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Critérios adotados para aferir a dinâmica do controle e a substituição das escolhas

2. As principais características das escolhas regulatórias realizadas pela ANP

2.4. Critérios adotados para aferir a dinâmica do controle e a substituição das escolhas

52 “Por tal motivo, o processo de tomada de decisão de um pragmatista é considerado racional apenas no

momento em que uma certa alternativa de decisão é escolhida porque é capaz de produzir um certo estado de coisas no qual um certo valor ou um conjunto de valores é promovido na maior medida possível, se comparado com outros possíveis desenhos da realidade atrelados a outras possíveis escolhas. Sem embargo, nem sempre será possível superar completamente o componente de incerteza subjacente ao processo de tomada de decisão sugerido.” (Idem, p. 197).

Como parâmetro da pesquisa, tomam-se por empréstimo três noções utilizadas por Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara53 para propor critérios de limitação do controle

do Tribunal de Contas. No caso sob estudo, tais noções servirão como elementos úteis para aferir como é realizada a dinâmica do órgão de controle na avaliação das decisões dos gestores da Administração Pública e, por conseguinte, das agências reguladoras. São elas: objeto de fiscalização, parâmetro de fiscalização e produto de fiscalização.

O objeto da fiscalização é “o conjunto de fatos, atos e procedimentos da Administração Pública ou de terceiros que o Tribunal examina e, a seguir, avalia, positiva ou negativamente”. O parâmetro de fiscalização é “a referência que o Tribunal adota para avaliar positivamente ou negativamente certo objeto”. Por fim, os produtos da fiscalização são “os atos que o Tribunal produz em decorrência dos procedimentos que realiza”54.

Quanto ao objeto, pode-se dizer que a fiscalização do TCU é ampla, podendo abranger quase tudo o que se relaciona com a Administração Pública, pois, além da fiscalização financeira, orçamentária, contábil e patrimonial "cabe-lhe, no exercício da fiscalização operacional, um exame do todo, do conjunto da atuação administrativa"55.

São considerados como objeto da fiscalização do órgão de controle nesta pesquisa as minutas de edital de licitação para oferta pública de blocos exploratórios e estratégicos (estes últimos a partir de 2010), as minutas de seus respectivos contratos de concessão, de partilha de produção e os relatórios de auditoria operacional realizada com o intuito de avaliar a performance das estruturas administrativas.

Por sua vez, os parâmetros utilizados pela Corte de Contas na avaliação do objeto também são variados, balizados nos princípios previstos no artigo 70, caput, da Constituição da República (legalidade, economicidade e legitimidade). Entende-se que a extrema amplitude e fluidez dessas diretrizes acabam por gerar indefinição até mesmo quanto ao campo de atuação do órgão de controle.

Segundo a concepção de legalidade, deverá o Tribunal, no julgamento das contas públicas, verificar se o agente público agiu em conformidade com o ordenamento jurídico; já os parâmetros da legitimidade e economicidade não são dotados da mesma precisão.

53 SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. O Tribunal de Contas da União e a regulação. In:

FIGUEIREDO, Marcelo (Coord). Novos rumos para o direito público: reflexões em homenagem à Professora Lúcia Valle de Figueiredo. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 59-68.

54 Idem, p. 61. 55 Ibidem, p.61

A economicidade, por exemplo, em sede doutrinária é tratada com o mesmo sentido do princípio da eficiência56, que também é dotado de extrema fluidez e se vincula à ideia de um

comportamento voltado à obtenção máxima de resultado dentro dos “limites de uma certa disponibilidade dos meios” existentes57. Dada a abertura do conceito de economicidade, não

se encontra um balizador apropriado para os limites da atuação da Corte de Contas, mas deve- se ter em mente que esse parâmetro não se dissocia da legalidade, ou seja, deve estar sempre alinhado com o ordenamento jurídico.

