O herdeiro de todos os séculos e o criador dos mundos, tendo encarnado e, mediante Seus sofrimentos e Sua morte, feito expiação pelo pecado, conservou Sua natureza humana — continuou a ser
h o m e m — , embora tenha sido exaltado novamente ao trono de Deus
e esteja assentado à direita da Majestade nas alturas.
Assentar-se à direita de Deus não significa apenas honra, apro vação e recompensa. Em um sentido mais profundo, significa a participação na dignidade e autoridade de Deus. Esta participação, bem como a ideia de uma obra terminada, é expressa pela ação assentou-
se. Nenhum sacerdote sob a antiga dispensação da Lei ministrava sem estar de pé, pois sua obra jamais terminava.
Jesus, porém, tendo oferecido, para sempre, um único sacrifício pelos pecados, assentou-se à destra de Deus, aguardando, d aí em diante, até que os seus inimigos sejam postos por estrado dos seus pés. Porque, com uma única oferta, aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados. E disto nos d á testemunho também o Espírito Santo...
Hebreus 10.12-15a a r a
Convém que se entenda que a exaltação e a autoridade de Cris to foram concedidas a Ele como recompensa por Sua humilhação. Em Sua natureza divina, o Filho não poderia ser exaltado, porque já era infinitamente superior em majestade, glória e poder; por outro lado, se o nosso Mediador não fosse divino, não poderia assim ter partici pado da glória e do reinado divinos. A elevação de Cristo, portanto, ao trono do poder soberano à destra do Pai só pode referir-se ao que se chamou reinado intercessório, pois é descrito como resultado de Seu sacrifício expiatório: Tendo feito expiação, assentou-se.
A respeito da afirmativa asssentou-se à direita da Majestade, nas
alturas, disse Ebrard:
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Nunca e em pane alguma as Escrituras aplicam esta expressão I [assentou-se] para denotar aquela forma de governo do mundo em que
o Logos (ou Filho eterno) exerceu como eternamente pré-existente. O assentar-se à direita de Deus, antes, denota em todas as passagens apenas
aquela participação na majestade, no domínio e na glória divinos aos quais o Messias foi exaltado depois de consumada Sua obra. Portanto, é no tempo que [essa participação] é conseqüentemente exercida por Ele como o Filho do Homem glorificado sob a categoria de tempo.
Já no Salmo 110.1, onde primeiro aparece a expressão, aplica-se
ao futuro, ao segundo Davi, exaltado em um tempo futuro. (Eb r a r d,
Biblical Commentary on the Epistle to the Hebrews, p. 27)
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A MAJESTADE DO FlLH O DE Ü E U S COMO M EDIADOR
[Cristo foi] Feito tanto mais excelente do que os anjos, quanto
herdou mais excelente nome do que eles.
Hebreus 1.4 A partir de uma discussão sobre as glórias do Filho divino, em Seu estado primevo, e Suas relações pessoais com o Pai, o escritor da Epístola aos Hebreus passa a fazer uma consideração de Sua supremacia sobre os anjos como Deus-Homem. O modo repentino pelo qual o novo assunto é intro duzido pela primeira vez é um fenômeno peculiar da Epístola aos Hebreus. A despeito, porém, desse aparente caráter abrupto de tratamento, parece haver, na mente do autor da Epístola, suficiente motivo para a súbita transição. O Filho assentado à destra da Majestade nas alturas implica a ideia de miríades de anjos inclinados diante dele em adoração; daí a comparação formal entre eles.
Os judeus tinham um alto conceito sobre os anjos. Acredita vam, como disse Estêvão, que sua Lei lhes fora dada por ministério de anjos (At 7-53 a r a ) , e Paulo afirmou que a Lei fo i posta pelos anjos na
mão de um medianeiro (G13.19c). Os judeus, portanto, orgulhavam-se do fato de que milhares de anjos tinham sido empregados no estabe lecimento de sua Lei e, por essa razão, tinham grande estima por ela. Daí, porém, tiravam uma falsa conclusão. Argumentavam que, uma vez que a Lei lhes fora dada por seres tão gloriosos, jamais seria abrogada. O escritor da Epístola não nega as premissas dos judeus,
mas julga falsa a conclusão por eles tirada [ao afirmar que Cristo era mais excelente do que os anjos].
