrutura legal a caba por legitimar a estes atra v é s daqueles, sem que haja uma relação n e c e s s á r i a entre os mesmos.

C o n t e m p o r a n e a m e n t e esse parâmetro geral tem i n cluído os direitos civis, políticos e sociais, mas com uma d i f e r e n ç a palpável de grau. Os direitos e g a r a n t i a s i n d i v i d u a i s e direitos po l í t i c o s se têm feito a c o m p a n h a r de m e c a n i s m o s jurídicos que permitem, com certa eficácia, r e iv i n d i c á - l o s perante o Estado. tl2) Já os direitos c o le tivos - sociais.

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económicos e c u l turais - tèm aparecido, no estado de d i r e i t o d e m o c r á t i c o -1i b e r a l , como m e r a s n o r m a s program á t i c as ' às quais

O

não tem a c o mp a n h a d o n e nhum remédio legal que possibilite de forma eficaz a cobrança j u r i d i c a de sua materialização. U S )

De certa forma pode-se d i z e r que o Direito aparece como um dos instrumentos q u e ' d e n t r o d e s s a s o c i e d a d e plural, complexa e em crise são u t i l i z a d o s pelo E s t a d o para omitir e encobrir as diferenças sociais, econômicas, políticas -e culturais existentes. Ou seja, ele é uma das formas de controle u s adas para legitimar, atr a vé s de n o rmas positivas e p r ocedimentos formais, e m b a sados re to r i c a m e n t e na igualdade e na liberdade, a existência de uma so c i e d a d e real desigual e autoritária, bem como pára, através das normas pro g r a m á t i c a s e dos d i r e i t o s humanos, gerar a e x p e c t a t i v a da constr u ç ã o de uma so c i e d a d e justa e democrática.

Essa tentativa de u t i l i z a ç ã o da instância juridica como um dos mecanismos de s o l u ç ã o da crise apenas a amplia, reforçando a crise do prâprio Direito. Isso ocorre devido à sua

i n s u ficiência como instrumento capaz de solucioná-la, somado ao

fato de que a sua d e s v i n c u l a ç ã o em relação à realidade social e ás suas práticas gera como conseqüência uma crise de

legitimação do próprio Direito.

0 ensino jurídico de g r a d uação no Brasil contemporâneo é o

<12) Exesplos clássicos disso sàc c Habeas Corpus e o fiandado .de Segurança.

tis> fi Constituição Federal de 19B6 criou o Mandado de InjunçSo buscando suprir ei parte esta

la cu n a. Ho entanto o STF • tei feito dele letra sorta. Há tasbés a fiçSo Civil. Publica, -

utilizável pelo Ministério Público, e o Kandado de Segurança Coletivo, utilizável pelos Partidos Políticos e Organizações Sindicais. (Ias estes úl-tiaos institutos-r.So podes .ser

acionados diretasente -pela população, dependendo portanto da vontade (política) das

e n s i n a desse d i r e i t a em crise. Com isso é n e c e s s á r i o salientar q ue seus problemas tem a ver com a crise geral pela qual passa o p a i s e o mundo. De certa forma p o d e - s e afir m a r que eles s o m e n t e serão integra l m e n t e c o m p r e e n d i d o s e n q u a n t o instância desta.

Vive-se dentro de um paradigma de s o c i e d ad e que possui a l g u m a s c a r a c t e r i st i c a s observáveis: o liberalismo como i d e o l o g i a e o c a p italismo i n t e r v e n c i o n i s t a como prática e conómica, ambos e m b a sados em uma v i s ã o c o n s e r v a d o r a do mundo. Em o u tras palavras, uma s o c iedade baseada e estruturada, em nivèl simbólico, d e ntro de um d e t e r m i n a d o racionalismo - o

*

1 i bera 1-“-legal . Com a crise de l e g i t i m a ç ã o d e s s e paradigma o s i s t e m a e seus s u b sistemas - entre os q uais o jurídico e o educa c i o n al - estão se d e s e s t r u t u r a n d o .

Na fase de c onstrução da modernidade, na qual se e n contra a i n d a pelo menos o terceiro mundo, p r o b l e ma t i z a d a no contexto d e s s a crise de legitimação, o ensino j u r í d i c o vigente funciona c o m o uma forma de r eprodução da dominação, pois está ligado a um Dire i t a e a uma visão de mundo que a j udam a mantê-la.

