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2 A TRADUÇÃO DE ALMEIDA

4. A REVISÃO DA BÍBLIA DE ALMEIDA

4.3 Critérios e pressupostos

Depois de haver decidido pelo início pronto da revisão, as igrejas definiram, por discus- são e votação, os parâmetros do projeto. As opções eram: (1) uma revisão profunda do texto, incluindo mudanças de conteúdo; (2) uma revisão intermediária, mantendo, quando possível, a redação da Revista e Atualizada, fazendo mudanças consideradas necessárias; e (3) uma revisão sutil, corrigindo pequenos lapsos, mudando pontualmente a tradução, mantendo, o máximo pos- sível, o texto da Revista e Atualizada.

O que ficou acordado foi uma revisão intermediária, que não descaracterizasse o texto já conhecido das igrejas e dos leitores, mas que passasse por uma leitura minuciosa e análise profunda, atualizando passagens bíblicas de acordo com as fontes mais recentes, trocando lé- xico difícil e possíveis arcaísmos por vocábulos mais fáceis, pertinentes ao português falado no Brasil atual, e substituindo os pronomes “tu” e “vós” em diálogos e narrativas por você/vocês, mantendo-se a segunda pessoa apenas nas referências a Deus, ou seja, nos Salmos, nas poesias, nas orações etc.

Assim, a tradução foi mantida formal, privilegiando, no entanto, a compreensibilidade do texto. Embora pareça um contrassenso, em vista da discussão da dicotomia “letra” e “espí- rito”, apresentada no princípio deste trabalho, além da polarização de métodos de tradução de- lineada por Eugene Nida, a Nova Almeida Atualizada propôs um equilíbrio entre uma tradução formal e uma tradução dinâmica. Não se adotaram os princípios defendidos por Nida de forma absoluta, nem houve rejeição total a eles. A ideia foi manter a tradução formal, assim como suas revisões anteriores, mas levar em conta a inteligibilidade do texto para as novas gerações, adotando o princípio dinâmico quando se entendesse pertinente.

Alguns aspectos gerais do projeto foram convencionados: manter os versículos paragra- fados, atualizando, porém, os diálogos, que não apareciam, na edição anterior, com travessões. Os títulos que subdividem o texto bíblico, resumindo em temas o conteúdo de um ou mais pará- grafos, capítulos inteiros ou até mais, não fazem parte do texto original. Como são acréscimos posteriores (cf. Gn 1.1; 2.4), poderiam ser alterados, conforme a revisão do texto.

Quanto à palavra “Senhor”, manteve-se o padrão da Almeida Revista e Atualizada: com letras maiúsculas (SENHOR) indica que se trata, no texto original hebraico, do nome de Deus,

“Javé” (Gn 2.4), o tetragrama. “Senhor”, por sua vez, se refere ao hebraico adonai ou a outras formas no grego, como Kyrios.

Outro ponto da revisão é a correção de eventuais erros encontrados no texto da Almeida Revista e Atualizada. Um exemplo é a identificação de uma incorreção em Ap 1.3. Em vez de “aqueles que leem”, o correto é “aquele que lê”.

Um elemento a se destacar foi a decisão de revisar palavras e expressões arcaicas. Essa pauta foi levantada por muitos leitores e representantes de igrejas, que afirmaram a necessidade de clarificar textos da RA que continham verbetes muito difíceis ou pouco usados em nossos dias. Um exemplo, apresentado no Prefácio à Nova Almeida Atualizada, é o termo “irrisão”, que na RA aparece em Jó 12.4. “Irrisão” foi substituído por “motivo de riso”. Outros exemplos serão apresentados ao longo desta análise. Um critério na mesma linha foi a eliminação das mesóclises. Assim, expressões como “dar-se-vos-á” (Mt 7.7) deram lugar a formulações mais usuais no português brasileiro atual (“lhes será dado”).