De acordo com Clarke:
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Os judeus tinham na mais alta estima a excelência transcendente dos anjos; chegavam a associá-los a Deus na criação do mundo, supondo que pertencessem ao concilio particular do Altíssimo. Assim é que entendiam Gênesis 1.26: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa seme lhança. O Senhor [teria dito], aos anjos que ministravam diante dele, e que foram criados no segundo dia, disse: “Façamos o homem à nossa própria imagem” (Targum de Jonatâ ben Uzziel). E admitiam até que [os anjos] fossem adorados por causa do seu Criador e como Seus repre sentantes, embora náo admitam que sejam adorados por si mesmos.
Como [os anjos] eram considerados logo abaixo de Deus (mas ne nhum com direito à adoração, senão Deus), o autor [da Epístola], com os próprios argumentos deles [dos judeus], prova que Jesus Cristo é Deus, porque Deus ordenou a todos os anjos do céu que o adorassem. Aquele, portanto, que é maior que os anjos e objeto de sua adoração é Deus. Mas Jesus Cristo é maior do que os anjos e objeto da adoração
deles; portanto, Jesus Cristo tem de ser Deus. (Clarke, Commentary
on the Epistle to the Hehrews, IV, p. 687)
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Disse Lowrie:
A maneira súbita pela qual este assunto de comparação [de Cristo] com os anjos é introduzido ocasiona certa perplexidade. Mas, a seguir, notamos que Moisés (Hb 2.2), Melquisedeque (Hb 5.10; 6.20) e Levi (Hb 7.5) são, por sua vez, alvo de comparação, num pequeno preâmbulo [...] Teremos também ocasião de observar, no autor [da Epístola aos Hebreus], maneira semelhante de introduzir mudanças de pensamento e aplicações óbvias e conclusões de declarações feitas. Podemos, portanto, considerar o fato como característica de estilo do autor. (Lo w r ie, An explanation o f the Epistle to the Hebretus, p. 11)
Os judeus acreditavam que Deus chegara a realizar julgamento na terra, a fim de enfatizar a grandiosidade da salvação, e confiara aos anjos a anunciação da Lei. Diziam: “A Lei do Senhor veio do Sinai [...], da Sua destra saiu uma Lei como fogo”; “os carros do Senhor são 20 mil, e os seus anjos, miríades”. Para os judeus, portanto, seria uma temeridade violar a santidade de uma aliança tão terrível.
Tendo acompanhado a obra expiatória de Cristo até a Sua exal tação à destra do Pai, torna-se logo evidente que Aquele que ascendeu ao trono do poder soberano é manifestamente superior aos anjos em influência e autoridade. O escritor da Epístola, então, assegura aos judeus que a nova dispensação inaugurada [por Cristo] é superior à dos séculos anteriores e, qualquer que tenha sido a glória conquistada pela antiga dispensação por intermédio dos anjos, a nova é vastamente superior por ser administrada pelo Rei-Mediador.
Contudo, o autor da Epístola aos Hebreus oferece também certo termo de comparação que possibilitaria aos judeus formar uma ideia quanto à extensão da superioridade de Cristo, que herdou mais
excelente nome do que eles [os anjos] (Hb 1.4b a r a ) . Esse nome não
apenas traz em si eminência, honra e distinção, como também mais eminência, mais honra e mais distinção. Além disso, o nome aqui usado não apenas indica uma diferença em grau, mas em espécie [entre Cristo e os anjos]. Ele está acima dos anjos, porque Seu nome lhe foi atribuído pelo Pai como herança por ser o Unigênito. Tendo-se tomado
tão superior aos anjos (Hb 1,4a n y i ) .
“Mas por que seria, para ele [o autor da Epístola aos Hebreus], de tanta importância efetuar essa comparação do Filho com os anjos?” Esta foi a pergunta feita por Ebrard, o qual, antes de dar a resposta, examinou as opiniões de Bleek, Tholuck e outros estudiosos.
Ao passo que, para Bleek, “a crença dos israelitas na cooperação dos anjos quando da entrega da Lei no Sinai levou o autor [da Epísto la] a falar dos anjos”, para Ebrard, o verdadeiro motivo é mais profun do: “o Antigo Testamento inteiro está relacionado com o Novo, como os anjos estão com o Filho”.