E necessário levar-se em conta que n ão basta ao ser humano o a t r i b u t o da liberdade. Há um imperativo maior: a própria c o n d i ç ã o de u sufruir dessa liberdade - a posse de condição s ó c i o - e c o n ô m i c a capaz de admiti-lo como pessoa humana. 0

d i s c u r s a internacional emitido pelos países capitalistas d e s e n v o l v i d o s e reproduzida internamente pelos grupos d o m i n a n t e s dos países periféricos cala essa premissa fundamental. Omite que:

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d e s i g u a l d a d es , a libert a ç ã o dos d i s c r i m i n a d o s e a l e g i t i m a ç ã o de um poder volt a d o aos oprimidos e x i g e m m uito m a i s do que o sim p l e s reconh e c i m e n t o constit u c i o n a l de (...) d i r e i t o s pelos n ovos legis.ladbrês e do que o r e c o n h e c i m e n t o moral das- l iberdades de r e s i s t ê n c i a e o r g a n i z a ç ã o de interesses s o c i a i s c o n t r a d i t ó r i o s e antag ô n i c o s aos e c o n o m i c a m e n t e d o m i n a n t e s . " (Faria, 1 9 88a:26-7)

Na realidade, o D i r e i t o deve incluir r e i v i n d ic a ç ô e s sociais, e c o n ô m i c a s e c u l t u r a i s que u l t r a p a s s a m os limites l óg i c o - n o r m a t i v os das re f o r m a s i n s t i t u c i on a i s e c o n s t i t u c i o n a i s Nelas inclu e m - s e os d i r e i t o s c o l e tivos e sociais, 'que d evem ser munidos de m e c a n i s m o s e f i c a z e s de concretização.

Se se q u iser ca m i n h a r no sen t i d o de uma s u p e r a ç ã o do estado de in j u s £ i ç a a b s o l u t a reinante nos paises s u b d e senvolvidas, ê n e c e s s á r i o que se ente nd a o f u n c i o n a m e nt o da e s t r a t é g i a de d o m i n a ç ã o e f e t u a d a pelo capitalismo. E preciso d e m o n s t r a r como o d i s c u r s o oficial - incluindo o educacional - busca e n c o b r i r a realidade. Esse trabalha, de d i f e r e n t e s formas, tem sido efet u a d o pelos mais d i versas m o v i me n t o s críticos contemporâneos, na área do Direita. E imprescindível,’ na entanto, que essa crítica se instale nos cursos jurídicos,

f ormadores do imagi n á r i o dos juristas.

A c o n s t a t a ç ã o da e x p a n s ã o do capital (nacional e t r a n s n a c i o n a l } e do e m p o b r e c i m e n t o crescente das popula ç & e s dos países sub de s e n v o l v i d o s , a p enas confirma que o d i s c u r s o da d o g m á t i c a juríd i c a faz parte da estratégia de d o m i n a ç ã o do capital sobre o trabalho, sendo um dos elementos i deológicos de c o n s t ru ç ã o da legitimação neces sá r i a à permanência e ao n ã o - q u e s t i o n a m e n t o dessa situação.

3. A s e m i ó t i c a da m a n i p u l a ç ã o :

D

E e v i d e n t e que o Direito, como q u a l q u e r o utro conjunto de p r i n c í p i o s o r i en t a d o r e s da sociedade, não ê absoluto. Isso traz á q u e s t ã o seguinte: como obter um c o n s e n s o social que resista ao c o nflito de interesses? Gu seja, como f u nciona a instância j u r i d i c a en q u a nt o discurso de l e g i t i m a ç ã o ?

Esse consenso ê obtido a t r a v é s da forma abstrata,

idealista, descontextualizada, a-histórica, mitica e

e s t e r e o t i p a d a como ele é apresentado. C o l o c a d o dessa forma ele é re t ir a d o de su£ m a t e r i a l i d a d e cotidiana, servindo como p a r a d i g m a de in t e rp r e t a ç ã o desta, mas n ão c o n s t ituindo parte i n t e g r a n t e da mesma.

T anto o jusnat u r a l i s m o como o p o s i t i v i s m o desem b o c a m na c r i a ç ã o de um universalismo a — histórico. Este, para liichel M i a i l l e é:

"... o efeito pelo qual, t o r n a n d o - s e as 'idéias' e x p l i c a ç ã o de tudo, elas se d e s t a c a m pouco a pouco do contexto geográfico e h i s t ó r i c o no qual foram e fe t i v a m e n t e produzidas e c o ns t i t u e m um conjunto de noções universalmente v á l i d a s (u n i v e r s a i i s m o ), sem

i n t ervenção de uma h istória v erdadeira

(não— história)." (1979:48)

O Direito como conjunto de regras que os homens d ev e m re s p e i t a r serve assim como um ideàl que permite a exist ê n c i a de todo o sistema político-econômico viqente.

