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Critérios de destinação de terras públicas

3.3.4.2 A compensação financeira no crédito recíproco entre o ocupante ilegítimo e o poder público

3.4. Critérios de destinação de terras públicas

Os pontos acima discutidos estão relacionados aos critérios que legitimam a ocupação de uma determinada área. Agora passaremos a analisar quais os elementos mínimos para destinar as terras públicas para a propriedade familiar. Esses dois pontos (regularização de posse e destinação de terras públicas) são distintos e possuem pressupostos e metodologias próprias. O primeiro busca assegurar o direito à terra de quem já ocupa uma gleba; o segundo apresenta elementos que legitimam o governo a destinar determinada área para a propriedade familiar, propriedade comum, agricultura de grande escala, pecuária ou para proteção ambiental.

Os comandos constitucionais e infraconstitucional (artigos 3o, III; 184 e 188 da CF e o artigo 13 da Lei n° 8.629/1993, respectivamente) determinam que as terras rurais de domínio da União, dos estados e dos municípios fiquem destinadas,

preferencialmente, à execução de planos de reforma agrária. Devido a essa orientação legal, apresentaremos os critérios para destinação de terra para a propriedade familiar. As demais glebas de terras que não se enquadrarem nesses critérios ficarão destinadas para a média e grande propriedade, respeitado o limite máximo do módulo rural constitucional.

As glebas de terras para proteção ambiental possuem uma sistemática própria, prevista na Lei n° 9.985/2000 (Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC), e, quando houver sobreposição de interesses, a destinação ambiental acaba se sobrepondo às demais destinações agrárias (CF, artigo 225, § 5°). O mesmo raciocínio cabe para as áreas indígenas, que também possuem uma sistemática própria já consolidada na estrutura administrativa do Executivo Federal.

Não é demais afirmar que, se houver conflito de interesses em uma mesma área, os que têm direito de preferência na regularização fundiária são: primeiro, as posses tradicionalmente ocupadas pelos índios e pelas comunidades de quilombolas; em segundo lugar, as áreas necessárias à proteção dos ecossistemas naturais e as ocupadas pelas populações tradicionais; em terceiro lugar, as glebas de terras destinadas à reforma agrária (propriedade familiar) e, por último, as glebas para as atividades agroambientais (agricultura, pecuária, extrativismo ou misto), para imóveis médios e grandes.

Devido à primazia constitucional e legal, é importante distinguir a regularização fundiária do imóvel rural das regras que serão estabelecidas para o acesso aos recursos madeireiros.41* São dois processos sociais e econômicos que devem ser tratados separadamente: um busca a terra para a produção agroambiental, outro pretende adquirir o direito à exploração madeireira. Um precisa ter acesso à terra e o outro ao recurso florestal.

Nesse contexto, a política de destinação das terras públicas aparece como um importante mecanismo de combate à grilagem da terra, seja para fins agrários ou ambientais. Enquanto o Estado (União e os estados federados) possuir estoques de terra sem lhe dar uma destinação, haverá sempre a possibilidade de ocupação ilegal dos bens públicos. Portanto, será necessário estabelecer uma política de destinação de todas as terras públicas para os próximos cinco ou dez anos e, no final de um determinado prazo, as glebas devem estar destinadas para algum fim público

41Estamos nos referindo ao Projeto de Lei Gestão de Florestas Públicas, que está em discussão no Congresso

Nacional e disporá sobre a gestão de florestas públicas para produção sustentável. Também estão inclusas nessa discussão as normas administrativas que regulam o manejo florestal e o desmatamento no imóvel rural na Amazônia brasileira, ou seja, a utilização da terra e dos recursos madeireiros e não madeireiros existentes na floresta, possibilitando o acesso à cobertura vegetal em áreas privadas.

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A grilagem de terras públicas na Amazônia brasileira

(reconhecimento dos direitos indígenas, das comunidades de quilombolas, das populações tradicionais, para proteção ambiental, para fim de reforma agrária).

Passaremos agora a enumerar os principais pontos que achamos importantes para destinar as terras públicas à utilização da propriedade familiar. Na elaboração de uma política pública de destinação, esses pontos devem receber uma graduação diferente, dependendo de sua localização. Por exemplo, acesso à estrada é um critério importante para destinar uma gleba de terra, mas se a estrada for uma rodovia, a pontuação será maior do que receberá uma vicinal ou estrada secundária, e assim por diante.

Contudo, é preciso acautelar-se no uso dos critérios descritos. Estamos apresentando uma primeira aproximação de critérios que podem orientar a tomada de decisão, mas antes de destinar as áreas públicas será necessário verificar in loco a viabilidade ou não da proposta. A confrontação com a realidade e o aprimoramento dos critérios possibilitarão a elaboração de um mapa para ser utilizado na política pública de destinação das glebas de terras.

3.4.1. Critérios para destinação de terras à propriedade familiar: uma

primeira aproximação

Na escolha das áreas com potencial para a pequena propriedade pode-se empregar o método de avaliação de multicritério. Esse método utiliza uma série de critérios, a fim de ajudar na seleção das terras que serão destinadas à pequena propriedade. Um destes é a infra-estrutura à produção e as características físicas e ambientais da área.

Assim, a abordagem (Avaliação de Multicritério) implica:

a) combinar uma série de critérios compostos em um único mapa que representa potencial para a destinação para um determinado fim pré-estabelecido;

b) assumir pesos para esses critérios. Quanto mais próximo de 1, melhores são as condições para dar preferência à propriedade familiar;

c) separar os critérios em dois grandes grupos:

– Fatores (de característica contínua) que indicam a aptidão relativa das áreas. – Áreas que devem ser excluídas do modelo porque já possuem outros usos (por exemplo, área indígena ou unidade de conservação).

Os grandes grupos de critérios utilizados são: a) fatores:

– Infra-estrutura para o desenvolvimento da atividade

• Distância das estradas principais (estradas federais e estaduais) • Distância das cidades ponderada pela população urbana – Condições apropriadas para a produção

• Distância dos rios • Variação topográfica • Solos

b) áreas excluídas da destinação para a propriedade rural: – Áreas com limitações legais

• Terras indígenas

• Unidades de Conservação federais e estaduais

• Áreas com grande biodiversidade e ecossistemas frágeis e ainda não protegidas por lei

• Áreas militares

– Áreas de perímetros urbanos – Áreas inundáveis

• Várzea

• Rios, igarapés, paranás e lagos

A conjunção desses critérios e pesos possibilitará o mapeamento de áreas potenciais para destinação à pequena propriedade. O mapa pode ser elaborado a partir da limitação de uma gleba de terra, em um município ou em uma região. Em outras palavras, os critérios podem ser aplicados tanto em uma pequena área como em uma grande região.

3.5. Conflito entre os critérios de legitimação de posse e de destinação