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Grilagem, pecuária e soja: a consolidação da ocupação do espaço A pecuária e, mais recentemente, a soja são, na maior parte do tempo, sucedâneas

Estruturação do estudo e metodologia

1.5. Grilagem, pecuária e soja: a consolidação da ocupação do espaço A pecuária e, mais recentemente, a soja são, na maior parte do tempo, sucedâneas

da extração madeireira e consolidam a privatização de áreas públicas. O esgotamento da madeira conduz ao loteamento e à revenda de terras (não tituladas ou até em terras indígenas, como no caso dos Apiterèwa), cujos lucros muito freqüentemente financiam os custos da expansão da pecuária.

Nesse processo, a apropriação e a venda de terras públicas aparecem como uma forma de acumulação, que contribui para explicar a capacidade de investimento dos “fazendeiros”, e a capacidade de expansão da pecuária.

A venda direta de terras e a expansão da pecuária em São Félix do Xingu, os altos investimentos de comerciantes urbanos (“empreendedores” donos de terras) na abertura de ramais, na manutenção de estradas e na construção de pontes, explicam- se em grande parte pelos lucros auferidos com a venda de lotes para pequenos e médios agricultores (Lindoeste, Barra Mansa, Taboca-Paredão, Canopus etc.). Isso torna até certo ponto autofinanciável, quando não altamente lucrativa, a construção de infra- estruturas de acesso às fazendas da área. O forte crescimento do rebanho em São Félix do Xingu, como também a relativa estagnação – ou até regressão – da produção pecuária em municípios vizinhos, são compreensíveis nessa ótica, quando se pensa que a transferência de gado para áreas novas de São Félix pode estar servindo de base à apropriação fundiária, e que os custos dessa expansão, por sua vez, são parcialmente cobertos com a venda de terras apropriadas nesse decorrer, numa espécie de “círculo virtuoso do lucro”.

O deslocamento de gado para uma área grilada e desmatada ilegalmente empresta, assim, as aparências de empreendimento produtivo a um processo de dilapidação do patrimônio coletivo com altos custos sociais e ambientais. Em um estudo realizado pela Rede Temática de Pesquisa em Modelagem da Amazônia – Geoma, em novembro de 2004 (Dinâmica territorial da frente de ocupação de São Félix do Xingu- Iriri: subsídios para o desenho de políticas emergenciais de contenção do desmatamento), demonstram-se claramente esses padrões extraordinários de crescimento da pecuária no município de São Félix do Xingu, conjugados à estagnação nos arredores: “Somente o município de São Félix do Xingu é detentor de 10% do rebanho bovino do estado do Pará, com um crescimento do rebanho de 780% em 7 anos.” A figura 1 apresenta a evolução do rebanho:

Figura 1: Evolução do rebanho de 1996 a 2003

Fonte: IBGE, 2004.

Finalmente, a recente entrada da soja na Amazônia, nos últimos 15 anos, deu um extraordinário impulso ao processo de ocupação de terras públicas, criando uma “fronteira” para uma nova atividade econômica, e gerando novas fontes de crédito e financiamento para aqueles que dispõem de um controle (e da perspectiva de regularizar suas pretensões) sobre vastas áreas de terra.

No oeste paraense, a soja representa uma poderosa ameaça às populações tradicionais e à biodiversidade amazônica. Segundo Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Inpa, a soja é muito mais prejudicial ao meio ambiente que outras culturas porque ela justifica grandes projetos de infra-estrutura de transporte, que, por sua vez, iniciam uma cadeia de eventos conduzindo à destruição de habitats naturais em grandes extensões, além das áreas plantadas diretamente com a soja.

Para Carvalho (1999), a cultura da soja na Amazônia está baseada em grandes volumes de incentivos oficiais para o cultivo, o escoamento e a comercialização. Os investimentos públicos necessários à correção dos solos inadequados somam-se ao custo das obras de infra-estrutura, das externalidades ambientais e, finalmente, da renúncia fiscal. Em Santarém, o porto da Cargil consolidou o município como estratégico para o escoamento de grãos, localizado em uma região que ocupa um lugar de destaque, pois apresenta condições para ser um grande pólo produtor e um grande porto exportador,

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A grilagem de terras públicas na Amazônia brasileira

destino final o porto desse município (Costa, 2000). Esse cenário tem resultado em grandes conseqüências socioambientais, como o alto índice de desmatamento, violência no campo, pequenos agricultores expulsos de suas terras, sem alternativa econômica e, nos centros urbanos, um processo de ocupação desordenada.

As estratégias de ocupação de áreas aptas à plantação de grãos têm levado empresas e grupos organizados em cooperativas a intimidar populações tradicionais que habitam a região há mais de cem anos. Os moradores da Gleba Nova Olinda, município de Santarém, por exemplo, apesar de tentarem várias vezes a legalização de suas áreas junto ao Iterpa, até hoje não tiveram uma resposta. Entretanto, os moradores da Gleba Nova Olinda acusam o próprio Iterpa de vender lotes entre 2.000 e 2.499 hectares nessa gleba, para sojeiros vindos do sul do país. Localizada na região do rio Arapiuns, a Gleba Nova Olinda possui mais de um milhão de hectares sob a jurisdição do estado. A denúncia dos moradores foi confirmada por uma lista de 17 pessoas com processos protocolados junto ao Iterpa nos anos de 2002 e 2003. Das 17 pessoas, 10 constam na lista do relatório do Ibama como resultado da operação realizada entre os dias 14 e 28 de outubro de 2003, em que se constatou um esquema de loteamento e vendas de áreas na gleba. Um dos sojeiros envolvidos confessou aos fiscais do Ibama que uma senhora conhecida como Lucita, residente no município de Juruti, possui um escritório na mesma cidade onde são feitas as negociações. O relatório sugere a investigação do pedido de regularização fundiária junto ao Iterpa das seguintes pessoas: Alfredo Sipert, Erivan Rodrigues Apinagés, José Ramos de Oliveira, Jefferson Aurélio Azulay Rodrigues de Araújo, Rosenil Vaz de Souza, Francisco de Souza, David Urbaf, Abílio Bernardo Sá, Irio Luis Ortec, Vilmar Ceron, Maurício Expedito, Marlon S. Christopholli, Alvadi Christopholli (Kiko), Manuela Secco, Valdir Secco, César Prado de Souza, Lairton Antonio Hoffmann, Ambrósio Francisco Schawade, Jandir Miguel Schawade, Mário Luis Ceron, Daniel Sana, Lidiomar Pinheiro, Eliana Prado de Souza, Erny Parisente, Arlindo Gorges, Edivaldo Rabelo da Silva, Antonio Carlos Bispo, Roberto Carlos Taparello, Joel da Rocha Porto, Fortunato Abel Tolotti, Aloy de Sousa Coelho, Gustavo C. Taveira de Souza, Carlos Augusto B. da Silva, Márcia T. Belusso, Felipe Belusso, Antonio Carlos Pereira, Fabio Augusto da Silva, Maria do Socorro da Silva e Coriolando Brelaz.