• Nenhum resultado encontrado

2 DA TEORIA À PRÁTICA: SOCIOLINGUÍSTICA E LIVROS DIDÁTICOS

2.2 Seleção do corpus e definição dos critérios de análise

2.2.2 Os critérios de análise

2.2.2.5 Critérios da dimensão diatópica

Quando se decidiu abordar a dimensão diatópica, foi necessário restringir a investigação a algumas variedades, vista a impossibilidade de examinar todas aquelas às quais os estudos em Sociolinguística fazem referência. Assim, seguindo a metodologia adotada por Coveri et al. em sua obra, dividimos o território italiano em três grandes grupos geográficos: norte, Toscana e centro-sul, aos quais correspondem, respectivamente, as variedades setentrional, toscana e centro-meridional.

Os critérios escolhidos para a análise dos diálogos serão comentados, a começar pela variedade setentrional:

Tabela 25: Critérios relativos à variedade setentrional 1. adição de su e giù em certas formas verbais;

2. artigo definido antecedendo nomes próprios;

3. pronomes e adjetivos demonstrativos com partículas adverbiais locativas às vezes incongruentes (como em quella ragazza qui);

4. uso de mia mamma, mio papà sem artigo definido.

Se confrontarmos esse quadro àquele inserido na seção 1.3.3, que tinha como finalidade apresentar as características da variedade falada no norte da Itália, vemos que quase todos os fenômenos ali inseridos foram selecionados para comporem o grupo de critérios. Entretanto, optamos por excluir o uso de passato prossimo no lugar de passato remoto e a tendência a usar somente dois pronomes demonstrativos, questo/quello, pois ambos já estão sendo analisados como critérios para o neo-standard. Além disso, foi descartada como critério a tendência a usar pronomes enclíticos. Para explicar essa última exclusão, é necessário esclarecer que, em italiano, o pronome pode ocupar apenas duas posições. No caso de verbos

102 conjugados em tempos do indicativo, do conjuntivo e do imperativo afirmativo e negativo de cortesia, o pronome é inserido à esquerda do verbo, em posição proclítica. Por outro lado, quando se tem verbos conjugados no modo imperativo afirmativo conjugado na segunda pessoa ou no gerúndio, o pronome deve ser colocado à sua direita, em posição enclítica.

Além dessas duas posições fixas, no caso de locuções verbais formadas pelos verbos modais potere, dovere, volere e pelo verbo sapere, ou com o imperativo negativo conjugado na segunda pessoa (non lo fare/non farlo), a posição do pronome é variável.

Como vimos no primeiro capítulo, estudiosos afirmam a existência de uma tendência segundo a qual na variedade setentrional o pronome seria colocado em posição enclítica, enquanto na variedade centro-meridional seria proclítico. Contrariando essa afirmação, notamos que na fala de alguns personagens dos diálogos das duas coleções havia tanto pronomes enclíticos quanto proclíticos, como no exemplo a seguir, retirado do diálogo 15 do terceiro volume do LD2:

Dialogo 15 – LD2

Guido: Ah! Che fai? Ti guardi la partita con me? Cristina: Eh, figurati! Sai che m‟importa a me della partita.

Guido: Allora che c‟è?

Cristina: Ti devo dire una cosa.

Guido: È chiaro, no? Tu appena mi vedi che io mi

siedo davanti al televisore per vedere la partita, mi devi dire qualcosa.

Cristina: È certo. Guido: È più forte di te. Cristina: E sì.

Guido: Non ne puoi fare a meno. Cristina: Volevo proprio scocciarti.

Diálogo 15 – LD2

Guido: Ah! O que você vai fazer? Vai assistir o jogo comigo?

Cristina: Eh, imagina! Você sabe o quanto eu me importo com jogo.

Guido: Então o que foi?

Cristina: Preciso te falar uma coisa

Guido: É claro, né? É só você ver que eu me sento na frente da televisão para ver o jogo, você tem que me dizer alguma coisa.

Cristina: É claro.

Guido: É mais forte que você. Cristina: É sim.

Guido: Você não consegue evitar? Cristina: Queria mesmo te atrapalhar.