Quanto à legitimidade, não é diferente: sua concepção, segundo Ricardo Lobo Torres, é derivada da ideia de segurança jurídica e de justiça58, o que não poderia ser mais

abstrato59. Observa-se que os parâmetros fixados para a avaliação dos objetos de fiscalização

pelo TCU apresentam contornos indefinidos no ordenamento jurídico, o que dificulta identificar se a avaliação positiva ou negativa das minutas de editais ou de contratos feitas pelo órgão de controle, melhor dizendo, se o resultado dessa avaliação, que seriam os comandos corretivos realizados pelo TCU, extrapolam ou não o que está previsto na Constituição da República.

Em virtude da indefinição de suas competências, a Corte de Contas alarga seu campo de atuação valendo-se de seu poder normativo. A edição de leis esparsas, como a Lei Orgânica ou “LOTCU” – Lei nº 8.443/92 -, por exemplo, acaba por sedimentar outras vias que servem como parâmetros de controle. Por outro lado, uma vez que essa atribuição está respaldada pelo ordenamento, há maior segurança jurídica para a sua atuação corretiva sobre atos dos gestores públicos e das agências reguladoras.

Diante dessas incertezas quanto aos parâmetros para a fiscalização do TCU, os produtos de fiscalização acabam sendo afetados, caso tenham espectro tão amplo como o objeto e os parâmetros de fiscalização.

56 Neste sentido sustenta Ricardo Lobo Torres que há um íntimo relacionamento entre a economicidade e a

eficiência vinculando o significado de economicidade à noção de eficiente alocação de recursos com o menor gasto operacional pelo Fisco (In Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. O Orçamento na Constituição. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 197). Ver também sobre o tema MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 18ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 148 e

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. 2ªed. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 49-50.

57 MEDAUAR, Odete. Controle da Administração Pública. 3ªed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2014, p. 141.

58 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. O Orçamento na

Constituição. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 508-509.

59 Sobre a dificuldade de analisar a atuação administrativa dada a abstração dos princípios da economicidade e

legitimidade, v. NAGATA, Bruno Mitsuo. A limitação da discricionariedade em matéria orçamentária pelos princípios da legalidade, legitimidade e economicidade. In: CONTI, José Maurício e SCAFF, Fernando Facury (coords), Orçamentos Públicos e Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 377.

Os produtos de fiscalização são inerentes ao poder de comando do TCU e, como bem acentuado por Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara, têm escopo mais restrito, pois as ordens emitidas pelo TCU (em geral, no sentido de constituir ou desconstituir direitos e deveres) somente são admissíveis em virtude da existência de ilegalidades. No entanto, reforçam os autores que estes comandos (de conteúdo interventivo) se restringem à fiscalização financeira, orçamentária, contábil e patrimonial60.

Por outro lado, uma interpretação mais comedida a respeito da função corretiva ou impugnativa dos Tribunais de Contas reconhece que “a Constituição não atribui ao órgão de controle externo competência para anular ou desconstituir ato ilegal”61. Mariana Willeman

associa a citada função corretiva ou impugnativa de irregularidade na gestão pública ao artigo 71, inciso IX, da Constituição da República62.

Neste aspecto, segundo a autora, a despeito de a Constituição autorizar a possibilidade de sustação da execução de ato impugnado pela Corte de Contas, deve haver uma dinâmica cooperativa entre o órgão de controle e a Administração Pública. Somente na hipótese de insucesso dessa ação colaborativa (por exemplo, se não há saneamento voluntário da medida pelo agente fiscalizado, poderá ser fixado prazo para a correção do ato ilegal, que também não é atendido pelo agente) poderia o órgão de controle intervir na matéria diretamente para sustar a execução do ato, independentemente do Poder Legislativo.

