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3.3 – CRITÉRIOS DE DIFERENCIAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO FORMAL, NÃO-FORMAL E INFORMAL

É provavelmente dos exercícios mais difíceis, no âmbito do debate sobre a educação não- formal, o da definição de critérios que a distingam quer da educação formal, quer da educação informal. É geralmente fácil encontrar e fornecer exemplos que ilustrem cada uma destas partições conceptuais, mas não se encontram critérios consensuais que definam as fronteiras entre elas – restando sempre margem para situações do quotidiano educativo que invadam essas mesmas fronteiras.

a) Entre a educação informal e as restantes

Trilla-Bernet (2003) sugere-nos que, no respeitante a esta distinção – entre a educação informal e a educação formal e não formal (ver esquema 3) – há dois critérios que têm sido mais veiculados: (1) o da intencionalidade e (2) o do carácter metódico e sistemático do processo educativo.

No primeiro caso, caberia no espectro da educação formal e não-formal todo o processo educativo intencionalmente encetado, e no espectro da educação informal os processos

educativos que acontecem sem qualquer intencionalidade. Este critério, apesar de abundantemente utilizado é no entanto equívoco. Podemos dizer com segurança que toda a educação informal é não-intencional? O que dizer das aprendizagens em família, através dos meios de comunicação social, no grupo de pares – todos estes exemplos normalmente atribuídos à educação informal?14

O segundo critério parece mais próximo de uma distinção fina entre estes dois territórios educativos – o processo educativo no âmbito da educação formal e não-formal seria levado a cabo de forma metódica e sistemática, o que não aconteceria no caso da educação informal. Também este é, no entanto, um critério discutível. Pelas mesmas razões que o anterior, o que dizer da “não-sistematicidade” ou da “falta de método” dos processos educativos através dos meios de comunicação social, ou da própria família, por exemplo?

Trilla-Bernet (2003:25-27) sugere-nos pois um outro critério de distinção entre a educação informal e as restantes duas: “… um critério de diferenciación y de especificidad de la función o del proceso educativo. Es decir, estaríamos ante un caso de educación informal cuando el proceso educativo acontece indiferenciada y subordinadamente a otros procesos sociales, cuando aquél está inmiscuido inseparablemente en otras realidades culturales, cuando no surge como algo distinto y predominante en el curso general de la acción en que transcurre tal proceso, cuando es inmanente a otro cometido, cuando carece de un contorno nítido, cuando tiene lugar de manera difusa (que es otra denominación de la educación informal).”

Desta forma, a educação formal e não-formal assumiriam um carácter intencional, contando com objectivos de aprendizagem ou formação explícitos e apresentando-se sempre como processos educativos diferenciados e específicos. No seu conjunto, é isto que as distingue da educação informal.

Na diferenciação entre educação informal e não-formal, também La Belle (cit Poizat, 2003:39) insiste no critério da intencionalidade ou, mais precisamente, da vontade deliberada: “Entre les systèmes non formel et informel s’insère une différence importante qui ‘subsiste dans le fait qu’existe une volonté délibérée de fournir une instruction programée au sein des 14 Gonzalo Vazquez (1998:13) questiona, inclusivamente, se a utilização do critério intencionalidade não

systèmes non formels, absente au sein d’une éducation informelle’”.

Gonzalo Vazquez (in Sarramona, 1998), partilhando em parte do critério de intencionalidade proposto por Trilla-Bernet, sugere-nos outros quatros critérios de diferenciação que incidem sobretudo na fronteira entre a educação informal e as restantes duas partições: (1) duração, (2) universalidade, (3) instituição e (4) estruturação.