Na passagem focalizada, a esposa diz ao marido: “ti devo dire una cosa” [preciso te falar uma coisa]. Em sua frase, o pronome indireto ti antecede a construção devo dire, formada pelo verbo modal dovere e o verbo no infinitivo dire. Posteriormente, porém, a mesma personagem enuncia: “volevo proprio scocciarti” [queria mesmo te importunar], na qual o pronome ti é colocado em posição enclítica, mostrando que, essa a alternância na posição dos pronomes não pode ser considerada marca distintiva de diferentes variedades regionais ao menos nos livros considerados na pesquisa e que, portanto, esse fenômeno não deveria ser incluído em nossa análise.

103 Passando aos fenômenos escolhidos para evidenciar a inserção de traços setentrionais nos diálogos, consideramos que os critérios 1, 2 e 3 são semelhantes na medida em que constituem inserções de elementos morfológicos ausentes em outras variedades regionais. O primeiro deles - adição de su e giù em certas formas verbais - corresponde aos chamados verbos sintagmáticos, ou seja, formados pelo acréscimo de advérbios, nesse caso, dos advérbios su e giù, originando verbos como tirare su, sinônimo de allevare [criar], andare su e giù, sinônimos de salire e scendere [subir e descer], togliere giù, usado no lugar do verbo togliere [retirar], entre outros.

O segundo critério – artigo definido antecedendo nomes próprios – é observado em frases como “ho visto la Giovanna settimana scorsa” [vi a Giovanna semana passada], na qual o artigo definido la é inserido devido ao fato de Giovanna ser conhecida de ambos os interlocutores, uso que não ocorre na produção de falantes de outras regiões italianas.

O terceiro critério – pronomes e adjetivos demonstrativos com partículas adverbiais locativas - relaciona-se ao acréscimo de partículas adverbiais. Elas são acrescidas com a função de reforçar os demonstrativos, como em: “e allora se tu puoi evitare di fare quella cosa lì” [e então se você pode evitar fazer aquela coisa lá], em que se tem o demonstrativo quella e, em seguida, o advérbio lì, que o retoma para enfatizá-lo.

Procuramos ainda estruturas como “mia mamma mi preparava sempre delle minestre meravigliose” [minha mamãe mi preparava sopas maravilhosas], na qual, contrariando a norma standard, não foi empregado o artigo definido la antes do pronome possessivo que antecede os substantivos de parentesco alterados, nesse caso mamma, diminutivo de madre [mãe].

Com relação à variedade toscana, nos concentramos nos cinco critérios a seguir: Tabela 26: Critérios relativos à variedade toscana

1. passato remoto e passato prossimo; 2. si impessoal no lugar de noi;

3. sistema demonstrativo com três unidades; 4. te no lugar de tu;

5. verbo no singular anteposto ao nome plural.

Dos fenômenos relativos ao falado toscano considerados por Coveri et al. (1998) e retomados por nós em 1.3.3, não tomamos como critérios de análise o uso do congiuntivo

104 imperfetto dos verbos stare e dare, nas formas stassi e dassi e a 3ª pessoa plural do presente indicativo dos verbos da 2ª e 3ª conjugação terminando em -ano, como loro prendano, ao invés de prendono, pois julgamos que tais formas dificilmente seriam tratadas nos livros didáticos, já que são formas desviantes da norma do italiano e tidas pelos falantes nativos como “erros” de conjugação.

Quanto ao primeiro critério selecionado (co-ocorrência de passato prossimo e remoto), na Toscana, cabe ao falante escolher entre um tempo ou outro, de acordo com a distância enunciativa que quer tomar com relação ao evento e com o efeito que quer causar em seu interlocutor.

O segundo critério permitiu identificar se havia ocorrências em que se fazia uso do si impersonale no lugar da primeira pessoa do plural noi, resultando em frases como: “noi si va via”, quando o standard preveria “noi andiamo via” [nós vamos embora].

Quanto ao sistema de pronomes demonstrativos, tentamos verificar se nos diálogos podia ser identificado o uso de codesto [este], cuja função é indicar pessoa, animal ou coisa próxima, no tempo ou no espaço, de quem escuta, como o demonstrativo “este”, no caso do português.