0 discursa jurídico se a p r e s e n t a em muitos m o mentos e s t r u t u r a d o a partir de estereótipos. Estes são e xpressões ou p a l a v r a s que em nível da s i g ni ficação de base a presentam um

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d e m o c r á t i c o - l i b e r a l busca obter, de forma explícita, a ades ã o a e l a s por parte do homem concreto. Isso o c o r r e n d o ele adere também,, de forma i m p lí c i t a e acrítica, ao modo de produção c apitalista. Está cu mp r i d a a função do d i s cu r s o estereotipado.

A r e t órica j u r idica é também mitica.. Para José E d u a r d o Faria:

.. os m i t o s s ã o um processo de c o m p r e e n s ã o do m undo de caráter p e c u l i a r e s i m p l i f i c a d a r , r e f l e t i n d o uma r e p r e s e n t a ç ã o de fatos e personagens e x a g e r a d o s pela i m a g i n a ç ã o e provocando, assim, o a p a r e c i m e n t o de idéias falsas e irreais - quando não utópicas.

(...) Do ponto de v ista político, os m itos têm uma função e m i n e n t e m e n t e s o c i a l i z a d o r a : seu papel é o de pacificar * as c o n s c i ê n c i a s e ne u t r a l i z a r sua r e f lexidade m e d i a n t e o e s v a z i a m e n t o e a c r i s t a l i z a ç ã o do real, levando os homens a a c e i ta r e m passiva e -

c o n f o r m a d a me n t e uma s i t u a ç ã o que lhes foi imposta socialmente.

G r aças aos mitos, torna-se possível a c o n c i l i a ç ã o a p a r e n t e das c o n t radições sociais, na medida em que estas são p rojetadas numa d i m e n s ã o h armoniosa de e s s ê n c i a s puras, relaç&es n e c e s s á r i a s e esq u e m a s ideais, aos quais se deve f o r ç o samente aderir. No espaço públ i c o da palavra e da ação, es s a função s o c i a l i z a d o r a dos mitos aparece sob a forma de conceitos vagos e indeterminados, todos ex e r c e n d o um forte impacto no i m a g i n á r i o dos cidadãos comuns. Assim c o n s i d e r a d o s , os mitos con s t i t u em - s e numa técnica de controle social n e c e s s á r i a <à con s o l i d a çã o de um d e t e r m i n a d o padrão de dominação, r e v e s t i n d o - o de uma auré o l a inque s t i o n á v e l . " (1988a:22)

Um dos grandes mitos c o n t e m p o r â n e a s ê o de que o D i r e i t o e s t á a s s e g u r a d o quan d o se m a n i f e s t a a t r a v é s de um texto escrito. 0 estado de dire i t o a p ar e c e como o seu g a r a n t i d o r e fiador da ordem democrática. Essa p s e u d o - r e 1ação e n t re legalidade e d e m o c r a c i a liberal omite o fato de que ambos g a r a n t e m o sistema e c o n ô m i c o capitalista, que na prática impede a e f e t i v a ç ã o de umá jus t i ç a social efetiva. Encobre que é o e s t a d o de direito burguês que concomit a n t e m e n t e gar a n t e os

d i r e i t o s do capital e da trabalha. Não e s c l a r e c e que é também ele que r e g u l a m e n t a as i n s t r u m e n t o s que p e rmitem a seu próprio controle.

Na prática o Direito é p ervertido no m o m e n to que é o b jeto de a p l i c a ç ã o pelo Estado. R e t o r i c a m e n t e a p r esentado como i n s t r u m e n t o de proteção dos c idadãos livres contra o arbitrio dos governantes, ele é e s v a z i a d o no i n stante em que é o próprio E s t a d o que o institui, r e g u l a m e n t a e aplica.

Dessa forma, o discurso j u r i d i c o é um discurso mitico porque faz crer, de maneira acr í t i c a e irreal, que a sua s i m p l e s p o s i t i v a ç ã o tem valor de ga r a n t i a efetiva dentro do e s t a d o democrático.

