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4.1 Flama e O Cruzeiro

4.1.2. O Cruzeiro

(...) na presidência de o Cruzeiro, Chateaubriand começava a dar uma nova cara a seus jornais e revistas.(...) começam a aparecer (...) personagens (...) como Manuel Bandeira, (...) Graça Aranha (...) David Nasser ( ...) Millôr Fernandes, Carlos Castello Branco e Frederico Chateaubriand (...) um dos grandes responsáveis pela transformação de O Cruzeiro em uma das mais importantes revista do Brasil(...)

Fernando Morais

A idealização do projeto da revista “O Cruzeiro” iniciou-se com um português, Carlos Malheiros Dias, que não deu continuidade à empreitada, por falta de recursos. Assis Chateaubriand interessou-se pelo projeto, mas também não tinha como arcar com os custos. Chateaubriand era uma figura singular, de grande projeção, bem nascido e com bons contatos. Apesar de ter passado por problemas pessoais que o impediram de se alfabetizar antes dos doze anos, aos dezoito já trabalhava em um pequeno jornal. Poucos anos depois,

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passou a integrar outros jornais mais importantes, até chegar ao seu objetivo inicial e ser proprietário de um, o que ocorreu em 1923. E, assim, principiou-se o que viria a ser o império das comunicações do embaixador Chateaubriand. Como pessoa bem relacionada, por intermédio de Getúlio Vargas, conseguiu uma ajuda para o novo projeto encampado, no valor de 250 contos, com um banqueiro gaúcho. Dessa maneira nasceu, em novembro de 1928, no Rio de Janeiro, a mais importante revista ilustrada do século XX, embora sua consolidação tenha se dado mesmo na década de 30.

Para seu número de lançamento, houve um pesado recurso de divulgação. Cinco dias antes de a publicação chegar às bancas, foram lançados de altos prédios quatro milhões de folhetos, na Avenida Central. Chateaubriand apostou ainda num lançamento simultâneo, em várias capitais do país. Com tanto alarde, logo de início atingiu a venda de cinqüenta mil exemplares. Já para a estréia da revista, outra novidade: a capa colorida, além de contar com o gênero entrevista.

De propriedade dos Diários Associados, grupo que chegou a contar com trinta e sete jornais diários, em todo o Brasil, O Cruzeiro já saiu como revista semanal, mantinha agentes em todo o país, bem como correspondentes em vários países da Europa, além de outro em Nova York. A publicação podia ser conseguida nas bancas, em números individuais, ou por meio de assinatura, mesmo do exterior. Continha nesses primeiros anos, em média, sessenta e quatro página, das quais cerca de metade destinada à publicidade. Foi a primeira revista brasileira a atingir todo o território nacional.

O texto de apresentação do primeiro número justificava o nome da revista, relacionando-o à História do Brasil e também ao cruzeiro, um símbolo cristão. O grupo Diários Associados afirmou, no número um da publicação, depositar nas mãos dos leitores a revista mais moderna do Brasil.

Outro recurso inovador, de cunho auto-promocional, eram os prêmios distribuídos, como o incentivo a concursos e, já no número de lançamento, promoveu-se um concurso de fotografia. O sucesso não tardou e, poucos meses depois de ter sido lançada, tornou-se a grande revista do país. Após emplacar, O Cruzeiro alcançava, em média, duzentos mil exemplares em cada tiragem. Houve, todavia, edições com setecentos mil exemplares vendidos.

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As estratégias para conquistar leitores continuavam e eram variadas, como propor manter contacto direto com o público, recebendo cartas em diversas seções. Por rigor de Chateaubriand, durante algum tempo as revistas eram impressas na Argentina, por este não gostar da qualidade técnica das gráficas brasileiras. Talvez por causa desse tipo de exigência de quem comandava a edição da revista, chame tanto a atenção o fato de esta ser tão colorida e rica em fotos de muita qualidade, se comparadas a outras revistas em circulação no Brasil e em Portugal, na mesma época.

A mulher tinha espaço garantido e era sempre um público a ser constantemente alvo. Na seção “Dona”, esse alvo era ainda mais delimitado: a mulher de melhor poder aquisitivo, a leitora da revista. Havia, ainda, espaço para cinema, esporte, culinária, coluna social, moda, charges internacionais e saúde, na seção “Consultório Médico”, em que um médico respondia às dúvidas dos leitores. Com tanta variedade, numa época de poucos recursos para entretenimento, não é de admirar que o público leitor fosse variado e facilmente conquistado.