Desde o Antigo Testamento, Deus condescendia em aproxi mar-se do Seu povo como o Anjo do Senhor. E, visto que Moisés foi exaltado a ponto de falar face a face com Deus (Ex 33.11 n v i ) , era
necessário que o autor [da Epístola aos Hebreus] demonstrasse que es ses dois mediadores do Antigo Testamento deviam encontrar unidade superior em Cristo. Daí propor-se a demonstrar que o Filho foi maior que os anjos, como problema da primeira parte, e que Jesus tem sido
considerado digno de tanto maior glória do que Moisés (Hb 3.3), como
problema da segunda parte. *
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A mediação no Antigo Testamento é dupla; é uma cadeia con sistindo de dois membros, Moisés e o Anjo do Senhor. [Em Moisés], vemos um homem que foi exaltado acima dos outros e com os quais se coloca no mesmo nível como pecador; [logo, ele] aproxima-se de Deus, sem, no entanto, participar da natureza divina. [Já] o Anjo do Senhor possui uma natureza celestial e, por meio dele, Deus se revela ao Seu povo, tornando-se [em aparência, forma] semelhante aos homens, sem contudo tornar-se homem. Deste modo, Deus e o homem se aproxi mam, porém ainda não existe união real de Deus com o homem.
No Filho, contudo, a natureza divina e a humana se tornam uma só. Deus e o homem se tornam próximos um do outro não apenas na aparência [também na essência]. Assim, o Pai revela Sua plenitude em Jesus Cristo, Homem. E, na pessoa deste, encarnado, não foi um mero membro da humanidade que se aproximou de Deus, e sim um
[co-eterno] nascido de uma virgem. E m Cristo, como as Primícias da
nova humanidade, esta foi exaltada para a herança de todas as coisas. I
(Eb r a r d, B iblical Commentary on the Epistle to the Hebrews, p. 3 0 )
----—r Visto que o Verbo é o instrumento de comunicação entre Deus e os homens, a encarnação é a única porta para a comunhão e amizade com Deus. E uma vez que a divindade e a humanidade se combinaram na pessoa do Filho, Ele se toma não só a porta de acesso para a presença de Deus, mas também a porta para o pleno significado da vida humana.
O ARGUMENTO SÉTUPLO DO
An t i g o Te s t a m e n t o
O autor da Epístola aos Hebreus, ao comparar o Filho com os anjos, dividiu o argumento em duas partes, com aquilo que se conhece como primeira advertência. A primeira seção (Hb 1.4-14) trata do Filho como superior aos anjos, em virtude de Sua existência eterna como Filho de Deus. Como existem sete declarações a respeito do Filho como a segunda pessoa da Trindade, temos sete declarações em defesa da superioridade do Filho sobre os anjos. Isto se refere especialmente ao Filho em Seu estado encarnado ou intermédiário. Segue-se a advertência quanto a negligenciar a tão grande salvação (Hb 2.1-4) e, depois disto, o argumento é retomado (Hb 2.5-8,16), onde se constata ser Cristo superior aos homens.
Como os judeus tinham negado a filiação de Jesus, era neces sário que o escritor da Epístola demonstrasse que não se tratava de uma revelação nova, mas que tinha como fundamento as próprias re ferências do Antigo Testamento. O argumento total é reforçado por sete citações das Escrituras, encontradas principalmente nos Salmos. E digno de nota que o autor da Epístola em parte alguma alude aos agentes humanos da revelação, mas apenas às fontes divinas. Nas sete citações usadas, aparece o verbo disse, explícito ou subentendido.
Já em Hebreus 3.7, é ressaltado: como diz o Espírito Santo (Hb 3.7). Duas verdades estão intimamente relacionadas com essa ênfase sobre a au toria divina das Escrituras. Primeiro, estas exposições admiráveis devem ter sido inspiradas pelo Espírito Santo, pois só Ele poderia ter dado ao autor da Epístola a profundeza de significado e de visão para revelar as verdades sem par encontradas nesses textos do Antigo Testamento. Segundo, coordena do com a primeira premissa, está o fato de que a presença do Espírito, que inspirou estas verdades no Antigo Testamento, é igualmente necessária para revelá-las e interpretá-las no Novo. Daí a promessa culminante que nos foi dada no Novo Testamento de que Jesus, ao partir para o céu, enviaria outro
Consolador, o qual, como Espírito da verdade, iria guiar-nos a toda a verdade (Jo 14.16).
A apresentação da divindade de Cristo, do ponto de vista do Antigo Testamento, teria importância peculiar para os judeus; tomaria completa e final a tese cristã. São citadas as seguintes passagens: