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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA

VALDENICE ALVES DE FREITAS

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS: TRANSCODIFICAÇÃO

DA LITERATURA AO CINEMA

Marília - SP

2007

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Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

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VALDENICE ALVES DE FREITAS

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS: TRANSCODIFICAÇÃO

DA LITERATURA AO CINEMA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação

da Universidade de Marília, para obtenção de título de Mestre em Comunicação.

Orientadora: Profª. Drª. Suely Fadul Villibor Flory

Marília - SP 2007

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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E TURISMO

REITOR

MÁRCIO MESQUITA SERVA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO

COORDENADORA PROFª. DRª. SUELY FADUL VILLIBOR FLORY

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO MÍDIA E CULTURA

LINHA DE PESQUISA FICÇÃO NA MÍDIA

ORIENTADORA

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom do Amor, que sustenta a existência humana!

À orientadora, Profª.drª. Suely Fadul Villibor Flory, pelo apoio, incentivo e orientação durante toda a pesquisa e pela confiança depositada.

À co-orientadora, Profª.drª. Ana Maria Gottardi, pela ajuda, orientação e as valiosas contribuições ao longo da construção deste trabalho.

Ao meu pai, Osvaldo, pelo exemplo de trabalho, dedicação, generosidade, doação. À minha mãe, Nair, especialmente, pela companhia e apoio durante os vários meses de elaboração deste trabalho, sobretudo por ter me ensinado o valor do estudo.

Aos meus irmãos, Antonio e Vandira, e aos cunhados, Rosilene e Acácio, pela compreensão, carinho demonstrados em todas as horas.

Aos meus queridos sobrinhos, Juliane, Beatriz, Natany e Victor, pelas diversas vezes em que não foi possível dar-lhes atenção, tendo que me dedicar ao trabalho.

À família Moretti, Sérgio, Myriam, Alessandra, Fabíola e César, pela amizade, compreensão, paciência e apoio incondicional em todos os momentos.

À Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, pelo fornecimento e participação do Projeto Bolsa Mestrado, junto à Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas e Diretoria de Ensino de Marilia, que garantiram o sustento financeiro necessário à realização desta dissertação de mestrado.

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RESUMO

O presente estudo tem como proposta abordar a transcodificação da obra literária Memórias Póstumas de Brás Cubas, escrita por Machado de Assis e a sua reprodução cinematográfica homônima, dirigida por André Klotzel. Partimos de um apanhado das divergências consideráveis que ocorrem e das analogias encontradas entre as duas produções. Em seguida, passamos ao objetivo central de nossa dissertação, que é a verificação de como as imagens são construídas e absorvidas pelos alunos do Ensino Médio e de que maneira a escola pode iniciar os alunos na leitura de novos textos, aproveitando-se das novas tecnologias e da linguagem cinematográfica no ensino. Com o intuito de contribuir teórica e metodologicamente para um deslocamento nas questões do ensino da literatura, partindo da obra para o leitor, fazendo-o exercer o papel do leitor ativo, estabelecendo um diálogo entre os textos narrativo e fílmico e propiciando ao receptor a oportunidade de tentar preencher algumas das lacunas presentes tanto no discurso escrito quanto no imagético, valorizando e enriquecendo o processo educacional.

Palavras-chave: transcodificação; Memórias Póstumas de Brás Cubas; linguagem literária; linguagem cinematográfica; leitor; Estética da Recepção.

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ABSTRACT

This study has as a proposal to approach the transcoding of the literary work Memórias Póstumas de Brás Cubas, written by Machado de Assis and its homonymous cinematographic reproduction, directed by André Klotzel, We started from a summary of the analogies found between both productions. Next, we passed to the central objective of our dissertation that is the verifying of how the images are constructed and absorved by the students from high school, and in which way the school can introduce the students in reading new texts, taking the advantage of new technologies and the cinematographic language in teaching. With the goal of contributing theorically and methodologically for a dislocating of the questions of teaching literature, starting from the work for the reader, making him/her to exercise the role of an active reader, establishing a dialogue with the narrative and filmic texts, and providing to the receptor the opportunity of trying to fill some of the blanks present not only in the written speech, but also in the imagetic one, giving value and enriching the educational process.

Key-words: transcoding; Memórias Póstumas de Brás Cubas; literary language; cinematographic language; reader; aesthetics of reception.

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[…] Nada se emenda bem nos livros confusos, mas tudo se pode meter nos livros omissos. Eu, quando leio algum desta outra casta, não me aflijo nunca. O que faço, em chegando ao fim, é cerrar os olhos e evocar todas as coisas que não achei nele. Quantas idéias finas me acodem então! Que de reflexões profundas! Os rios, as montanhas, as igrejas que não vi nas folhas lidas, todos me parecem agora com as suas águas, as suas árvores, os seus altares, e os generais sacam das espadas que tinham ficado na bainha, e os clarins soltam as notas que dormiam no metal, e tudo marcha com uma alma imprevista.

É que tudo se acha fora de um livro falho, leitor amigo. Assim preencho as lacunas alheias; assim podes também preencher as minhas. (Machado de Assis. Dom Casmurro, p. 870-871).

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...10

CAPÍTULO 1 - VOZES DO TEXTO...13

1.1 O leitor e a leitura...13

1.2 A recepção...29

1.3 Os vazios: projeções imaginativas...38

CAPÍTULO 2 – LEITURA DA REPRESENTAÇÃO LITERÁRIA E CINEMATOGRÁFICA...53 2.1 O livro e o filme...53 2.2 O romance: Intertextualidades...61 2.3 O tratamento do tempo...68 2.4 Digressão e metalinguagem...70 2.5 Linguagem cinematográfica... CAPÍTULO 3 – LITERATURA E CINEMA NUMA PROPOSTA PEDAGÓGICA...85

3.1 Cruzando linguagens...85

3.2 Formação do aluno-leitor no contexto educacional e os PCNs...89

3.3 Papel da imagem no espaço educativo...92

3.4 A recepção da obra machadiana no ensino médio...104

CONSIDERAÇÕES FINAIS...115

REFERÊNCIAS...118

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INTRODUÇÃO

Tornou-se bastante comum, nos dias atuais, a adaptação de romances para a linguagem cinematográfica. O propósito deste trabalho foi verificar como se deu a adaptação de uma obra literária para o cinema e a recepção pelos alunos do Ensino Médio, do primeiro ano do Ensino Médio da Escola Estadual Profª. Wanda Helena Toppan Nogueira, de Marília-SP, onde ministro aulas de Língua Portuguesa. Essa leitura nos levará a considerar a especificidade do discurso cinematográfico, iniciando o aluno no conhecimento de uma nova linguagem, fazendo-o exercer o papel do leitor ativo, dialogando com a mesma, ao tentar preencher algumas das lacunas presentes, tanto no discurso escrito quanto no imagético.

Como o nosso objetivo é estabelecer as relações de Memórias Póstumas de Brás Cubas, da linguagem literária à cinematográfica, acreditamos que, por ser uma transposição próxima do original, a comparação de Memórias Póstumas será pertinente.

Como se trata de análise feita a partir de uma adaptação literária para o cinema e ainda para o público do ensino médio da escola pública, é necessário que estejamos atentos para as realidades e particularidades de um e outro, tecendo algumas considerações a respeito da adaptação e da linguagem da estrutura narrativa.