Mesmo com tantas seções, era rara a página sem publicidade e a ilustração era sempre um destaque d’O Cruzeiro. O caráter mais nacionalista dominava o discurso da revista. Em datas nacionais significativas, O Cruzeiro direcionava alguns textos para a política interna. A revista mostrou oscilar apoio e ataque durante a era Vargas. Em alguns momentos explicitava o apoio claro e incondicional a Getúlio Vargas, em especial durante o Estado Novo e, em outros, uma oposição forte e desconfortável para o governo

Poucas mudanças se notaram nos anos seguintes, mas a partir de 1935 as páginas da revista contaram com um número ainda maior de fotos e mais seções destinadas a mulheres, como foi o caso de “Mãe” e “Filhos”.

Os negócios de Chateaubriand passaram a ocupar uma sede própria, para onde também se mudou O Cruzeiro, um arranha-céu, assinado por Oscar Niemeyer. Chateaubriand seguiu ampliando fortemente seus negócios, em pouco tempo anexou ao seu império trinta e cinco emissoras de rádio espalhadas pelo país. Para conseguir tanto sucesso nos negócios, em especial na área da comunicação, o embaixador contava com os melhores jornalistas do Brasil, sem contar sua forte influência tanto no meio político, como no meio empresarial e na sociedade mais abastada de todas as regiões do país.

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O Cruzeiro passava pela caneta dos importantes jornalistas e, por mais de quarenta anos, teve por diretor de redação o médico e jornalista Accioly Neto, acrescentando-se um grupo seleto de colaboradores, dos quais alguns viriam a compor a Academia Brasileira de Letras, como os ilustres Carlos Castello Branco, José Cândido de Carvalho, Herberto Salles, Lêdo Ivo e Rachel de Queiroz.

A sensível mudança editorial na revista Cruzeiro ocorreu em 1940, em que o estilo de reportagem investigativa passou a ser o tom de uma nova maneira de fazer jornalismo. Dessa forma, o período ficou marcado por notícias que culminariam com a Segunda Guerra Mundial, sem deixar de lado textos noticiando a vida das estrelas de Hollywood.

No ano de 1945, a revista contou com mais novidades. Entrou, na primeira página, um índice, ao lado de um artigo. Foi desse período o início de uma dupla, o jornalista David Nasser e o fotógrafo Jean Manzon que, aos poucos, virou sinônimo da revista de Assis Chateaubriand. O fotógrafo chegou ao Brasil em 1943, após ter prestado serviços para uma publicação francesa, a revista Paris Match. Ambos foram os responsáveis por grandes reportagens e Manzon introduziu um novo tipo de fotojornalismo, com fotografias mais dinâmicas.

Foi, contudo, em 1944 que não só a revista, mas a dupla Nasser e Manzon ganhou ainda maior notoriedade, também em outros sessenta países, pela publicação de uma matéria intitulada: “Enfrentando os Xavantes”, uma edição com dezoito páginas com fotos dos chamados selvagens em ataque de flechas e golpes, bem próximo do avião em que estavam os autores da reportagem. Há quem tenha julgado a estratégia dos mencionados profissionais uma forma de não só apresentar o desconhecido, o pitoresco, como também de se mostrarem como corajosos, valentes; já que estiveram tão próximo do perigo: os índios Xavantes. Uma das fortes características da dupla era o desenvolvimento de matérias com temas polêmicos.

Nos anos seguintes, notou-se um maior destaque para as páginas que se destinavam ao humor. Somado ao “Pif-Paf”, de autoria de Millôr Fernandes, surgiu a extremamente popular charge “Amigo da Onça”, do pernambucano Péricles de Andrade Maranhão, que apresentava sempre um tema cotidiano. O Cruzeiro normalmente ia para as bancas, tendo como capas modelos, atrizes, mulheres bonitas. Raras foram as vezes em que a capa destacava alguém do meio político. Segundo o verificado em alguns dados recentes, a

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revista ainda conta com recordes não quebrados, além de sua longevidade. A revista passou por alguns pequenos períodos sem publicação, mas circulou, sem interrupção, de 1943 a julho de 1975.

Foram vários os fatores que levaram ao fim da revista. O Regime Militar, segundo indícios, ajudou na promoção e na ascensão das Organizações Globo, fortíssima concorrente, somando-se ao fato de os Diários Associados virem perdendo prestígio. Em 1968, Chateaubriand morreu e o grupo não viu alternativa, se não se desfazer, aos poucos, de seus veículos.

Antes de seu fim, a revista enfatizou a publicidade, deixando as grandes reportagens num segundo plano, o que resultou em uma queda vertiginosa de venda. Como conseqüência, o grupo alterou sua periodicidade para mensal.

A revista que era destinada à classe média, mas também à elite, que trazia muitas e diferenciadas seções, com relevantes reportagens, saiu do mercado defasada. Com seu encerramento, abriu-se o espaço para a Realidade e para a recém-nascida Veja.