Observe-se que, na obra referida, Mariana Willeman alia a função corretiva dos Tribunais de Contas à execução de despesas públicas, ou seja, à gestão de recursos públicos e, ao propor esse arranjo institucional colaborativo entre o órgão de controle e a Administração,

60 “(...) os poderes de intervenção direta do Tribunal de Contas (isto é, poderes de emitir atos de comando)

restritos que são ao campo sob sua jurisdição específica, são limitados materialmente. Cabe ao Tribunal assegurar:

a) a correta gestão dos recursos públicos, o que exige o exame de atos (ex.: atos de admissão de pessoal) e procedimentos (ex.: licitação de obras) pelos quais direta ou indiretamente se realizam a despesa pública ou a receita pública (fiscalização financeira);

b) a correta execução do orçamento público, o que envolve a análise tanto da observância das leis

orçamentárias anuais e plurianuais quanto das normas mais gerais que condicionam a sua execução como a Lei de Responsabilidade Fiscal (fiscalização orçamentária);

c) a correta contabilização dos recursos (fiscalização contábil); e

d) a correta gestão do patrimônio público envolvendo a aquisição, alienação e administração de bens móveis e imóveis (fiscalização patrimonial).” (In SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. O Tribunal de Contas da União e a regulação. In: FIGUEIREDO, Marcelo (Coord). Novos rumos para o direito público: reflexões em homenagem à Professora Lúcia Valle de Figueiredo. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 63)

61 WILLEMAN. Mariana Montebello. Accountability democrática e o desenho institucional dos Tribunais de

Contas no Brasil. 2ªed. Belo Horizonte: Fórum, 2020, p. 258.

62 Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de

Contas da União, ao qual compete: (...)

IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;

tem por intuito preservar a autonomia desta última, de modo a evitar que a decisão da Corte de Contas se substitua aos gestores públicos63.

Prosseguindo, no âmbito da fiscalização operacional exercida sobre as agências reguladoras, Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara também sustentam que não haveria autorização constitucional para emitir esses tipos de ordens de comando64.

O entendimento não é pacífico. A orientação mais abrangente é no sentido de que a autorização constitucional para a fiscalização operacional sobre as agências reguladoras e, consequentemente, para a realização de atos de comando pelo TCU decorre da conjugação do artigo 71, inciso IV, da Constituição da República65 com a teoria dos poderes implícitos66. Sob

esse argumento, a legitimidade da Corte de Contas para fiscalizar a atividade-fim dos órgãos e entidades administrativas se extrai do citado dispositivo, ainda que sejam dotados de autonomia e independência, como as agências reguladoras.

Mariana Willeman, apesar de não tratar especificamente da auditoria operacional sobre as agências reguladoras mas sobre a administração em geral, entende que o referido dispositivo constitucional reconhece a “accountability de resultados” e destaca a relevância do papel do Tribunal de Contas na avaliação da performance da Administração Pública, sobretudo na identificação de fatores e circunstâncias que impeçam ou prejudiquem o seu bom desempenho, sob a perspectiva “EEE” (economicidade, eficácia e eficiência). A autora enfatiza, no entanto, que as auditorias de performance “priorizam a lógica colaborativa e de cooperação”67.

63 Idem, p. 259.

64 “(...) a Constituição limitou bastante o poder direto de comando do Tribunal de Contas, isto é, sua capacidade

de criar por força própria deveres de fazer ou não fazer para terceiros, agentes públicos ou não. (...) Quanto às demais matérias, sobre as quais eventualmente se debruça no bojo das auditorias operacionais, o Tribunal de Contas não tem poder de intervenção direta e específica, nem tem a possibilidade de emitir qualquer ato de comando.” (Idem, p. 62-63)

65 Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de

Contas da União, ao qual compete: (...)

IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II;

66 DANTAS, Bruno; GOMES, Valdecyr Maciel. A governança nas agências reguladoras: uma proposta para o

caso de vacância. Revista de Informação Legislativa: RIL, Brasília, DF, v. 56, n. 222, p. 11-31, abr./jun. 2019. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/56/222/ril_v56_n222_p11.pdf . Acesso em 07.11.2019. No mesmo sentido FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e

competência. 2ªed. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p.316.

67 WILLEMAN, Mariana Montebello. Accountability democrática e o desenho institucional dos Tribunais de

Floriano Marques Neto compartilha do mesmo entendimento ao comparar os regimes de inspeção e auditoria operacional, conferindo caráter fiscalizatório à inspeção e colaborativo à auditoria operacional68.

