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Cruzando linguagens

No documento UNIVERSIDADE DE MARÍLIA (páginas 85-88)

CAPÍTULO 3 – LITERATURA E CINEMA NUMA PROPOSTA

3.1 Cruzando linguagens

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CAPÍTULO 3 - LITERATURA E CINEMA NUMA PROPOSTA PEDAGÓGICA

3.1 Cruzando Linguagens

A perspectiva deste capítulo é estudar de que forma o cinema é capaz de cruzar a sua linguagem com o discurso escolarizado e como essa interação contribui para a aprendizagem, valorizando e enriquecendo o processo educacional.

O desenvolvimento deste capítulo enfoca o diálogo entre Educação e Cinema, que busca priorizar o cruzamento e aprendizagem das linguagens, ou seja, cinema e discursos literários, entre a obra literária Memórias Póstumas de Brás Cubas, um romance de Machado de Assis, e o filme Memórias Póstumas que André Klotzel transpôs para o cinema, com grande sucesso.

O texto literário é uma linguagem calcada no real, ou, como afirma Antonio Cândido (1972)

A literatura é a transposição do real para o imaginário, conforme a estilização da linguagem, que se torna plurissígnica e, portanto, relativiza o mundo (os seres, sentimentos, valores etc). Nesse sentido, envolve-a um caráter gratuito e humanístico. Essa gratuidade revela-se tanto por parte do autor, no momento da criação, quanto do leitor ao recebê-la.

Complementando este posicionamento de Antonio Cândido, valer-nos-emos dos preceitos de Hans Robert Jauss (1994), o qual afirma que

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a pessoa que recebe a obra, atualiza-a com sua leitura. Pautado nas experiências passadas — tanto estéticas, quanto nas experiências de mundo — o leitor dialoga com a obra, quando busca hipóteses, confirmações; enfim busca sentido (por meio de dados extralingüísticos: seu conhecimento prévio, e lingüístico: pistas dadas pelo autor) e constrói uma significação para ela, que pode corroborar ou não com o que o autor pretendia inicialmente.

Sobre essa noção, pode-se afirmar que quanto maior a qualidade estética da obra, mais plurissígnica e relativa é a linguagem veiculada e, portanto, mais espaços vazios ou lacunas são proporcionados ao leitor para que este interaja com ela.

Antônio Cândido concorda que a literatura exerce uma função humanizadora de forma gratuita, uma vez que ela não só satisfaz a necessidade de ficção, que é intrínseca ao aluno; como também contribui para a formação da sua personalidade, na medida em que traz a vida desmistificada, com seus aspectos positivos e negativos, retratada de modo tal, que leva o leitor ao conhecimento de si e do mundo, de modo inconsciente, por meio da fruição, e, nesse âmbito, ela o humaniza:

A literatura pode formar o leitor, mas não segundo a pedagogia oficial, que costuma vê-la ideologicamente como um veículo da tríade famosa, – o Verdadeiro, o Bom, o Belo, definidas conforme os interesses dos grupos dominantes, para ser reforço da sua concepção de vida. Longe de ser apêndice de instrução moral [...], ela age com o impacto indiscriminado da própria vida e educa, como ela - com altos e baixos, luzes e sombras (CANDIDO, 1972, p. 805).

Ainda quanto à leitura do texto não-verbal, Ferrara (1993, p. 25) comenta que

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A “leitura sem palavras” permeia o dia-a-dia do homem, à medida que se pode considerar desde a vestimenta ou a escolha de um transporte, como um tipo de leitura, pois essas escolhas revelam as preferências, as expectativas sócio-econômicas do homem.

Na leitura do texto não-verbal, entende-se que é preciso agir com rapidez para agrupar o que se encontra disperso e acompanhar a rápida associação de idéias que está sobre o espaço (movimento) e também se faz necessário entender o seu caráter de movimento e relatividade. Em vista disso, ocorre certa assimetria entre o que o leitor capta e o que produz durante a leitura. Daí,o caráter relativo dessa leitura.

Por ser relativa, não é previsível nem infalível, o que conta na leitura não-verbal é o desempenho e não a competência, porque aquele é mais dinâmico e exige uma leitura sem ordem pré-estabelecida, mas sinestésica. Não produz um saber, entretanto, provoca um processo de conhecimento, a partir da experiência cotidiana.

A decodificação da leitura não-verbal é o início do processo de leitura, porque vê o leitor como receptor participante, tanto da concepção do texto quanto do seu significado, através da projeção de suas experiências e de seu desempenho na operação consciente da linguagem.

Assim, a partir da compreensão, ocorre a interpretação, nomeada por Jauss de “concretização de uma significância específica” que não se desvincula da primeira, porém é mais objetiva ao intuir o esclarecimento da construção do texto (aspectos verbais e literários), para possibilitar uma compreensão global.

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Com a finalidade de trazer o texto para dentro do presente, privilegiando o valor estético na medida para convencer outros leitores, esta aplicação liga-se aos elementos dos aspectos verbais e literários:

Assim como em toda experiência real, também na experiência literária que dá a conhecer pela primeira vez uma obra até então desconhecida há um saber prévio, ele próprio um momento dessa experiência, com base no qual o novo de que já tomamos conhecimento fez-se experienciável, ou seja, legível por assim dizer, num contexto experiencial. (JAUSS, 1994, p. 28).

Para chegar a uma interpretação, o leitor deverá atentar para os sinais explícitos ou implícitos, os traços familiares (experiências passadas) que o encaminharão para uma postura individual e bastante subjetiva de leitura. Esse aspecto é importante pelo fato de a obra não ser apresentada como totalmente nova. O leitor percebe uma nova obra tanto a partir da sua experiência literária, quanto da sua experiência de vida.

A função social da literatura concretiza-se na medida em que o leitor rompe com a automatizada percepção cotidiana e adquire experiência da realidade através da leitura de texto literário. Isso acontece devido ao fato de a literatura diferenciar-se do histórico, não só porque conserva as experiências já vividas, mas também porque antecipa experiências ainda não vividas, ampliando o comportamento social.

No documento UNIVERSIDADE DE MARÍLIA (páginas 85-88)