Seguindo o critério da duração, entende que, ao passo que a educação formal e não-formal são limitadas no tempo (ou com processos limitadas no tempo), a educação informal é ilimitada na sua duração; estende-se ao longo de toda a vida. Na mesma linha de raciocínio surge o critério da universalidade, segundo o qual a educação informal diz respeito a todas as pessoas, por todas as pessoas serem capazes de aprender ao longo de toda a sua vida; o mesmo não acontece com a educação formal e não-formal, que se destinam a públicos específicos em momentos determinados. O critério institucional (podendo ser também aplicado na fronteira entre a educação formal e não-formal) é aqui utilizado por Vazquez com uma certa gradação: a educação formal sendo a mais institucionalizada das três, e a educação informal a menos institucionalizada – ou até “não institucional”. Por último, sugere-nos o critério de estruturação, a partir do qual a educação informal se distinguiria das restantes duas por não encerrar em si mesma nenhum tipo de estruturação.

b) Entre a educação formal e não-formal

Na fronteira entre a educação formal e não-formal, Trilla-Bernet (2003:27-29) sugere-nos novamente dois dos critérios mais frequentemente utilizados para distinguir estas duas partições do espectro educativo: (1) o critério metodológico e (2) o critério estrutural.

Na base de definição destes dois critérios está uma assunção importante: a de que a escola, a instituição escolar – ou ainda melhor, a forma escolar (Guy Vincent, 1994) – foi e continua a ser o referente central do que atribuímos comummente à educação formal.

O primeiro critério – o metodológico – tem sido dos mais utilizados recentemente, atribuindo à educação não-formal todos os processos educativos que, ainda que intencionais, com objectivos de aprendizagem ou formação explícitos, diferenciados e específicos, se distanciam dos “procedimentos convencionalmente escolares” (Trilla-Bernet, 2003:27). A este critério

está associada a ideia de metodologias formais e não-formais, frequentemente encontrada nos discursos actuais das mais diversas organizações.

O segundo critério apresentado – o estrutural – reporta-se sobretudo ao carácter institucional do sistema de ensino, tendo em conta as suas dimensões política, administrativa e legal. Segundo este critério, “lo formal es lo que así definen, en cada país y en cada momento, las leyes y otras disposiciones administrativas; lo no formal, por su parte, es lo que queda al margen del organigrama del sistema educativo graduado y jerarquizado resultante. Por tanto, los conceptos de educación formal y no formal presentan una clara relatividad histórica y política: lo que antes era no formal puede luego pasar a ser formal, del mismo modo que algo puede ser formal en un país y no formal en otro” (Trilla-Bernet, 2003:29).

Também assente na base escolar (ou extra-escolar) do processo educativo, é a proposta de D- R Evans: “la démarcation entre E.N.F et E.F est nettement indiquée par les termes scolaire et extra-scolaire. Il se peut pourtant que certaines activités ne relèvent pas clairement de la catégorie formelle ou non formelle, par exemple lorsque l’école fait appel à un musicien de musique traditionelle pour enseigner aux enfants une tradition culturelle après l’horaire habituel de classe” (cit Poizat, 2003:39).

Apresentado este conjunto de critérios de diferenciação entre educação formal, não-formal e informal – e conscientes de que muitos outros haverá que não estão aqui reflectidos – dificilmente conseguimos evitar a sensação de nos movermos num território de delimitação conceptual muito ténue e, porventura, significativamente artificial. Suspeitamos que, para cada proposta de delimitação entre estes três conceitos, haverá sempre uma evidência da prática, da realidade, que a colocará legitimamente em questão. Como nos diz Rothes (2005:173-174) “nem sempre os contrastes entre educação formal e não formal são claros, sendo arriscado encará-los como mutuamente exclusivos. É preferível, com efeito, sublinhar que as características da educação não formal resultam sobretudo de perspectivas e de tradições de intervenção que, não estando condicionadas pela preocupação de validação de saberes, se foram estruturando com determinadas marcas que perduram até aos nossos dias. Umas vezes, essas características surgem de modo mais claro e inquestionável, outras vezes elas cruzam-se de modo mais ou menos tenso com outras lógicas de intervenção educativa”.