Sob essa perspectiva e de modo a refutar o argumento em sentido contrário, Luís Roberto Barroso entende que mesmo nas hipóteses autorizativas previstas artigo 71 da Constituição, o poder de emitir comandos por parte do órgão de controle para correção de irregularidades não abrange matérias alheias àquelas de natureza financeira, contábil ou orçamentária, sobretudo em se tratando de medidas corretivas das escolhas realizadas pelas agências reguladoras.69

Sob a ótica do órgão de controle, a fiscalização nestas circunstâncias estaria adstrita à análise da conformidade das minutas submetidas à sua apreciação ao ordenamento jurídico, o que a sua jurisprudência convencionou chamar de “fiscalização de segunda ordem ou de segundo grau” ou “controle de segunda ordem”70.

68 “No primeiro caso (inspeção), a recomendação é um efetivo comando, uma ordem, cujo cumprimento está

atrelado à recomposição da legalidade. Já no regime de auditoria operacional, a recomendação não vai além de uma sugestão, cujo descumprimento não acarreta qualquer ordem de sanção, pois não se está diante de um comportamento contrário ao ordenamento jurídico. Trata-se de uma medida de eficiência apenas.” (In

MARQUES NETO, Floriano de Azevedo et al. Reputação institucional e o controle das Agências Reguladoras pelo TCU. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 278, n. 2, p. 37-70, set. 2019. ISSN 2238-5177. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/80048 . Acesso em: 12.11.2019. doi:http://dx.doi.org/10.12660/rda.v278.2019.80048, p. 49)

69 “Assim sendo, escapa às atribuições dos Tribunais de Contas o exame das atividades dessas autarquias

especiais quando elas não envolvam dispêndio de recursos públicos. (...) Nada, rigorosamente nada, no texto constitucional o autoriza a investigar o mérito das decisões administrativas de uma autarquia, menos ainda de uma autarquia com as características especiais de uma agência reguladora. Não pode o Tribunal de Contas procurar substituir-se ao administrador competente no espaço que a ele é reservado pela Constituição e pelas leis. O abuso seria patente”. (In BARROSO, Luis Roberto. Agências Reguladoras. Constituição, Transformações do Estado e legitimidade democrática. Temas de Direito Constitucional, Tomo II, Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 296-297)

70 “Passo a tratar, por fim, do controle de segunda ordem.

Para melhor compreensão da matéria, trago a lume as sempre abalizadas palavras do Ministro Benjamin Zymler (in Direito Administrativo e Controle. Belo Horizonte: Fórum, 2005):

Frise-se, ademais, que a Constituição Federal expressamente atribui ao Tribunal o poder de realizar auditoria de natureza operacional, nos temos do art. 71, inciso IV. O objetivo deste tipo de auditoria vai muito além do mero exame da regularidade contábil, orçamentária e financeira. Intenta verificar se os resultados obtidos estão de acordo com os objetivos do órgão ou entidade, consoante estabelecidos em lei, e tem por fim examinar a ação governamental quanto aos aspectos da economicidade, eficiência e eficácia.

Especificamente em relação às agências, busca o Tribunal, ao realizar auditoria operacional, verificar se estão sendo atingidas as finalidades decorrentes de sua criação. Isso abrange a avaliação do cumprimento de sua missão reguladora e fiscalizadora.

Dessa forma, impõe-se ao Tribunal a fiscalização da execução dos contatos de concessão. Uma análise superficial identificaria redundância das esferas de controle, uma vez que uma das atribuições das agências é exatamente fiscalizar os contratos de concessão e de permissão e os atos de autorização de serviços públicos. Entretanto, fica claro que o TCU exerce uma atividade fiscalizatória de segundo grau, que busca identificar se as agências estão bem e fielmente cumprindo seus objetivos institucionais, dentre os quais o de fiscalizar a prestação de serviços públicos. Deve a Corte de Contas, no desempenho de sua competência constitucional, atestar a correção da execução desses contratos. Ressalte-se, todavia, que esta ação não visa a concessionária