Além de mi tico ele é também místico. A crença de que a p o s i t i v a ç ã o do Direito é a sua ga r a n t i a sem o q u e s t i o n a m e n t o de qu e m o legaliza se parece muito com a idéia bíblica de que Deus v e i o a Moi s és e lhe entregou os dez mandamentos. Como Moisés recebeu as tábuas da lei das mãos do Criador, não cabe q u e s tioná-las. No caso contemporâneo, em um estado democrático em que os legisladores são eleitos, nã o se pode questionar as n o r m a s e d i t a da s pelo Estado. Ele fala em nome do povo -• passa a ser apenas o revelador da sua vontade. Essa ligação retórica en t r e a von t ad e popular, o Estada e a p o s itivação do Direito torna a legislação estatal um dogma inquestionável, místico.

Dentro desse quadro o discurso jurídico apresenta um fu n ç ã o tópica. Segundo Warat:

15é>

l u g a r e s - c o m u n s , re v e l a d o s pela e x p e r i ê n c i a e a p t o s a resolver questòes. v i n c u l a d a s a c írculos p r o b l e m á t i c a s concretas. Os tópicos o p e r a m como fio condutor de

q na t u r e z a r e tórica para toda a s e q ü ê n c i a de a r g u m e n t a s que d e t e r m i n a m o e f e i t o de v e r o s s i m i l h a n ç a da conclusão. Os a r g u m e n t o s que o racio c í n i o fundado em tópicas a p r e s e n t a podem ser c o n t r a ditórios, apostos, mas se são c o m p a t í v e i s com os tópicos, a c o n t r a d i ç ã o se d e s v a n e c e na e n u n c i a ç ã o e n ão se m a n i f e s t a no raciocínio. Assim, os tópi c o s c o m p a t i bi l i z a m as op o s i ç ò e s e contradições. A r e f e r ê n c i a aos tópicas, coma d e n o m i n a d o r comum do r a c i o c í n i o demonst r a t i v o , permite que a r g u m e n t o s amb í g u o s ou c o nt r a d i t ó r i o s concorram para a s u s t e n t a ç ã o - da c o n c l u s ã o . “ (Warat et al , 1984:96)

No caso e s p e c i f i c o .do „Direito,. o dis c u r s o não d e p e n d e ap enas das■normas jurídicas. Ao c on t rário do que crêem os juristas, os textos legais são apenas um suporte formal das

*

s i g n i f i c a ç õ es p o l í t i c a s . - E l e s ati n g e m o seu sentido h i s t órico a pa rtir de um jogo c omplexa de e n un c i a ç õ e s em que os tópicos g e r a m um efeito d i s c u r s i v a que propicia uma ilusória d e r i v a ç ã o

1e g a1 .

Constata-se que os tópicos s ão estereótipos, mitos, mistificações, nos q u a i s se buscam pontos de c o n v e r g ê n c i a e d e r i v a ç ã o de uma p l ur a l i d a d e de premissas. Operam, dessa forma, como ponto de r eferência de todas ~as -provas u t i l i z a d a s para legitimar tais premissas.

Os institutos jurídicas, na sua grande maioria, cump r e m u ma função tópica. Muit o s deles têm sido meras ficções u s a d a s para fundar uma c o n c epção precisa de o r d e m sócio- e c b n á m i c a e po.lítico-administrativa: o estado de d i r e i t o

tl4> isso pode ser visto no que se refere-à utilização da prova nos processos judiciais. E o que desonstra cos auita propriedade Nilo Bairros de Brua ei “Requisitoi retóricos da sentença penal0 (1980). Rosa Piaria Cardoso da Cunha, es "C caráter retórico do principio da legalidade', (1979) desonstra toso este funciona coso tópico que retoricasente justifica todo o discurso da dogsática penal.

burquês, no qual p r e v alece a idéia de legitimidade l e g a l - r a c i o n a l .

O

Exemplo d isso é a c r e n ç a equiv o c a d a g e r a d a pelo d i s c u r s o d e m o c r á t i c o - 1iberal de que o Estado se a u t o l i m i t a e g a r a n t e direitos atra vé s de sua simp l e s positivaçào. Na prática, em muitas si t u a çõ e s concretas, o texto legal p ositivado t ransforma-se apena s em um discurso formal a t r a v é s do qual ele, teoricamente, impõe-se limites, ao-mesmo tempo que assume o compromisso de e f e t i va r os di reitos enumerados. Na prática esse jogo retórico serve como forma de sua p r ó p r i a legitimação e do sistema p o l í t i c o - e c o n ô m i c o dominante. Ele o m i t é a nat u r ez a de classe do próprio Esta d o e o fato de que este, na realidade, restringe o D i r e i t o e não a sua ação.