Esses elementos foram focalizados na primeira parte do trabalho, situando o leitor diante da produção escolhida. A partir da segunda parte,

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confrontou-se Memórias Póstumas de Brás Cubas com sua adaptação cinematográfica, observando os elementos acima, para em seguida tratarmos da questão que moveu esta pesquisa: a apresentação do filme em sala de aula despertou nos alunos um interesse estimulante que foi objeto de nosso estudo e reflexão. Nessa abordagem verificou-se a funcionalidade e os efeitos pragmáticos do filme, bem como se discutiram algumas questões da prática pedagógica para o trabalho das linguagens audiovisuais no ensino na prática didática, através de pesquisas, dramatizações, leituras e análise do filme.

Na relação literatura/ cinema, no campo educacional, estaremos cruzando linguagens distintas, com estruturas e características próprias. Se considerarmos a literatura como código verbal, devemos levar em conta que o cinema pertence às chamadas linguagens complexas: som, imagem, cor e texto.

Nosso objetivo é verificar como se dá a transposição da obra romanesca para a linguagem fílmica e como os alunos do ensino médio, enquanto receptores da obra transcodificada, interpretam e analisam os vazios dos textos literário e fílmico, assumindo um papel mais ativo na recepção dos referidos textos.

No primeiro capítulo do trabalho, discutimos as teorias que sustentam as análises do romance e de sua transcodificação fílmica, privilegiando os postulados teóricos estabelecidos pelos críticos que fazem parte da corrente teórica denominada Estética da Recepção.

No segundo, comparamos o filme e o romance e estudamos algumas analogias e também diferenças existentes entre as duas modalidades de linguagem que são objeto deste estudo: a literária e a cinematográfica.

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No terceiro capítulo, vamos observar e analisar a recepção da obra literária e do filme por alunos do ensino médio, verificando como os referidos alunos atuam no processo interpretativo das referidas obras e como preenchem os vazios do texto narrativo e fílmico e ainda se o seu papel pode tornar-se mais ativo e participativo na decifração das obras em questão.

O procedimento adotado para se chegar ao nosso objetivo constou de dramatizações de capítulos do romance Memórias póstumas de Brás Cubas em sala de aula, exibição do filme para os alunos e comparações entre alguns capítulos do livro e as respectivas cenas apresentadas na adaptação para a linguagem cinematográfica.

Estes foram, portanto, os passos seguidos por nossa pesquisa. Passemos então às considerações do primeiro capítulo sobre as teorias que embasam nossas análises e interpretações do romance e do filme Memórias Póstumas de Brás Cubas.

Apresentamos ainda, como última parte do trabalho, um anexo no qual constam entrevistas com o diretor e roteirista do filme, André Klotzel, com o responsável pelos diálogos do filme, o escritor e cineasta, José Roberto Torero, com o responsável pela fotografia, Pedro Farkas e com os atores Reginaldo Faria e Petronio Gontijo. Acreditamos que as entrevistas sejam interessantes para que o nosso leitor possa inteirar-se mais a respeito do filme.1

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Notas da produção do filme Memórias Póstumas de André Klotzel. http://http:paginas.terra.com.br. Acesso em 2/1/2007.

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CAPÍTULO 1 – VOZES DO TEXTO

1.1 O LEITOR E A LEITURA

Para a análise da experiência do leitor ou da ‘sociedade de leitores’ de um tempo histórico determinado, necessita-se diferenciar, colocar e estabelecer a comunicação entre os dois lados da relação texto e leitor.

Hans Robert Jauss

A adaptação2 fílmica de textos literários envolve um universo permeado de entornos, calcado por diferentes visões de questões que atuam em conjunto, tais como o autor do texto de partida, o tradutor-adaptador, o veículo, os leitores e os receptores, e cada um desses possui suas especificidades. Na adaptação para o cinema da obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, partimos da premissa de que a qualidade do produto resultante depende mais das qualidades do repertório e da criatividade do adaptador do que, propriamente, de teorias ou preceitos prévios.

Por adaptação podemos entender, portanto, uma transcrição de linguagem, equivalente a uma transposição de substância, pois a partir do reconhecimento de que uma obra é a expressão de uma linguagem, o seu transporte, pela mudança de veículo, de seu conteúdo a uma outra forma,

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Doc Comparato trata da adaptação como uma transcrição de linguagem que altera o suporte lingüístico utilizado para contar a história. Isto equivale a transubstanciar, ou seja, transformar a substância, já que uma obra é a expressão de uma linguagem. Portanto, já que uma obra é uma unidade de conteúdo e forma, no momento em que tomamos o seu conteúdo e o exprimimos noutra linguagem, forçosamente estamos dentro de um processo de recriação, de transubstanciação. (Comparato, 1995, p. 330).

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configura a adoção de uma outra linguagem, que pressupõe um processo artístico de tradução, ou recriação.

No campo literário, podemos identificar etapas que vão da oralidade à palavra impressa e que apontam para a palavra/ imagem/ movimento /som virtuais. Gradativamente o livro – continente do texto literário – tem sido colocado numa posição de destaque e inúmeras vezes utilizado na produção cinematográfica – continente do texto fílmico - como roteiro ou base de uma obra, na qual imagens e sons não são virtualidades, mas partes integrantes da construção do filme.

A compreensão leitora é um ato de comunicação, que parte da prerrogativa de dar sentido ao texto por meio da interação do leitor com o próprio texto, o contexto e seus conhecimentos e experiências prévias. Como a ativação e/ou desenvolvimento de informação prévia é essencial para favorecer a interação entre o leitor e o texto, não se deve mais falar em leitores neutros que resgatam os significados dos textos, mas em leitores responsáveis, os quais se identificam como sujeitos.

Dessa forma, o caminho natural das discussões teóricas foi colocar em destaque o ato de ler, que situa lado a lado dois protagonistas que se defrontam: o texto e o leitor. Em relação ao texto, podemos considerar que este só adquire pleno sentido, quando alcança as mãos de um leitor, o qual, envolvido por suas palavras, poderá ir além do sentido habitualmente conferido pelo ato da leitura, como simples recognição de signos, por meio de um processo automático de reconhecimento e de decodificação.

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Por um lado, enquanto ação sócio-cultural, rotina entre interlocutores, o ato de ler diz respeito à produção de sentidos; por outro, prescinde de contra palavras. O referido ato de ler pode ser considerado como um oferecimento do texto ao leitor por um processo que, essencialmente, envolve o reconhecimento, mas que se realiza, basicamente, através de atitudes de compreensão, decorrente de estratégias textuais e complexas de controle do texto, num contexto específico:

O essencial na tarefa de decodificação não consiste em reconhecer a forma utilizada, mas compreendê-la num contexto concreto preciso, compreender sua significação numa enunciação particular. Em suma, trata-se de perceber seu caráter de novidade e não somente sua conformidade à norma. Em outros termos, o receptor, pertencente à mesma comunidade lingüística, também considera a forma lingüística utilizada como um signo variável e flexível e não como um sinal imutável e sempre idêntico a si mesmo (BAKHTIN, 1999, p.93).

Temos assim, o leitor singular que, no ato de leitura, constitui, ou seja, forma, organiza, compõe, estabelece sentidos e não, como aparentemente pode-se chegar a pensar, os reconstitui.

O ato de ler não implica somente num processo de decodificação de códigos constantes e de construção de sentidos sempre análogos a si mesmos, mas, permite, fundamentalmente, a composição de sentidos outros que não são, necessariamente, os mesmos pensados pelo autor da obra.

