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CRISE E OUTROS SABERES

3.4. Critérios e caminhos de pesquisa

Escrevo aqui sobre as memórias da pesquisa, os percursos, as angústias, os caminhos encontrados e os não encontrados desde os primeiros passos. Exponho as dificuldades metodológicas, as limitações impostas pelo tempo e as razões de algumas escolhas.

A partir da definição de que trabalharia com os operários da construção civil, era preciso pensar nos encontros para as conversas e entrevistas. O PROGEST (Programa de Estudos em Engenharia, Sociedade e Tecnologia), que funciona no CEFET campus II em Belo Horizonte, nos foi apresentado como opção. O PROGEST é um Programa de extensão do curso de engenharia civil do CEFET que oferta cursos de aperfeiçoamento a trabalhadores da construção civil. Entendi que poderia utilizar este espaço para encaminhar as pesquisas de campo. Contudo, após três ou quatro visitas, apesar de conversar algumas vezes com alguns operários, percebi que naquele espaço seria difícil realizar uma conversa mais prolongada e profunda. Os horários eram apertados e alguns poucos bate-papos que aconteceram limitavam-se ao horário do intervalo para o lanche, de aproximadamente vinte minutos. Outro espaço de encontro com os operários seria necessário. A visita aos canteiros de obra surge, então, como uma opção óbvia que se revela muito mais rica e acessível que pude inicialmente imaginar.

Não pude realizar um grande número de entrevistas, uma vez que, para aproximar de cada operário, um tempo de ambientação para o estabelecimento de uma interação menos formal seria necessário. Entendi que, para que a expressão sobre as experiências se desse de forma mais rica, seria necessário um diálogo descontraído, o que não se consegue rapidamente. Sendo assim, várias visitas aos canteiros de obra, antes de uma entrevista, foram imprescindíveis para o estabelecimento dessa relação minimamente próxima. Esclareço que, por questões éticas, os objetivos da minha presença e os termos da pesquisa sempre foram ditos e repetidos.

As visitas às obras serviram para um maior conhecimento do “dia no canteiro”: da hora do café, em que vários operários comparecem ao portão da obra onde geralmente um vendedor de salgados, bolos, leite se faz presente e oferece os quitutes para serem pagos na sexta-feira, dia do acerto semanal; do jogo de baralho no intervalo do almoço; ou ainda, da curiosa expectativa gerada pelo dia de concretagem da laje. Nesse dia, a obra ganha um clima diferente. É possível que esteja relacionado com a grande carga de trabalho requerida por este momento, que, em algumas obras, é recompensada pela redução da jornada: logo a laje fica pronta, os operários são liberados. Algumas vezes, o momento livre após a concretagem é utilizado para confraternizações regadas à cerveja, cachaça e churrasco. Na concretagem o operário pode mostrar o seu “valor”; o trabalhador se apresenta firme e disposto a encarar este momento de grande desprendimento de energia. Este “valor” é muito significativo entre os operários. O “morcego” não é benquisto porque parte de seu trabalho acaba tendo de ser realizado pelo outro. Percebe-se que algumas verbalizações, sentidos e significados são mais bem compreendidos a partir dos conhecimentos apreendidos com a observação.

Busquei os operários que se mostraram dispostos a dialogar. Alguns não responderam positivamente às “puxadas de conversas”. Mas a maioria gosta de conversar. Em alguns momentos fico constrangido por imaginar que poderia estar atrapalhando o desenvolvimento do serviço. Nesses momentos, interrompia cuidadosamente a conversa e, algumas vezes, optei por ir embora. Nas três obras que “frequentei”, de abril a outubro de 2011, fui recebido com presteza e disposição pelos mestres de obra e não poderia significar um empecilho ao desenvolvimento “natural” das atividades. Por isso, havia a preocupação de dosar o tempo de conversa com os operários. Quanto à observação, tentava agir com discrição e, nesse caso, entendia que não causava problemas em ficar na obra por um tempo maior: três ou quatro horas, como aconteceu algumas vezes. No início, causava estranhamento e alguns operários demonstravam não entender a minha presença na obra. Quando era oportuno, esclarecia. Depois de algum tempo, pareciam não se importar tanto e me ignoravam.

Esses breves diálogos foram importantes fontes de dados. Os registros desses momentos eram procedidos tão logo fosse possível, para evitar perdas. Outra importante fonte de dados foram as entrevistas gravadas em aparelho digital e posteriormente

transcritas. As cópias das transcrições foram entregues aos operários para que pudessem lê-las. Esclareci que eles poderiam solicitar que eu retirasse trechos caso os considerassem, por alguma razão, inapropriados ou incorretos. O primeiro nome do operário foi citado na transcrição das entrevistas, por considerar que não possibilitam a sua identificação, uma vez que não cito endereço das obras — há menção apenas aos bairros.

Algumas entrevistas acontecem no próprio canteiro de obras. O Sr. Airton, por exemplo, demonstrou disponibilidade para as conversas e duas entrevistas aconteceram numa obra do bairro Castelo. Outra entrevista acontece enquanto acompanho o Sr. Zezinho desde uma obra no bairro Santa Terezinha até sua casa no Barreiro. Solicitei que a entrevista fosse assim, por que diferente do Sr. Airton, o Sr. Zezinho não parecia dispor de tempo para a entrevista na obra. Afora isto, imaginei que a experiência do trajeto poderia explicitar situações do deslocamento que não apareceriam na fala. A entrevista com o Sr. Anelício acontece em uma obra no bairro Castelo. Aproveito um dia de confraternização, depois da concretagem de uma laje, para conversar com o operário mais demoradamente e com o registro no gravador.

3.5. Procedimentos metodológicos e a