Outro exe m p l o é o desvio de atenção do e c o n ô m i c a e do político, t r a n s f e r i n d o - a para o Direito. Em m u i t a s mo m e n t o s a discurso j urídico mostra os problemas s o c i ai s como q u es t õ e s de ordem legal, negando, em grande . parte, a sua base poli t i c o - e c o n ó m i c a . E o que ocorre c o n t e m p o r a n e a m e n t e com a situação, da c r i m i n a1 idade e a proposição da pena de morte. O discurso jurídico a s s ociado à idéia de- es tado de dire i t o democrática permite a busca da resposta para a crise via Direito, e n c o b r i n d o a n e c essidade de sol u ç õ e s e c o n ô m i c o - s o c i a i s .

Pode-se voltar aqui a insistir na idéia de que, d essa forma, o di s c u r s o jurídico vigente serve como inst r u m e n t o ideológico de legitimação da dominação capitalista. Isso é possível porque:

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"... s u b j a c e n t e â e n u m e r a ç ã o dos d ireitos (...) c o n s t i t u c i o n a l m e n t e ass e g u r a d o s , e n c o n t r a - s e uma “ ; concepção de con t r a t o social firmado por indivíduos livrQj-s e situadas num m e s m o está g i o económico, moti v o pelo qual a l e g i s l a ç ã o ordinária, ao regular aqu e l e s p rincípios p r o g r a m á t i c a s i n s t i t u c i o n a l i z a d o s pela Carta Magna, termina por per v er t ê - l o s ao favorecer tanto a prop r i e d a d e q u a n t o os p r o p r i e t á r i o s . " (Faria, 1 9 8 8 a :26)

Com relação ás 're.laçôes i n t e r n a c i o n a i s o processo ê semelhante. Subja c e n t e .a estas e à e n u m e r a ç ã o de di r e i t o s pelas o r q a n i z a ç u e s i n t e r n acionais, e n c o n t r a - s e uma concepção de c o n t r a t o social firmado por e s t a d o s livre e soberanas, e n c o b r i n d o que na prática as re l a ç õ e s se dã o por imposição cultural e do m i n a ç ã o e c o n ômica dos mais fartes sobre os mais

fracos, sendo o capitai t r ansnacional o grande vencedor.

E x e m p l o que também pode ser dado è o de que esse discurso, a t r a v é s da diferen c i a ç ã o que e s t a b e l e c e entre dir e i t o s individuais, políticos e sociais, permite uma m a rcante e p r e d o m i n a n t e diferença de grau na ga r a n t ia dos primeiros em d e t r i m e n t o dos últimos. Dent r o d e s s a e s t ra t é g i a os di r e i t o s e q a r a n t i a s políticos e individuais - de origem burguesa - são supridas, de mecanismos j u r í d i c o s que permitem a sua c o n c r e t i z a ç ã o , enquanto os d i r e i t o s sociais, e c o n ô m i c o s e c u l t u r a i s surgem nos textos c o n s t i t u c i o n a i s como meras normas p r o g r a m á t i c a s .

S e g u n d o Paulo Lopo Saraiva:

íl9> ft atual Constituição Federal do Brasil traz usa série de direitos sociais, principalaente na área trabalhista. No entanto sabe-se que concretasente suitos deles nSo são efetivados ee razío da falta de estabilidade no esprego, da situaçSo do aercado de trabalho e de usa série de outros sotivos. fio lado disso as suas norsas que prevées o salário ainiao, a educação pública e gratuita e a reforsa agrária, apenas para enuaerar alguns exeaplos, continuas textos vazios, aera folha de papel coso bes coloca Ferdinanri Lassalle (1985). Por falta de vontade

"... não é difícil c o n s t a t a r que a e x p r e ss ã o co n s t i t u c i o n a l dos d i r e i t a s s o c i a i s torna-se precáiria e ineficaz, à vista de sua s i m p l e s enunciação.

A efi c á c i a normativa, como se sabe, ê q

r e s u l t a d o de o b e d i ê n c i a e a p l i c a ç ã o da norma.

No plano jurídico, a e f i c á c i a se o p e r a c i o n a 1iza pela p r o d u ç ã o de efeitos, pela co n c r e t i z a ç ã o da r e g u l a ç ã o do c o m p o r t a m e nt o humano, criando, pois, d i r e i t o s e deveres.