As palavras de Calvino são reveladoras sobre os envolvimentos dos atos de leitura e de escritura. Na concepção de Calvino (1999, p. 198), “onde há um leitor, está também ali o ato do escritor”. Um texto só adquire sentido global quando obtém um leitor ávido por suas palavras. Sendo assim, leitura e escrita inserem-se no texto enquanto práticas efetivas, concebendo uma relação

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intersubjetiva entre escritores e leitores, prevendo um quadro de comunicação que prima pela constituição de sentidos, os quais vão permitir múltiplas possibilidades de compreensão.

E quanto ao verbo ler? Poder-se-á dizer “hoje lê” tal como se diz “hoje chove”? Pensando bem, a leitura é um ato necessariamente individual, muito mais do que o escrever. Admitindo que a escrita consegue superar as limitações do autor, ela apenas continuará a ter sentido quanto for lida por uma pessoa singular e atravessar os seus circuitos mentais. Somente o fato de poder ser lido por um indivíduo determinado prova que aquilo que é escrito participa do poder da escrita, um poder baseado em algo que está para além do indivíduo. O universo exprimir-se-á a si mesmo até que alguém possa dizer: “Leio, logo ele escreve”. (CALVINO,1999, p. 198)

Ao que tudo indica o leitor jamais obterá a certeza explícita de que a sua interpretação, ou a sua compreensão do texto seja a mais correta ou válida. Esta idéia é esclarecida por Flory (1997, p. 34):

A impossibilidade da experiência alheia faz do texto uma experiência plural que, embora possua complexos de controle em seu sistema de combinações, precisa reservar um lugar, dentro desse mesmo sistema, para o leitor, a quem cabe atualizar a mensagem ficcional. Esse lugar é dado pelos vazios que se oferecem para a ocupação pelo receptor. Configura-se, assim, a assimetria fundamental entre o texto e o leitor, possibilitando a comunicação no processo da leitura.

Essa comunicação só se realizará mediante a mobilização dos aspectos projetivos do leitor, como complementa Iser (1979, p. 106) em seu artigo intitulado “A interação do texto com o leitor”. De acordo com o crítico mencionado,

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à medida que os vazios indicam uma relação potencial, liberam o espaço das posições denotadas pelo texto para os atos de projeção do leitor. Assim, quando tal relação se realiza, os vazios desaparecem.

De acordo com Iser, o leitor tem um papel importantíssimo que se manifesta no ato de leitura pelo preenchimento dos vazios do texto. Aliás, é válido ressaltar que as obras machadianas exigem um leitor participativo, que duvide do narrado e, enfim, que seja capaz de ler com argúcia e perspicácia como nos relata o narrador de Esaú e Jacó: “O leitor atento, verdadeiramente ruminante, tem quatro estômagos no cérebro, e por eles faz passar e repassar os atos e os fatos, até que deduz a verdade, que estava, ou parecia estar escondida.” (ASSIS, 1987, p. 127).

O leitor que Machado espera para seus romances - leitor ruminante, que reflita sobre a narração, não seja passivo e tire suas próprias conclusões - aproxima-se daquele teorizado por Iser, que deve agir ativamente frente ao texto para preencher suas lacunas e interpretar o que lê de forma adequada. Desse modo, constata-se que o papel do leitor/ espectador é fundamental na decodificação tanto da obra literária quanto da fílmica.

O propósito deste capítulo é analisar os procedimentos das vozes em Memórias Póstumas de Brás Cubas, com o intuito de mostrar que, como processo ficcional, sua finalidade não é puramente separar a ficção da realidade, mas induzir o leitor a compreender as variáveis entre o real e o imaginário, refletindo sobre os ajustes literários existentes e a busca de identidades estéticas. Para

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tanto, há que se observar como se comporta esse novo narrador, a função da intertextualidade e da recepção em relação aos leitores.

Em toda obra literária, organizam-se dois mundos diferenciados: o mundo ficcional, em que as personagens transitam, e o mundo do leitor. Devido ao trânsito livre entre o real e o imaginário, a voz, autoconscientemente, invade o mundo visivelmente livre da história, constituindo analogias dialógicas constantes, que levam o leitor a identificar a obra como processo e como produto.

A partir dessa constatação, observamos que a figura do leitor torna-se presente na alusão direta, nas interrogações, na preocupação do narrador em conduzir/ facilitar a leitura desse novo gênero, no levantamento de falsas pistas, ou falsas expectativas, para que o receptor fuja dos modelos pré-estabelecidos e construa uma nova forma de ler.

O dialogismo, ou seja, o discurso dialógico, estudado por Bakhtin (1988), estabelece uma interação entre o texto e o leitor, configurando-se como uma antecipação do discurso de um outro no próprio discurso do narrador, como se a fala fosse uma réplica do leitor.

Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, ocorre o dialogismo baseado em dois parâmetros: o horizontal – do diálogo do autor com seu leitor potencial – e o vertical – do diálogo entre o texto e outros textos (Kristeva, 1969).

Cabe ao leitor consolidar o que está escrito, excluir os pontos de indeterminação, ultrapassar o texto existente e buscar, no seu conhecimento de mundo, os elementos que hão de lhe permitir as inferências necessárias à reconstrução do discurso. O leitor, ao passo que lê um romance, é coagido pelo efeito persuasivo das estratégias retóricas do autor, por intermédio do narrador e

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pelo acúmulo de indicativos fictícios, a preencher o espaço entre o seu próprio mundo empírico e o universo ficcional. O texto trabalha como estímulo para a memória do leitor, na qual todos os textos anteriormente lidos estão armazenados.

Quando, de algum modo, a intertextualidade3 é recuperada, o leitor é capaz de identificar o significado de um texto a partir do conhecimento prévio de outros textos. Dessa forma, o leitor deve estar social e historicamente situado e a maneira pela qual interpreta a obra literária é fortemente dependente desse fato.

Machado manipula os discursos narrativos de modo a manter uma relação dialógica permanente, tanto com o leitor quanto com os discursos de outros autores. Na introdução de Memórias Póstumas de Brás Cubas, há uma verdadeira teoria da recepção, na qual são descritos diversos tipos de leitores: “gente grave”, o leitor dos romances realistas, “gente frívola”, o leitor dos romances românticos, e o “fino leitor”, que parece ser o leitor potencial de Machado.

O leitor cuja atenção é invocada pelo narrador não corresponde ao leitor real, e sim ao que Genette (1983, p. 90) convencionou chamar de “narratário”, que é o leitor representado no texto por um personagem ou pelas estratégias discursivas do texto. Exemplos do domínio do leitor como representantes do significado são encontrados em vários microdiálogos com o narrador:

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De qualquer modo, o importante será verificar se o texto produzido, recorrendo à intertextualidade, tem as marcas de um texto literário anterior, conforme se pode depreender das afirmações de Vítor Manuel de Aguiar e Silva: “consideramos o texto literário como um mecanismo semiótico que, em virtude das características da sua forma de expressão, da sua forma de conteúdo e do seu estatuto comunicacional, apresenta estruturas semânticas peculiares e tem a capacidade de produzir no processo de leitura, tanto sincronica como diacronicamente, novos significados.” (SILVA, 1986, p. 215).