O quarto critério refere-se ao fato de os toscanos usarem o pronome pessoal de 2ª pessoa singular complemento direto “te” no lugar do pronome sujeito correspondente “tu”, originando frases como: “te non arrivi oggi?” ao invés de “tu non arrivi oggi?” [você não chega hoje?].

O último de nossos critérios quanto à variedade toscana, além de ser marcado em diatopia, é tido como traço também do italiano popular, o que significa que lhe é atribuída forte conotação diastrática. Trata-se da ausência de concordância entre sujeito e verbo, quando o sujeito plural é colocado após o verbo, como nas seguintes orações: “si vede parecchie cose”, no lugar de “si vedono parecchie cose” [se veem muitas coisas], ou “c'è diverse persone”, ao invés de “ci sono diverse persone” [há diversas pessoas]. Na análise dos diálogos, só se considerou a concordância pelo sentido como marca da variedade toscana quando se pôde depreender que os falantes tentavam representar o modo de falar toscano.

Passemos às características da última variedade analisada. A seguir, inserimos o quadro resultante da seleção dos critérios de análise relativa à variedade centro-meridional:

105 Tabela 27: Critérios relativos à variedade centro-meridional

No primeiro capítulo, quando nos detivemos no elenco das características que marcam o italiano centro-meridional com base em Coveri et al. (1998), evidenciamos oito fenômenos. Aqui, retomamos cinco deles para a composição do grupo de critérios distintivos dessa variedade. As três exclusões operadas dizem respeito à preferência por pronomes proclíticos, ao emprego do pronome ci usado no lugar dos pronomes indiretos le [a ela] e gli [lui] e à preferência pelo modo indicativo no lugar de congiuntivo, já estudado como critério neo- standard. Como já evidenciado nessa seção quando falávamos do italiano setentrional, a alternância na posição dos pronomes em locuções verbais não se revelou como verdadeira marca distintiva de variedades regionais nos livros analisados e, portanto, excluímo-la. No que diz respeito ao segundo fenômeno descartado, ci usado no lugar de pronomes indiretos, acreditamos que ele não seria abordado nos livros selecionados, pois é traço fortemente conotado como “erro” linguístico.

O primeiro critério considerado na análise diz respeito à inversão, conotada diastraticamente, entre o congiuntivo imperfetto e o condizionale presente no período hipotético da possibilidade (ou de segundo tipo), dando origem a frases como: “se mi diresti la verità, mi convincessi”, à qual corresponde a frase standard: “se mi dicessi la verità, mi convinceresti” [se você me dissesse a verdade, me convenceria].

O segundo critério refere-se ao uso do passato remoto, empregado nessas regiões mais do que o passato prossimo, que é substituído mesmo em situações em que a norma não o prevê, como em: “Ieri mangiai un gelato favoloso” [ontem tomei um sorvete fabuloso].

O terceiro e o quarto critério são relacionados a escolhas lexicais: o uso dos verbos “tenere” e “stare” no lugar, respectivamente, de “avere” e “essere”, como em: “tengo fame” [tenho fome] e “qui non ci sta niente da fare” [aqui não tem nada para fazer]. Tentamos entender se esses dois verbos muito frequentes na variedade falada centro-meridional são incorporados aos diálogos dos livros, o que indicaria certo cuidado por parte dos autores com relação a essa variedade regional italiana.

1. inversão entre congiuntivo e condizionale no período hipotético;

2. prevalência de passato remoto;

3. stare no lugar de essere;

4. tenere no lugar de avere;

106 Finalmente, o quinto critério refere-se ao fato de no centro-sul os falantes optarem por usar o pronome de segunda pessoa plural voi como forma cortês, quando no restante do país se adota a terceira pessoal singular Lei em tais situações.

No próximo capítulo serão apresentados os resultados a que chegamos através da procura dos critérios acima apresentados e com a busca de menções explícitas às variedades aqui estudadas empreendida nos livros do aluno, de exercícios e guias do professor.

107