Outra característica dessa revisão foi a substituição dos pronomes “tu” e “vós” por ou- tras formas: “você”, “vocês”, “senhor”, “senhores”, “senhora”, “senhoras”. No entanto, uma sugestão das igrejas e uma resolução da equipe foi manter a forma “tu” sempre que alguém se dirige a Deus em oração ou louvor, como, por exemplo, nos Salmos e na oração do Pai-Nosso (Mt 6.9-13). Essa é, inclusive, uma prática que se observa nas igrejas. O “tu”, além do “vós”, ainda que mais raramente, são preservados nas igrejas nos momentos de oração e no louvor a Deus, em canções e hinos. Portanto, isso se aplicou à tradução.

A Bíblia de Almeida, assim como várias traduções antigas, tentava seguir o original hebraico e grego quanto à sintaxe, sendo normal encontrar o verbo antes do sujeito nos textos da tradução. Na revisão, a pedido das igrejas, houve uma reordenação de frases, em muitos casos, colocando o sujeito antes do verbo. A exceção são as poesias, as orações e outros textos nos quais a expressividade da linguagem é importante.

Outro critério da revisão foi a comparação entre as passagens paralelas e a busca por uma tradução igual para o que é idêntico nos originais e diferente para o que não é igual. Isso foi feito com auxílio de ferramentas computacionais. Essa consistência se faz necessária uma vez que muitos textos no original são exatas réplicas de passagens escritas por outros autores. Isso se aplica de modo especial aos textos dos livros de Samuel e Crônicas, Reis e Crônicas e aos textos dos Evangelhos.

Uma característica peculiar deste trabalho foi a atenção à linguagem masculina para se referir genericamente a homens e mulheres. A tradução de Almeida trazia “homens”, “meninos”

e outras expressões masculinas quando os textos muitas vezes se referem a “pessoas”, “seres humanos”, “crianças”, “humanidade”. Isso tem a ver com o contexto, os referenciais e o estilo de Almeida. Muitas traduções, ao longo da história, copiaram Almeida nesse aspecto, o que engendrou, em certos casos, uma leitura androcêntrica da Bíblia. O que se definiu na revisão foi mexer nos textos em que o referente são homens e mulheres, sem, com isso, adotar extensi- vamente uma linguagem inclusiva. A proposta foi corrigir essa tendência da tradução com fins de clareza e adequação aos originais.

Mais um elemento debatido e definido em conjunto com as igrejas foi a revisão das unidades de peso (como siclos, talentos etc.), medida (côvados, estádios etc.) e capacidade (efas, batos etc.). Por pedido da audiência, essas unidades foram convertidas para pesos e medidas que são mais conhecidos e usados pelos leitores de hoje (gramas, metros, litros etc.). Como se esclarece no Prefácio à edição,

Uma vez que não se sabe com absoluta certeza qual era, por exemplo, a capacidade de um efa ou o comprimento do côvado, essas conversões foram, em muitos casos, aproximadas. Em relação especificamente a “côvados”, a medida foi mantida em tex- tos consagrados, como Mt 6.27 e Lc 12.25 (“acrescentar um côvado ao curso da sua vida”) e Ap 21.17, uma passagem em que a conversão de 144 côvados para 64 metros acabaria por eliminar um número simbólico no Apocalipse. No entanto, notas expli- cativas foram acrescentadas para informar o equivalente mais próximo desses côvados no sistema métrico. (BÍBLIA SAGRADA, 2017, p. VII-VIII)

Nomes de moedas, como “denários” e “dracmas”, por sua vez, foram mantidos, segundo a comissão, “porque é arriscado atualizar seu valor num mundo de inflação constante. No en- tanto, notas explicativas indicam seu valor relativo” (2017, p. VIII).

Na Nova Almeida Atualizada, foi incluído um sistema de referências cruzadas mais amplo do que o presente na edição anterior. Foi decidido, ainda, usar notas ao longo do texto, de vários tipos: traduções alternativas, explicações de termos hebraicos e gregos que foram apenas transliterados, informações a respeito do contexto cultural bíblico, entre ou- tras.

Por fim, houve a manutenção de alguns textos entre colchetes. Trata-se de material que se encontra no aparato crítico das edições mais recentes do texto grego, não sendo, portanto, considerado parte do original. Segundo o Prefácio, ele permanece no texto da tradução para alertar o leitor e evitar que, diante da ausência de alguns versículos conhecidos, se pense ter havido alguma incorreção ou até falha na impressão.