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Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirta que a franqueza é a primeira virtude de um defunto. (MPBC, 1982, p. 45).4

‘Virgília’? Mas então era a mesma senhora que alguns anos depois? ... a mesma. (MPBC, 1982, p. 49)

O tipo de leitor para o qual Machado parece escrever – o fino leitor – é aquele que busca desvendar os mistérios do seu texto, que é incitado a descobrir por si mesmo, na articulação da narrativa, o seu princípio de realização; o leitor capaz de perceber a sua relação com o mundo ficcional, de dialogar com o próprio texto:

Que há entre a vida e a morte? Uma curta ponte. Não distante, se eu não compusesse este capítulo, padeceria o leitor um forte abalo, assaz danoso ao efeito do livro. Saltar de um retrato a um epitáfio pode ser real e comum; o leitor, entretanto, não se refugia no livro, senão para escapar à vida. Não digo que este pensamento seja meu; digo que há nele uma grande dose de verdade, e que, ao menos, a forma é pintoresca. E repito: não é meu. (MPBC, 1982, p. 124).

Nesta passagem, o narrador já alerta o leitor para o fato de que se vale de outros textos para a construção das suas memórias.

Esse é um exemplo típico de intertextualidade. Há que se fazer diferença entre a intertextualidade de forma e a de conteúdo, como afirma Koch (1991, p. 75). A primeira restringe-se à repetição de expressões, enunciados, trechos de outros textos, ou então o estilo de determinado autor ou de determinados tipos de discurso, enquanto que a última – e, por motivos óbvios, a

4 Para fins de citação, empregaremos a sigla MPBC para se referir ao romance, seguida da página.

A edição utilizada é a seguinte: ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. 9. ed. São Paulo: Ática, 1982.

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mais constante – é mais ampla, podendo abranger qualquer tipo de texto e se apresentar de forma explícita ou implícita. A intertextualidade implícita, por não ter indicação da fonte, requer do receptor do texto os conhecimentos necessários para recuperá-la, assim como para detectar as pistas do produtor do texto ao retomar o que foi dito por outrem.

A intertextualidade é detectável na medida em que a comunicação com o leitor é bem sucedida. A obra de Machado é profundamente intertextual, uma vez que incorpora e assimila a herança literária, operando a sua re-proposição através da paródia. Segundo afirmação de Alfredo Bosi (1982, p. 40), “A relação que Machado de Assis estabeleceu com a tradição foi sempre parodística: incorpora-a para que ela fique, mas nega-a pela deformação e deslocamento do contexto em que existe”.

O método adotado por Machado em Memórias Póstumas de Brás Cubas forma-se a partir de uma pluralidade de vozes, muitas vezes advindas de outros discursos, cuja finalidade é pôr em destaque o discurso do narrador em sua versão dos fatos narrados; é desafiar os arquétipos narrativos, relativizar e questionar o sentido e a forma como a expressão estética de um questionamento mais vasto, situado no mundo empírico: a questão do poder. Conforme assinala Bosi (1982, p. 40), foi “o poder, em sua multiplicidade de manifestações ao nível da linguagem, que passou a organizar a produção das formas artísticas machadianas”.

Ao congregar o passado literário, Machado reinterpreta-o, ao mesmo tempo em que o utiliza para problematizar o presente. A título de ilustração, observemos alguns títulos de capítulos do romance machadiano em análise:

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“Triste, mas curto.” (MPBC, 1982, p. 44); “Curto, mas alegre.” (MPBC, 1982, p. 45). Como se pode notar nos exemplos em apreço, a consciência de quem narra, operando a nível fático, é a consciência da metalinguagem da arte e o narrador machadiano usa de todos os recursos para estimular e persuadir o seu leitor.

Fielding (1966, p. 19) foi o primeiro autor a teorizar sobre a divisão em capítulos, ainda que em um capítulo totalmente irônico, no qual afirma ser o espaço entre capítulos “a resting-place”, um lugar de descanso, onde o leitor tem a oportunidade de fazer uma reflexão retrospectiva sobre o capítulo anterior, além de possibilitar ao autor a antecipação do que ainda está por vir. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, há um capítulo que se ajusta às ponderações de Fielding:

Capítulo CII De repouso

Mas este mesmo homem, que se alegrou com a partida do outro, praticou daí a tempos... Não, não hei de contá-lo nesta página; fique este capítulo para repouso do meu vexame. (MPBC, 1982, p. 108).

Vale destacar que na passagem transcrita, o narrador aguça a curiosidade do leitor e procura despertar o seu interesse para que ele prossiga com a leitura, tal como se verifica nas telenovelas, uma vez que os autores sempre deixam um “gancho”, uma situação pendente para que o espectador continue a acompanhar a história. O procedimento machadiano é o mesmo, com a mesma intenção: coagir o leitor a continuar a ler o texto.

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Eugênio Gomes (1976), em seu estudo das correções de Machado de Assis, chama a atenção dos leitores para o fato de que o capítulo que, desde a segunda edição, apresenta o título “Destino”, originalmente era denominado “De como o autor, não achando denominação para este capítulo, limita-se a escrevê-lo”. O título denuncia a semelhança de Machado com o método de Fielding, muito embora o título do referido capítulo tenha sido modificado mais tarde. Na seguinte passagem do romance é possível observar o diálogo do narrador com o leitor virtual:

Podendo acontecer que algum dos meus leitores tenha pulado o capítulo anterior, observo que é preciso lê-lo para entender o que disse comigo, logo depois que Dona Plácida saiu da sala. (MPBC, 1982, p. 88).

É por meio do diálogo que o narrador machadiano solicita a participação do leitor, instruindo-o a que leia o capítulo precedente para que possa compreender a história narrada.

A preocupação em relação à crítica também é alvo do narrador, conforme se pode depreender do fragmento transcrito abaixo:

A um crítico Meu caro crítico,

Algumas páginas atrás, dizendo eu que tinha anos, acrescentei: Já se vai sentindo que o meu estilo não é tão lesto como nos primeiros dias (MPBC, 1982, p. 131).

Verifica-se que o narrador machadiano não só faz constantes apelos ao seu leitor, como também menciona um crítico em potencial, ou melhor dizendo,

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virtual, para justificar as “deficiências” de seu estilo. O narrador em questão nada mais faz do que chamar a atenção de dois possíveis leitores, aquele que lê por distração, para o seu deleite e divertimento e o leitor crítico, que faz uma leitura mais aprofundada, procura descobrir os sentidos ocultos no texto, ou seja, busca interpretá-lo.

A literatura que se fez anteriormente às várias teorias que hoje conhecemos, já abordava a importância do papel do intérprete. A obra de Lawrence Sterne (1998), A vida e as opiniões do cavalheiro Tristram Shandy, publicada no século XVIII, comprova esse fato. O leitor fez-se presente em forma de narratário, a ponto de dois séculos depois transformar-se em protagonista no inquietante romance de Italo Calvino (1999, p. 11), no qual se lê: “Você vai começar a ler o novo romance de Italo Calvino, Se um viajante numa noite de inverno. Relaxe. Concentre-se. Afaste todos os outros pensamentos. Deixe que o mundo a sua volta se dissolva no indefinido.”

O modo como Calvino reforça essa relação com o narratário, desconstruindo o enredo do romance tradicional ao construir trechos fragmentados, inacabados, pontuados por vários imprevistos que desarticulam os sentidos, desvenda as múltiplas faces do leitor diante da obra.

A concretização do leitor no posicionamento textual, como narratário, permite-nos considerá-lo como um personagem atuante do próprio texto, uma vez que se configura como o outro, o parceiro do diálogo, onipresente no romance. Assumindo essa personificação, ele é solicitado para contribuir na configuração de sentidos que passam a existir no momento da leitura. O intérprete lança um olhar

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instável e diferenciado sobre a trama do texto, fazendo com que as páginas apresentem multiplicidade de sentidos.