As normas p r o g r a m á t i c a s d e s q u a l i f i c a m essa assertiva. De fato, elas contêm uma ef i c á c i a tão

limitada que quase não p r o du z e m e f eito algum.

Elas, na verdade, testificam, no mais das vezes, a i m p o s s i b il i d a d e de o E s t a d o c a p i t a l i s t a atender, de pronto, aos inúmeros rec l a m o s populares." (1983:68) A c r i a ç ão da figura das n o rmas p r o g r a m á t i c a s d entro da teoria c o n s titucional contemporânea é um dos a r t i f í c i o s que permite ao E s t a d o impor-se legalmente o b r i g a ç õ e s e deveres sem que os tenha de efetivar. As teorias criadas sobre os graus de a p l i c a b i 1 idade e efi c á c i a da norma constitucional c o n s eguem j ustificar a sua omissão, sem q u e s t i o n a r a nat u r e z a do sis t e m a e c o n ómico subjacente.

Ou seja, o que fica claro, é que no d i s c u r s o jurí d i c o do liberalismo há uma prevalência da defesa dos d ireitos civis e políticos s o b r e os direitos econômicos, soci a i s e culturais. Uma prevalência que fica evidente também q u ando da criação - .ou não - de inst r u m e n t o s que permitam a sua implementação. 0 que se omite é que essa valor i z a ç ã o da liberdade e do in d i vidualismo é excessis'amente formal e só interessa a uma mino ri a p r o p r i e t á r i a , e c o n omicamente forte, que, em nome dessa liberdade e de s s e individualismo, explora a grande maio r i a dos que possuem a p enas a força de trabalho para sobreviver.-

A c a r a c t e r i z a ç ã o de determinados di r e i t o s como inerentes ao ser humano e da democracia liberãl como único i n s t r u m e nt o que permite realizá-los inviabiliza pensar alt e r n a t i v a s

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p o l í t i c a s como formas h umanistas e d e m o c r á t i c a s de orga n i z a ç ã o social. A partir d i s s o as pr o p o s t a s s o c i a l i s t a s (ou o perigo

- . ■ ■ Q '

comunista) são a p r e s e n t a d a s como n e c e s s a r i a m e n t e a ut o r itárias ou t o t a l i t á r i a s , a l é m de estarem d e s v i n c u l a d a s da realidade da n a t u r e z a humana. .

O modo de pro d u ç ã o s o c i a l i s t a é p o l i t i z a d o g e r a n d o - s e a s s i m sua d e s 1e g i t i m a ç ã o . Em c o n t r a p a r t i d a o c a p italismo é despo-I i tizado e m o s t r a d o como a o r d e m natural da sociedade, - - p r e s s u p o s t o d a . i m p l e m e n t a ç ã o dos d i r e i t o s individuais, o que

a u x i l i a a. sua aceitação. -

P o d e - s e , de certa forma, resumir o e x p o s t o com relação ao m o d o como fun c i o n a o Direito como i n s t r u m e n t o de legitimação, co l o c a n d o que este, como d i scurso a-histórico, e s t e r e o t i p a d o e mítico, cria os tópicos a partir dos quais vai se e s t r u t u r a r o d i s c u r s o político dominante. Este è e m i n e n t e m e n t e retórico, mas d e v i d o aos tópicos que lhe s e rvem de pr e m i s s a s de convergência e d e r i v a ç ã o co nsegue gerar um e s p a ç o de consenso que permite a d o m i n a ç ã o capitalista, ü acordo ê possível porque d e n t r o dessa e s t r a t é g i a os dir e i t o s sociais e e c o n ô m i c o s acabam se conv er t e n d o em v a l o r e s vazias, suj e i to s a interpr e t a ç ã o de a c o r d o com os i nteresses de classe — e a ideologia do m i n a n t e funciona como g r a m á t i c a interpretativa, i m p edindo que o seu s e n t i d o e x t r a p o l e os limites p ermitidos pelo capital.

,i6> A queda do suro ds Berlie e o fis da UniSo Soviética tes servido de sotivo para que alguns pseudo-liberais de plantio apregoes o fia do sodalisao. Nâo percebes eies que o que está ocorrendo é o declínio dos regiaes autoritários e totalitários, sejas de direita ou de esquerda - a desocracia é us valor universal. Isso nSo significa, no entanto, o fie das ideologias e das idéias libertárias e cosproaetidas cos a justiça social que historicasente sâo colocadas pelo pensaaento socialista.

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