Mesmo havendo muitas afinidades entre Fielding e Machado, não há dúvida de que Sterne foi a inspiração principal para as peripécias narrativas de Memórias Póstumas de Brás Cubas. Laurence Sterne (1966) desestabilizou os preceitos da estética neoclássica, quando deslocou o foco da narrativa das ações para as opiniões, do exterior para o interior, em The life and opinion of Tristram Shandy - gentleman.

Em sua narrativa, as opiniões e impressões do protagonista, sua atitude irônica frente à sociedade e aos comportamentos humanos são tão fundamentais quanto a história da sua vida. Tal procedimento contradizia a tradição narrativa de seu tempo, uma vez que a narrativa de Sterne tende a reunir a ação e a reflexão a fim de problematizar as questões fundamentais do ser humano.

Ao qualificar Memórias Póstumas de Brás Cubas como “obra difusa”, o autor adverte aos supostos leitores de que se trata de uma obra cheia de digressões e extravagâncias, de uma “forma livre”. Muito embora tenha sido, provavelmente, inspirado pelo narrador de Sterne, quanto à posição do sujeito, tal fato merece ser destacado porque confere uma nova perspectiva ao narrador machadiano e é ainda revelador do jogo intertextual entre Memórias Póstumas e Tristram Shandy.

Sterne divide a narrativa em capítulos, o que o difere, em termos de finalidade, da divisão proposta por Fielding. Enquanto este via no fazer narrativo um mecanismo facilitador da assimilação pelo leitor da matéria narrada, aquele fazia da fragmentação não só um meio de expressar a subjetividade em meio à

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diegese, mas também um subterfúgio para obter um alto grau de implicações cômicas e pôr em prática a sua ironia exacerbada, muitas vezes constituindo uma paródia das técnicas narrativas convencionais.

Em Sterne, a manipulação em alguns capítulos sugere uma desconfiança, uma negação da unidade narrativa. O que parece ser um episódio, ou uma digressão, na verdade não é. A fragmentação do texto em Memórias Póstumas de Brás Cubas tem efeito análogo ao da obra de Sterne:

Talvez suprima o capítulo anterior; entre muitos motivos, há aí, nas últimas linhas, uma frase muito parecida com despropósito, e eu não quero dar pasto à crítica do futuro. (MPBC, 1982, p. 85). O despropósito faz-me perder outro capítulo. Que melhor não era dizer as coisas lisamente, sem todos estes solavancos. (MPBC, 1982, p. 86).

Submetendo a lição de Fielding sobre o comprimento dos capítulos a um processo excêntrico, Sterne escreve capítulos incrivelmente curtos. Se compararmos esse procedimento ao capítulo CXXXVI de Memórias Póstumas de Brás Cubas - Inutilidade – que se resume a um único período formado por duas orações coordenadas alternativas: “Mas, ou muito me engano, ou acabo de escrever um capítulo inútil.” (MPBC, 1982, p. 139), torna-se clara a propensão de Machado pelos capítulos curtíssimos.

É interessante observar que Sterne construiu paródias estilísticas e temáticas das obras de seus contemporâneos. Por exemplo, Fielding, em Tom Jones, informa ao leitor como ler o livro, prescrevendo a sua participação imaginativa. Sterne faz em Tristram Shandy uma paródia desse procedimento, a

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fim de mostrar o seu respeito pela imaginação do leitor, deixando espaços em branco no texto de modo a promover o envolvimento ativo do leitor. Basicamente, é o procedimento que se encontra no capítulo “O velho diálogo de Adão e Eva”, - que é constituído somente pelos nomes de Brás Cubas, Virgília e pontos, pontos de interrogação e exclamação - mas Machado não abandona a condução diretiva do leitor. Ao contrário, através da retórica do narrador, estabelece uma cumplicidade com o leitor, a fim de que este perceba o comportamento que se espera dele, bem como o seu papel na reconstrução do significado do texto.

É evidente que Memórias Póstumas de Brás Cubas tem uma dívida para com Sterne, não no que diz respeito à escolha do modelo, mas quanto ao seu valor modificado no contexto estético e ideológico do realismo e do determinante social, que merece ser apontado. A excentricidade satírica de Sterne transformou-se na confusão de Machado, pela modificação dos elos deterministas de causa e efeito, inerentes ao realismo oitocentista, numa nova configuração de realismo que é o seu reverso crítico, de acordo com as considerações de Hélder Macedo (1991, p. 7-24).

A anexação do estilo e da forma de outros escritores não possui, evidentemente, caráter simplesmente imitativo na obra de Machado. Na verdade, essa incorporação dá-se de forma paródica, conforme já destacamos.

A paródia, a carnavalização5, o reconhecimento do mundo às avessas, exige um conhecimento da ordem do mundo que inverte e incorpora textos

5 A carnavalização, segundo Bakhtin, pode ser um desvio e também uma inversão dos costumes

consagrados, como fez a geração hippie, que sobrepôs o sacro e o profano, o velho e o novo, sem atender a certas normas de interdição social. A carnavalização é de alguma maneira o mundo às avessas e pode ter a leitura de uma parodização.(BAKHTIN, 1981).

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tradicionais. Nesse aspecto reside o paradoxo da paródia, que, ao mesmo tempo, distancia-se e se aproxima do modelo que utiliza (HUTCHEON, 1985, p. 74).

Além de Sterne, Calvino, Machado, Drummond e Silviano Santiago, vários outros autores também se preocupam em interagir com a presença do receptor. O conceito de que o livro existe por si só tem sido constantemente reprovado. A respeito desse assunto, Jorge Luis Borges (1999, p. 284), por exemplo, tece as seguintes considerações:

Enquanto não abrimos um livro, esse livro, literalmente, geometricamente, é um volume, uma coisa entre as coisas. Quando o abrimos, quando o livro dá com seu leitor, ocorre o fato estético. E, cabe acrescentar, até para o mesmo leitor o mesmo livro muda, já que mudamos, já que somos (para voltar a minha citação predileta) o rio de Heráclito, que disse que o homem de ontem não é o homem de hoje, o homem de hoje não será o de amanhã. Mudamos incessantemente e é possível afirmar que cada leitura de um livro, que cada releitura, cada recordação dessa releitura renovam o texto. Também o texto é o mutável rio de Heráclito.

Como salienta Borges, a releitura de um livro é sempre um ato que renova os sentidos e os significados latentes de um texto literário e, nessa acepção, a obra é um rio pelo qual o leitor transita e, seguramente, será sempre surpreendido por novas experiências, novas descobertas, novas emoções advindas do contato com textos já lidos.

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1.2. A RECEPÇÃO

Para consolidar nosso objetivo, partimos dos pressupostos da Estética da Recepção, a partir da Teoria do Efeito Estético, que tem como um dos seus principais representantes Wolfgang Iser. Utilizamos, também, as reflexões de Hans Robert Jauss sobre a recepção de uma obra em seu percurso histórico.

O significado da obra literária é apreensível não somente pela análise de seu processo de recepção, mas também pela multiplicidade de seus aspectos estilísticos e sócio-históricos, por considerá-los condizentes com uma busca que se volta para a reflexão sobre a maneira e as condições da produção e da recepção da obra literária. Conforme observa Karlheiz Stierle (1979, p. 133), no artigo “O que significa a recepção dos textos ficcionais?”,

A recepção abrange cada uma das atividades que se desencadeia no receptor por meio do texto, desde a simples compreensão até à diversidade das reações por ela provocadas - que incluem tanto o fechamento de um livro, como o ato de decorá-lo, de copiá-lo, de presenteá-lo, de escrever uma crítica...

A Estética da Recepção, teoria que valoriza a função do receptor/ leitor na investigação literária contemporânea, busca examinar a função do leitor na obra literária que, no processo de comunicação sempre ocupou um espaço importante, embora obtivesse o segundo lugar em um grande número de correntes críticas, ressaltando a contribuição do leitor na concretização do texto. Segundo Itânia Gomes (1999, p.156),

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No momento em que se fala de recepção, não se consegue escapar à situação na qual o lugar do receptor é o de destinatário de uma mensagem. A recepção é um lugar empírico para onde vão as mensagens que devem ser decodificadas; o receptor é a pessoa empírica que recebe uma mensagem. Mesmo quando se atribui ao receptor o status do produtor de sentido, mesmo aí, permanece a visão fragmentada do processo comunicativo.

A obra literária é, portanto, uma mensagem comunicativa cujo emissor é o autor do texto e cujo receptor é o leitor que produz sentidos a partir do que lê, isto é, interpreta e decodifica a mensagem recebida.

Ainda tratando deste assunto, vale destacar que, como afirma Wolfgang Iser, em seu livro O ato da leitura, a obra literária só se concretiza com o leitor, através dos atos estimulados no receptor, acrescentando aos estudos de Jauss (1994), a Teoria do Efeito Estético. De acordo com as considerações do mencionado crítico, “O sentido do texto é apenas imaginável, pois ele não é dado explicitamente; em conseqüência, apenas na consciência imaginativa do receptor se atualizará” (Iser, 1996, p. 13), ou seja, o sentido de uma obra é obtido, atualizado pela mente do leitor/ receptor.

A literatura contemporânea prevê novos critérios de interpretação, nos quais deixa de lado a intenção do autor e a mensagem da obra e se concentra nos efeitos do texto e em sua recepção. A Estética da Recepção desloca-se da teoria literária presa a uma análise imanente do texto para a sua recepção pelo leitor. A Estética do Efeito interage entre texto e contexto e também, entre texto e leitor. Sobre a Estética do Efeito, Iser (1996, p. 13-14) faz as seguintes colocações:

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[...] uma interpretação da leitura orientada pela estética do efeito visa à função que os textos desempenham em contextos, à comunicação, por meio da qual os textos transmitem experiências que, apesar de não-familiares, são contudo compreensíveis, e à assimilação do texto, através da qual se evidenciam a “prefiguração da recepção” do texto, bem como as faculdades do leitor por ela estimuladas.

A estética do efeito para Iser tem como objetivos desvendar a função que cada texto desempenha em seu respectivo contexto, estabelecer o processo comunicativo entre o texto e o seu leitor e a sua compreensão por este último.

Por sua vez, o crítico Hans Robert Jauss assevera que deve haver uma mudança na história da literatura sob a perspectiva de que o texto oferece condições para a sua reconstrução pelo leitor, complementando a teoria de Iser.

Essa relação entre texto e leitor é vista por Jauss (1979, p. 47-48) como um processo de comunicação, no qual o efeito advém do entrecruzamento de dois pólos - a obra e seu destinatário:

O efeito como momento condicionado pelo texto e a recepção como momento condicionado pelo destinatário, para a concretização do sentido como duplo horizonte do interno ao literário, implicado pela obra, e o mundivivencial trazido pelo leitor de uma determinada sociedade.

Também se deve levar em consideração as experiências vivenciadas pelo leitor no estabelecimento do efeito estético.

Para Jauss, a obra literária propõe uma história da arte e da literatura condicionada em outros princípios: as análises literárias deveriam mudar seu enfoque, não mais centrando-se no texto ou no autor, e sim no que denominou de

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“terceiro estado”: o leitor. Tal perspectiva colocaria em foco a figura do sujeito produtor (destinador) interagindo com a do consumidor (receptor). A arte obedeceria a uma função dialética: formadora e modificadora de percepção (ZILBERMAN, 1989, p. 32).

As implicações históricas da obra literária consolidam-se pela contemporaneidade que é determinada pelo leitor, pois não depende, nesse caso, da época em que foi escrita, mas quando foi lida. Essa postura rompe com a noção da cadeia temporal, uma vez que o autor e a obra começam a fazer parte da história no momento em que são lidos, no momento em que são aceitos pelo público leitor. Em sua primeira tese, Jauss enfatiza a relação dialógica, entre o leitor e o texto, que constitui a produção literária. Sob esse ponto de vista, a obra nunca é monológica ou atemporal: “Ela é, antes, como uma partitura voltada para a ressonância sempre renovada da leitura, libertando o texto da matéria das palavras e conferindo-lhe existência atual.” (JAUSS, 1979, p. 25).

Em sua segunda tese, ele argumenta que a experiência literária pressupõe um “saber prévio”. A obra não se apresenta ao leitor como novidade total, ela se reporta ao “já lido”, desperta e aguça no público leitor expectativas quanto ao meio e fim da contextura narrativa.

Ainda, referenciando o mesmo autor, a obra literária é condicionada somente na relação dialógica da obra com o leitor, tanto do ponto de vista estético como histórico. Voltado para a experiência estética como momento de prazer, o crítico em questão formula os conceitos de fruição compreensiva e compreensão fruidora - o leitor gosta daquilo que compreende e só poderá compreender aquilo

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que aprecia - sendo o prazer e a compreensão processos simultâneos (JAUSS, 1979, p. 46).

O referido crítico tece ainda algumas considerações sobre o prazer estético, as quais julgamos oportuno transcrever. Confiramos algumas delas:

O prazer estético que, desta forma, se realiza na oscilação entre a contemplação desinteressada e a participação experimentadora, é um modo da experiência de si mesmo na capacidade de ser outro, a capacidade a nós aberta pelo comportamento estético. (JAUSS, 1979, p. 77).

Jauss apresenta as três categorias básicas extraídas da tradição estética, que mencionam a experiência estética da obra em relação ao seu emissor-criador e seu receptor, que pode tornar-se seu co-produtor. Tais categorias são denominadas como poiesis, aisthesis e katharsis.

A poiesis remete ao “prazer ante a obra que nós mesmos realizamos” (JAUSS, 1979, p. 79); a interação entre texto e leitor possibilita ao segundo tornar-se co-produtor da criação literária.

A primeira formulação aparece na segunda tese exposta em um texto denominado Pequena apologia:

A liberação pela experiência estética pode se realizar em três planos: a consciência produtora cria um mundo como sua própria obra; a consciência receptora compreende a possibilidade de renovar sua percepção de mundo; enfim – aqui a experiência subjetiva abre-se à experiência intersubjetiva – a reflexão estética se compromete com um julgamento exigido pela obra, ou identifica-se às normas de ação, esboçadas ou a serem definidas. (JAUSS, 1972, p. 13).

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A aisthesis concretiza-se por meio do efeito, ou seja, o leitor reconhece os elementos representados e renova o seu conhecimento sobre esses elementos, o que Jauss (1979, p. 81-82) designa como “o prazer estético da percepção reconhecedora e do reconhecimento perceptivo”.

A katharsis, terceira categoria apresentada por Jauss (1979, p. 57-58), é definida como uma experiência comunicativa:

Como experiência estética comunicativa básica, a katharsis corresponde tanto à tarefa prática das artes como função social, -i.e., servir de mediadora, inauguradora e legitimadora de normas e ação-, quanto à determinação ideal de toda arte autônoma: libertar o expectador de seus interesses práticos e das implicações de seu cotidiano, a fim de levá-lo, através do prazer de si no outro, para a liberdade estética de sua capacidade de julgar.

A katharsis designa “aquele prazer dos afetos provocados pelo discurso ou pela poesia, capaz de conduzir o ouvinte e o espectador, tanto à transformação de suas convicções, quanto à liberação de sua psique” (JAUSS, 1979, p. 80), isto é, por meio da identificação entre os elementos da narrativa e o leitor, processa-se a katharsis, que não se reduz somente à liberação das emoções, mas também é catalisadora de ação, levando o leitor à reflexão frente à sua realidade.

Correspondem essas três funções básicas aos aspectos de produção, recepção e comunicação, que conservam o seu caráter de experiência estética se mantiverem o caráter de prazer.

As pesquisas de Jauss são condicionadas para a reconstrução histórica da forma como o texto foi recebido e interpretado por leitores diversos ao longo do tempo e o seu efeito atual, resultando na fusão de dois horizontes: o do autor que

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construiu o sentido primeiro e o do público que (re)interpreta o sentido em confronto com o tempo atual6.

A Estética da Recepção acolhe como critério de determinação do valor estético da obra literária, o seu poder de decepcionar ou contrariar as expectativas leitoras no momento de sua aparição, isto é, “a distância entre o horizonte de expectativa e a obra, entre o já conhecido da experiência estética anterior e a ‘mudança de horizonte” (JAUSS, 1979, p. 31). A redução dessa distância pode ocorrer, também, com obras literárias que, no momento de aparição, eram inovadoras e para o leitor atual se tornam óbvias.

A obra literária pode propiciar indicadores de como ela foi recebida pelo público leitor, através da reconstituição do horizonte de expectativa de criação e recepção, permitindo que se descubra a pergunta desse mesmo público ao qual a obra respondeu no momento de sua aparição. Apesar disso, a reconstituição da pergunta não se encontra mais no horizonte primeiro e original, ela já está corrompida pelo horizonte atual. Assim sendo, a compreensão histórica da obra alude a uma fusão de horizontes, resultando, também, numa consciência da história dos efeitos, já que a obra foi acumulando ao longo do tempo interpretações e recepções.

Na concretização do texto literário há duas possibilidades assim definidas pelo leitor: uma norteada para o horizonte implícito de expectativa e outra para a análise das expectativas externas à obra, relacionadas à vivência do

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“A objetivação do horizonte de expectativa é possível através daquelas obras que, adotando uma convenção (seja de gênero, estilo ou de forma), evocam um horizonte de expectativa para logo abandoná-lo ou destruí-lo, bem como em obras “historicamente menos delineadas.” (JAUSS, 1979, p.57-58).

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leitor. No primeiro caso, de cunho intraliterário, o efeito é condicionado pela obra. O leitor implícito, criação ficcional, depende das estruturas objetivas da obra; no segundo, de cunho extraliterário, a recepção é condicionada pelo leitor. O leitor explícito depende de fatores externos à obra literária (ZILBERMAN, 1989, p. 65).

Como Jauss, Iser parte da idéia de que o texto só existe por meio da atuação do leitor. No entanto, eles possuem orientações e métodos distintos: o primeiro necessita do testemunho da leitura, enquanto a orientação de Iser recai sobre o próprio texto, argumentando que ele possui uma estrutura apelativa, que colabora para o efeito e reação do leitor frente à obra.

No prefácio à primeira edição de seu livro O ato da leitura, Iser colocava essas duas orientações como “antagônicas” e até mesmo divergentes. Já no prefácio à segunda edição, percebe-se uma reformulação de sua postura:

O efeito e a recepção formam os princípios centrais da Estética da Recepção, que, em face de suas diversas metas orientadoras, operam como métodos histórico-sociológicos (recepção) ou teorético-textuais (efeito). A Estética da Recepção alcança, portanto, a sua mais plena dimensão quando essas duas metas diversas se interligam. (ISER, 1996)

O leitor compreende a obra dentro dos limites do seu momento, inserido em seu contexto sócio-cultural. Por essa perspectiva, forças textuais várias nos conduzem a crer que algumas das mais significativas articulações entre tradição e modernidade advêm de recursos literários indicadores de pelo menos uma tendência em comum: alguns autores não se sentem comprometidos com a idéia de que, no espaço de suas produções ficcionais, o leitor irá encontrar respostas firmes ou definitivas para o repertório de suas obras. Tanto os escritores

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contemporâneos, quanto os reconhecidos por sua tradição parecem querer deixar em constante estado de suspensão, marcas de obscuras subjetividades, contrastes entre valores culturais, luta de existência humana, contradições sociais – de uma história da ficção que provoca a interferência perceptiva e a resposta conceitual do pólo da recepção.

Machado de Assis, já no século XIX, a seu modo, nunca quis indicar caminhos certos para seus leitores. A crítica, em alerta, sabia que a narrativa machadiana logo cuidava de criar incertezas, todas as vezes em que uma gestalt estava prestes a se fechar, ou sempre que um sentido se mostrasse ameaçado por discordâncias entre personagens, ou ainda, todas as vezes em que as discrepâncias interruptoras da good continuation (continuação desejável) se encontrassem em divergências. Silvia Regina Pinto (2003), uma das mais importantes críticas da literatura contemporânea, chama-nos a atenção em artigo recente, publicado com o título de “Desmarcando territórios ficcionais: aventuras e perversões do narrador” sobre o fato de o narrador machadiano, propositadamente, procurar criar incertezas no leitor:

Ao leitor, já desde Machado de Assis, não se oferece uma posição confortável, a partir da qual, um texto seja inteligível de uma forma tranqüila. Mas no discurso narrativo atual, o uso declarado de muitos intertextos sugere uma recusa textualizada no sentido de referendar a subjetividade singular ou o sentido único. (PINTO, 2003, p. 84).

Por meio das considerações de Silvia Regina Pinto, percebe-se que Machado de Assis procurava desestabilizar o seu leitor, acostumado com histórias mais tradicionais, nas quais tudo lhe era fornecido de antemão, ou seja, o narrador

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encarregava-se de fornecer todos os detalhes para a compreensão do texto. O narrador machadiano é volúvel para usar uma expressão muito feliz de Roberto Schwarz (1990) e também indigno de confiança e essas características permaneceram e se ampliaram nos narradores atuais, os quais, por intermédio do emprego em larga escala da intertextualidade, recusam-se a escrever textos em que predominem uma significação unívoca e enfatizam sempre a sua plurissignificação, ou seja, os seus vários sentidos, as suas várias interpretações.

1.3. OS VAZIOS: PROJEÇÕES IMAGINATIVAS

A obra de Machado, como sabemos, é marcada por apresentar textos em constantes confrontos. E é por esse motivo que o renomado escritor subscreve uma ficção de vazios, pois a trama configura-se através de ações e reflexões, deixada em estado suspensivo. Uma ficção que se constrói desse modo instaura condições de comunicação e suscita respostas decorrentes dos efeitos estéticos produzidos na mente do leitor, conforme conceitos formuladas por Wolfgang Iser (1979). É claro que Machado não conheceu Iser para escrever sua obra e nem poderia ser de outra forma, pois o período que separa o escritor carioca do teórico alemão Iser é de mais ou menos um século. No entanto, Machado antecipa procedimentos estilísticos que irão ser largamente empregados no romance contemporâneo, do alemão Franz Kafka ao brasileiro Guimarães Rosa.

As estratégias narrativas e as estruturas de apelo do texto constituem-se em regras e instruções predeterminadas que auxiliam o leitor no processo de

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compreensão do texto. Para ativar a leitura, essas estratégias/ estruturas dispõem de mecanismos de orientação, uma espécie de “modos de usar” que guiam o leitor à interpretação, transformando o destinatário numa peça básica para dar sentido à obra, concebida enquanto modalidade de comunicação.

Um texto, mesmo atingindo inúmeras interpretações, desenvolve dentro de seu próprio contexto um processo de seleção. Daí, a interpretação impor seus limites. Esta não pode ser entendida como um mero ato de decodificação, mas como um espaço de construção e de sentido para o qual um signo (na literatura ou no cinema) exprime uma organização de significantes, que além de ter como função designar um objeto-significado, designam também instruções para produção de um significado. O ato de interpretar, baseado nas teorizações do crítico italiano Umberto Eco, estaria na tarefa semiótica de compreender como se produz e como são construídos os significados para o seu leitor modelo (SILVA FILHO, 1993, p. 41).

Podemos dizer que, subjacente às considerações posteriores à leitura, temos um discurso sobre a prática de leitura no seu momento de apreensão, o que possibilita recompor a reação e atuação do leitor. No entanto, não nos centraremos na aplicação prática dessa teoria, mas a aceitaremos como contribuição necessária e válida.

Sabemos que os conceitos são transitórios e que é uma ambição fadada ao fracasso acreditar que as significações são objetivas e transmitidas com valor de eternidade. Entretanto, se não dispomos de balizas para medir a relatividade dos conceitos, arriscamo-nos a tentar tornar absoluto o que precisa ser compreendido nas suas devidas proporções e especificidades.

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A análise do texto busca resgatar na obra literária um objeto estético constituído de elementos distintos, mas entre si articulados de modo a promover um discurso polifônico, o qual, muitas vezes, encarrega-se de nos transmitir os sentidos do texto.

O leitor preenche as lacunas com as suas projeções imaginativas; desenvolve associações entre os elementos, formula hipóteses e faz deduções. É ele quem dá consistência representativa a um objeto estético, cuja “existência” está na dependência da sua atuação como o finalizador da obra literária. A Estética da Recepção delega ao leitor esse papel de co-produtor do texto. Vale recordar que o leitor é o alvo deste trabalho, que estudará a recepção da adaptação cinematográfica por alunos do ensino médio e como tal adaptação pode ser empregada para instigar/ propiciar a leitura do texto literário.

Em relação ao lado performativo do cinema, destacamos que é preciso evitar o risco de saturar as imagens visuais com signos que pertencem à outra lógica de sentido e que poderiam prejudicar uma comunicação visual de qualidade. Transpor a arte literária para as máquinas de visão implica sempre uma atitude que requer perspicácia e sensibilidade. A recepção de um livro adaptado para a televisão tem a ver com as relações entre a experiência da memória e a experiência do cotidiano dos indivíduos.

Na verdade, enquanto a literatura projeta-se na mente do leitor, a imagem, o movimento e o som, os meios tecnológicos exteriorizam a projeção de imagens em uma tela que se oferece à contemplação do olhar e à apreensão dos sentidos: “Um filme quando passa na tela, e um livro, no instante em que está sendo lido, não são apenas esses objetos que aparecem diante dos olhos. São

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também e principalmente os que começam a se criar no imaginário a partir do estímulo que vem da imagem e da letra.” (AVELLAR, 1994, p. 98).

Todo texto (e especialmente o literário) tem informações implícitas que devem ser explicitadas pelo leitor, em busca da coerência que não está nele nem no texto, mas sim que surge como produto da interação entre ambos e o contexto. Um texto acabado necessita de alguém para ajudá-lo a funcionar.

O efeito estético, sendo motivado pelo texto, impõe ao leitor atividades imaginativas, tal como podemos observar nesta passagem do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas:

Capítulo LV –

O Velho Diálogo de Adão e Eva Brás Cubas . . . ? Virgília . . . . Brás Cubas . . . . . . . . Virgília . . . ! Brás Cubas . . . . Virgília . . . . . . . ? . . . . . . . . . Brás Cubas . . . Virgília . . . . Brás Cubas . . . . . . . . . . . ! . . . .

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41 . . ! . . . . . . ! Virgília . . . ? Brás Cubas . . . ! Virgília . . . ! (MPBC, 1982, p. 71).

“O velho diálogo de Adão e Eva” não é esclarecido pelo narrador, antes, exige uma atividade do leitor; preencher os vazios, conforme a sua imaginação, uma vez que o diálogo é narrado, tendo como referência ou intertexto as escrituras bíblicas: o Velho Testamento. O narrador incita o leitor a buscar e a imaginar o que acontecera com Brás Cubas e Virgília e qual a relação com o casal no jardim do Éden, conforme a Bíblia. Há nesse diálogo, uma ruptura das expectativas costumeiras do leitor, uma vez que, quando se trata de diálogo, logo se pensa em uma conversa entre personagens.

O discurso é marcado por sinais de pontuação: pontos, pontos de exclamação e interrogação, e no qual, com exceção dos nomes de Virgília e Brás Cubas, não há palavras graficamente registradas. Esse processo tende a conduzir o leitor ao preenchimento dos vazios do texto por meio de perguntas e respostas, conforme seu imaginário.

A interação entre texto e leitor, a “contingência” (a eventualidade, a imprecisão, os elementos imprevisíveis que impressionam o leitor) é de grande valia, pois, assim como ela desestrutura a interação texto-leitor, quando as relações são rompidas, é ela que sustenta o sucesso da reação do leitor diante da

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obra literária, através de um ponto comum entre o autor e o leitor, pela “fusão de horizontes”7.

A contingência facilita uma mudança no ponto de vista por parte do leitor, através dos elementos aleatórios, invalidando o conhecido, “dificultando a constituição imediata do sentido”, provocando o imaginário do leitor na construção do texto, possibilitando inúmeras interpretações. Esses elementos imprevisíveis são os pilares de sustentação da interação.

Para que o leitor tenha mais participação na obra, a mesma já oferece uma estrutura que facilita sua função de preencher as lacunas do texto. Os vazios, como mecanismos de indeterminações, buscam o intercâmbio entre o texto e o leitor, pautando-se na atividade de representação do receptor. A indeterminação decorre do desempenho comunicativo dos textos ficcionais. A assimetria entre texto e leitor atua como incitamento de reações; é a assimetria estrutural que valida os estímulos essenciais para a concretização do texto. Assim, os vazios são as assimetrias vitais entre o texto e leitor para a realização da comunicação. O codificador, ao construir o texto, deve torná-lo coerente, mesmo quando este lhe confere liberdade de construção e o controle da decodificação, por meio de estratégias textuais, com o intuito de manter o contato com leitor.

A liberdade de validar a obra de várias maneiras rompe com a idéia de uma única versão correta do texto, porque versões diversas poderão surgir de

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Fusão de horizontes: “Conceito emprestado de Gadamer, que significa o processo mesmo de intercâmbio do leitor com a obra literária do passado; esta, integrada na origem de um horizonte, vai se apropriando dos horizontes dos novos contextos temporais onde circula. Portanto, não apenas cada leitor contribui com seu horizonte, como recebe da obra os horizontes a que ela já se amalgamou com o decorrer da história.” (ZILBERMAN, 1989, p. 113).

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